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Defendida com vigor pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a Reforma Administrativa entrou na lista de prioridades para 2024 também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e tem agora a chance de avançar no Congresso. Um projeto de reforma enviado ainda pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) já vem sendo debatido pelos deputados nos últimos anos, mas sofre resistências do Executivo e deve ser substituído por outro, com a colaboração de parlamentares governistas e da oposição. Essa agenda também tem sido apresentada como forma de perseguir o equilíbrio fiscal pelo lado da despesa, em contraponto à prioridade do governo atual exclusivamente voltada para o aumento das receitas.
Em sua fala na sessão de abertura do ano legislativo, Pacheco afirmou que a melhoria das condições de vida da população passa necessariamente pelo fortalecimento da economia. Por isso, além de regulamentar a Reforma Tributária promulgada em 2023, ele defendeu a “racionalização do serviço público”, que seria buscada por meio de uma reforma administrativa. “A desburocratização, o combate aos privilégios e ao desperdício do dinheiro público, a discussão sobre a qualidade do gasto público e o tamanho do Estado brasileiro são desafios que se impõem ao Congresso”, discursou.
Lira, por sua vez, afirmou que a reforma administrativa é uma necessidade para o país, com objetivo de “atualizar o serviço público para a terceira década deste terceiro milênio”. “Trata-se de uma proposta que mantém conquistas, mas que acima de tudo busca racionalidade, eficiência e uma melhor prestação de serviço à população”, observou. O presidente da Câmara fez questão de dizer que sua vontade está sujeita à discussão democrática e só irá adiante por consenso, negociado pelo colégio de líderes.
Enviada em setembro de 2020 pela administração anterior, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, mas teve a tramitação interrompida na Comissão Especial devido a outras prioridades na pauta. A PEC propõe alterações abrangentes e profundas na estrutura da máquina pública, que são rejeitadas por entidades sindicais de servidores, bancadas de esquerda e ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre os principais aspectos da proposta que, caso sancionada, teria efeitos sobretudo sobre novos ingressantes no setor público, estão mudanças nas formas de contratações, remuneração e demissões. O ponto mais polêmico envolve a introdução da avaliação periódica de desempenho de servidores e testes de aptidão para a efetivação de concursados em cargos públicos, além de propor seleções simplificadas para ocupação de vagas temporárias. Outra medida polêmica que traz é o fim da estabilidade absoluta no serviço público, condicionada à performance do servidor no seu cargo.
Ministra de Lula quer mudanças fatiadas e sem foco no gasto
Sob pressão de parlamentares e de categorias de servidores temerosas de perdas de garantias para que apresente uma proposta global e alternativa por parte do governo, a ministra da Gestão, Esther Dweck, vem tentando contornar a questão com a defesa de projetos que tratam de temas específicos, além da inclusão de Legislativo e Judiciário nas discussões que já abrangem o Executivo. Segundo informou em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, ela pretende organizar nas próximas semanas uma agenda comum de propostas com Legislativo e, “provavelmente”, o Judiciário.
Para a ministra, o ideal seria encontrar projetos prioritários aos três Poderes que foquem, principalmente, na melhoria da prestação do serviço público, sem ênfase na redução de gastos.
Um dos projetos que a reforma fatiada defendida pelo governo é o que elimina supersalários, mas encontra repulsa sobretudo do Judiciário. Aprovado na Câmara em 2021, o texto está desde então parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, à espera de um relator. O pacote de projetos apoiado por Esther inclui ainda projetos para regular cotas raciais no serviço público, reestruturar carreiras e a revisão dos concursos públicos, há 20 anos em debate.
A ministra entende que a PEC 32, encaminhada por Bolsonaro, tem “falhas graves” e pode levar ao aumento de custos, em vez de redução, ao favorecer carreiras de segurança pública. A redução no gasto é evidente, reconhece ela, na possibilidade de reduzir salários de servidores conforme redução da jornada de trabalho em até 25%.
Especialistas veem choque entre propostas de Bolsonaro e Lula
Para o cientista político Luiz Felipe d’Avila, a PEC que tramita no Congresso é boa e deveria ser levada em consideração. Ele lembra que a proposta se baseia em sugestões dos economistas Ana Carla Abrão e Carlos Ary Sundfeld e tratam da diminuição de carreiras, da avaliação de desempenho para a progressão na carreira (e não mais pelo tempo de serviço) e do fim de privilégios, tais como 60 dias de férias para o Judiciário, licença-prêmio e aposentadoria compulsória como modalidade de punição.
O texto, acrescenta d'Avila, ainda avança com a mudança do estágio probatório (fazer valer a questão de desempenho antes da efetivação) e a proibição de regimes previdenciários especiais, obrigando todos servidores a se enquadrarem na Reforma da Previdência. "O governo Lula não oferece nenhuma das medidas para aumentar a efetividade da máquina pública, valorizar o servidor por desempenho e acabar com privilégios", lamentou ele, que é um dos maiores entusiastas da reforma do Estado.
O professor de relações institucionais e políticas pública Arthur Wittenberg concorda que há chance de a matéria avançar no Congresso, dependendo apenas de se alcançar um acordo a respeito do alcance dela.
“É raro vermos alinhamento entre Câmara, Senado e Executivo sobre um mesmo tema, mas parece haver convergência sobre a necessidade de se fazer alguma Reforma Administrativa. Não há, contudo, sinais evidentes de como ela será debatida e encaminhada efetivamente, lembrando que o Congresso tem um perfil liberal, diverso do perfil do governo”, observou.