O presidente Jair Bolsonaro (PSL) chocou "lavajatistas" e aliados mais próximos ao sugerir que pode trocar o comando da Polícia Federal, sem qualquer motivo aparente, e passando por cima da autoridade do ministro da Justiça, Sergio Moro. Segundo o chefe do Executivo nacional, não se trata de uma interferência na corporação, mas é nítido que há uma queda de braço com a PF.
"Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral. Se eu trocar hoje, qual o problema? Está na lei. Eu que indico, e não o Sergio Moro. E ponto final", disse Bolsonaro nesta quinta-feira (22), em Brasília.
Na semana passada, o presidente já havia causado controvérsia com a instituição ao indicar que pretendia retirar do cargo o superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi. Instituições de servidores da PF contestaram a declaração, destacaram que a escolha do superintendente compete ao diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e afirmaram que a polícia é uma instituição "de Estado", e não "de governo".
A postura de Bolsonaro flerta perigosamente com a ruptura com segmentos que o apoiam desde o período eleitoral e nos dias atuais dão suporte ao seu governo. O discurso firme do capitão reformado no combate à violência o aproximou de policiais de diferentes categorias. Mas, agora, o presidente vê membros de instituições que o apoiam questionando a real intenção por trás desse conflito com a PF e com outros órgãos de combate à corrupção, como a Receita Federal e o agora extinto Coaf.
As falas do presidente também causaram surpresa em alguns setores porque atingem e desgastam o ministro Sergio Moro. O ex-juiz foi nomeado por Bolsonaro como uma espécie de "superministro" e alçado ao cargo pela reputação que desenvolveu durante a Operação Lava Jato. Mas a harmonia entre ele e Bolsonaro já viveu dias melhores. Coincidência ou não, a relação piorou a partir de junho, com a divulgação de supostas mensagens entre Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol que indicariam parcialidade do ex-juiz em julgamentos da Lava Jato.
Fritura de Moro pode abalar de vez um dos pilares do governo
Se a ameaça de Bolsonaro de demitir a diretoria da PF prosseguir, um choque entre o presidente e Moro será inevitável. Maurício Valeixo é homem de confiança do ministro da Justiça e antigo parceiro da Lava Jato. O afastamento do delegado sem justificativa tende a abalar um dos principais pilares do governo Bolsonaro. Nesta quinta, diferentes jornais relataram que Moro estaria sob "fritura" e teria recebido de amigos a sugestão de pedir demissão.
Apesar de críticas a uma suposta atuação política de Moro nos tempos de juiz, o desempenho dele como ministro é visto como "técnico" e elogiado por diferentes segmentos. "Do ponto de vista da atuação técnica, a gente tem tido uma boa perspectiva com o trabalho do ministro Moro", declarou Marcos Camargo, Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF). Ele citou avanços em bancos de dados, desenvolvimento científico e melhora de infraestrutura geral para o trabalho da categoria.
Coordenador da Frente Parlamentar de Segurança da Câmara (a "bancada da bala"), o deputado Capitão Augusto (PL-SP) também vê como positivo o trabalho de Moro. Ele avalia que o pacote de segurança enviado pelo ministro à Câmara é "excelente" e que pode alterar o quadro da segurança pública do brasil. O deputado, entretanto, minimiza os impactos da fala de Bolsonaro sobre a PF: "as declarações de Bolsonaro foram sobre ações que estão descritas na lei. Se estão na lei, não são nenhum demérito para o ministro Moro. Quem não gosta, que mude a lei".
Moro é o ministro mais conhecido e com a maior taxa de aprovação no governo Bolsonaro, segundo pesquisa Datafolha divulgada em julho. O ministro nega pretensões eleitorais, mas seu nome rotineiramente é citado como uma possível alternativa à sucessão de Jair Bolsonaro. Há ainda a possibilidade de ele ser indicado pelo presidente para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio, Bolsonaro disse que havia firmado um "compromisso" com Moro para a vaga na suprema corte.
Witzel desaprova postura de Bolsonaro
No campo político, coube ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), desaprovar a conduta de Jair Bolsonaro nesse caso. A declaração de Witzel chamou a atenção por vir de um aliado que sempre esteve na mesma sintonia do chefe do Planalto – embora o gestor do Rio já tenha dito, em mais de uma ocasião, que pretende presidir o Brasil.
Witzel disse, nesta quinta-feira: "data maxima venia ao nosso presidente, fico muito tranquilo para abrir uma divergência, como a gente faz no tribunal". "Meu entendimento é de que nós temos que dar diretrizes políticas às instituições que são fruto do nosso programa de governo. Na medida em que você começa a dizer qual é o delegado que vai ocupar a delegacia da cidade X, qual é o comandante do batalhão da cidade Y, isso passa a ferir a cadeia de comando e as estruturas ficam dependentes da política", apontou.
O posicionamento de Witzel foi o segundo desacordo recente de um governador aliado com Bolsonaro. O primeiro veio do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que chamou de "inaceitável" a fala de Bolsonaro sobre o desaparecimento do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, durante o regime militar. Doria também é mencionado como um possível candidato à Presidência em 2022. No segundo turno da eleição de 2018, ele colou sua imagem à de Bolsonaro com o slogan "#bolsodoria".
Entre o abuso de autoridade e a PF independente
A controvérsia entre Bolsonaro e a cúpula da PF se dá em uma semana em que duas temáticas da segurança pública entraram no radar. Uma é a pressão sobre o presidente da República para que ele vete o projeto sobre abuso de autoridade aprovado na semana passada pelo Congresso. A proposta foi referendada pela Câmara principalmente com a articulação dos partidos de centro e de centro-esquerda. A mobilização para o veto envolve lideranças do PSL de Bolsonaro, como o senador Major Olímpio (SP).
Já o outro tópico sobre segurança pública que eclodiu nesta semana foi a decisão do deputado Felipe Francischini (PSL-PR) de retomar a tramitação de um projeto que garante autonomia à Polícia Federal – justamente o foco das críticas recentes de Bolsonaro. Francischini é o presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara e designou como relator da proposta o deputado João Campos (Republicanos-GO). Tanto Campos quanto Francischini são apoiadores do governo Bolsonaro.
A discussão sobre autonomia da polícia foi relacionada com as falas atuais de Bolsonaro e também com as investigações sobre o caso Queiroz, que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. Segundo críticos da postura de Bolsonaro, a sugestão da alteração na Superintendência do Rio de Janeiro teria como foco impedir que as investigações chegassem a Flávio.
Para o perito Marcos Camargo, a discussão sobre a PF precisa ser pautada na valorização da instituição e na concepção de que o órgão atua de acordo com os interesses do Estado, e não do governo. "Pela legislação vigente, o presidente tem a prerrogativa de trocar seus ministros e de fazer a nomeação do diretor-geral da Polícia Federal. Mas tudo isso tem que ser efetuado de forma fundamentada. O que não é o caso atual. Se a produtividade e a efetividade da PF não estão adequadas, onde estão os dados que comprovam isso? Não é apenas porque a lei permite que se pode sair trocando tudo", afirmou.
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