Enquanto o governo tenta encontrar o rumo da articulação política, o Congresso impõe uma agenda própria. Na prática, foi o presidente Jair Bolsonaro quem abriu o caminho para o "empoderamento" do Legislativo ao abandonar o presidencialismo de coalizão, prática de governar dos seus antecessores. O Parlamento ocupou o espaço vazio: já são seis as iniciativas traçadas pelo Congresso para garantir maior influência e poder político.
No duelo com o Planalto, o Congresso tem usado suas armas. Em dois meses de trabalho, a Câmara aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece o orçamento impositivo, retirando do governo o poder de autorizar gastos apenas quando bem entender.
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O "pacote de maldades" inclui, ainda, limitar o poder do presidente de editar medidas provisórias, impor derrotas em votações de propostas de interesse do governo, priorizar projetos de autoria dos deputados e senadores em caso de temas coincidentes, atrasar a votação da reforma da Previdência e estabelecer outros interlocutores prioritários que não o Planalto.
Antes e depois das eleições, Bolsonaro "criminalizou" o presidencialismo de coalizão. A prática, que consiste em dividir o poder – e os ministérios – com partidos aliados em troca de apoio no Congresso, é chamada por ele de "velha política". Não são poucos os escândalos envolvendo esse sistema. Compra de votos para a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mensalão e Lava Jato são os mais conhecidos. A generalização, contudo, incomoda o Congresso.
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"O problema não é o presidencialismo de coalizão e sim as intenções na formação do governo", resume o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele reconhece que Bolsonaro não tem como adotar esse modelo porque seu "eleitorado raiz" reagiria. Sem alternativa, os parlamentares decidiram aproveitar o vácuo para se impor. "A decisão do presidente de priorizar a independência entre os poderes abre a possibilidade de restabelecermos as nossas prerrogativas", afirma.
Líder carismático. Mas até quando?
O cientista político Paulo Kramer, que colaborou com o programa de governo de Bolsonaro, recorre ao sociólogo alemão Max Weber para definir a forma Bolsonaro de governar como "carismática ou plebiscitária, em que o líder procura uma aliança direta com as massas passando por cima da cabeça dos congressistas".
"Vai ser sempre uma relação instável em que, de um lado, o presidente vai procurar não perder o capital de popularidade perante as massas – e as massas não se agradarão se ele ficar muito íntimo dos deputados e senadores – e o Congresso vai esperar que a popularidade de Bolsonaro se desgaste para aumentar o poder de barganha", avalia.
Segundo Kramer, essa forma de governar, no entanto, deixa o presidente em uma condição mais vulnerável. "Como não organizou uma base nos moldes do presidencialismo de coalizão, Bolsonaro está pendurado na rua. O carisma de um líder é fugaz, não dura muito", diz.
Barrar a farra das medidas provisórias é a nova prioridade
A medida mais avançada do Congresso para se sobressair ao Planalto é o orçamento impositivo, que retira do governo o poder de autorizar gastos apenas quando bem entender. Era prática recorrente nos governos que antecederam Bolsonaro a liberação de recursos às vésperas de votação em troca de apoio de parlamentares para aprovar matérias.
O próximo passo será limitar a edição de medidas provisórias. A Câmara tem um projeto nesse sentido, mas o presente de grego para o governo pode vir do Senado. Na última semana, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou projeto limitando em cinco as MPs que o presidente poderá editar. Hoje não há um teto. Como tem força de lei, as MPs são usadas pelo Executivo como um drible que evita a demora do Congresso na análise das proposições.
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O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), um governista convicto, não gosta de briga, mas está sendo pressionado a colocar a Casa na trilha do "empoderamento" e já deu sinal verde para a votação da proposta do amigo Randolfe.
Além de limitar os poderes do presidente da República, o Congresso também vai rivalizar com ele. A equipe econômica prepara uma proposta de reforma tributária, mas Maia já disse em voz alta que vai tocar a do líder do MDB, Baleia Rossi (SP).
A agenda econômica é outro motivo de medição de forças com o governo. Nesse caso, o Planalto tem batido em um muro chamado Centrão, que reúne legendas mais fisiológicas como PP, PR, PRB, DEM e Solidariedade. O grupo, que dominou o Congresso nos governos Dilma e Temer, voltou a ditar as regras na Câmara, causando sucessivas derrotas ao governo. A última foi na semana passada, quando adiou a votação da reforma da Previdência para o próximo dia 23.
Maia tem interlocução própria com o mercado financeiro. Essa ponte com empresários e banqueiros tem influenciado na agenda independente do Congresso. Empresários que conversam com Maia dizem que o orientaram a tocar um "governo paralelo", uma vez que o presidente está refém da agenda ideológica, razão pela qual ninguém espera que mergulhe de cabeça na aprovação da reforma da Previdência.
Parlamento age para limitar o poder do Planalto
Políticos experientes dizem que o empoderamento do Congresso não é uma retaliação ao governo do presidente Jair Bolsonaro, mas uma forma de buscar o equilíbrio com os demais poderes. O orçamento autorizativo e as medidas provisórias, afirmam, conferem ao presidente um poder imperial.
"O Congresso, neste caso, não pratica o 'toma lá, dá cá', mas exerce a boa iniciativa de recuperar uma prerrogativa que promova o equilíbrio entre os poderes", observa o ex-deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que exerceu 11 mandatos. Ele defende o fim do presidencialismo de coalizão como outra medida que vai melhorar a imagem do Congresso. "No Brasil isso se transformou em cooptação. Se o presidente entrar nisso ele começa capitão e termina refém."
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também enxerga o momento político como oportunidade para que o Congresso abandone a prática "de trocar apoio por emendas e cargos e se coloque como o principal formulador de políticas públicas".
"Quanto mais o Parlamento demonstrar que tem força, prestígio e competência para exercê-las, melhor. Esse momento é propício a isto", disse o vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), coautor do projeto de Randolfe que limita a edição de medidas provisórias. Bolsonaro já editou nove. "O Congresso está mais empoderado do que se imagina. Ele decide todas as pautas, não só em relação ao governo, mas também ao Judiciário. E esse poder veio graças à escolha do presidente de tentar montar uma base aliada com as bancadas temáticas", afirmou o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO).