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O Congresso Nacional derrubou nesta quinta-feira (14) a maior parte dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei (PL) do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Com a derrubada de vetos, fica instituída a regra de que novas reservas só poderão ser demarcadas em áreas que já eram ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Isso impede a criação de reservas em novas áreas baseadas em laudos antropológicos e dificulta os planos do governo de ampliar as terras indígenas no país.
O placar da votação foi 321 votos pela derrubada do veto de Lula e 137 pela manutenção na Câmara dos Deputados, além de uma abstenção. No Senado, foram 53 votos pela rejeição do veto e 19 pela continuidade. Confira como cada parlamentar votou na derrubada do veto de Lula ao marco temporal.
Esse resultado foi conquistado após intensa articulação da bancada do agronegócio. O projeto agora será promulgado pelo Congresso.
Lula havia vetado 30 pontos do projeto de lei, inclusive o que estabelecia a tese do marco temporal. Embora os vetos destacados tenham sido derrubados integralmente, cinco dispositivos vetados por Lula foram mantidos. Eles tratavam do contato com indígenas isolados, do uso de produtos transgênicos dentro das terras indígenas e da possibilidade de revisão de demarcações em caso de identificação de indígenas que não preservem traços culturais.
Isso ocorreu porque a votação na sessão do Congresso Nacional foi dividida em duas partes. Primeiro, foram votados por meio de uma cédula os vetos que estavam dentro do acordo firmado pelos líderes partidários. As cédulas são preenchidas pelos parlamentares, de acordo com a orientação das lideranças das legendas ou grupos, como os de oposição ou de frentes parlamentares. Na segunda parte da sessão foram votados os vetos destacados.
A manutenção desses vetos se deu em razão de um acordo da oposição com o governo Lula. A liderança do governo se comprometeu a não questionar a decisão do Congresso no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em setembro, o STF havia julgado uma ação e rejeitou a tese do marco temporal. Foi isso que motivou o Congresso a retomar o assunto, que estava em tramitação há 16 anos. O PL 490/07 foi aprovado na Câmara e no Senado, mas foi vetado parcialmente pelo presidente Lula. A oposição se mobilizou, então, para derrubar esses vetos.
A votação dos vetos do marco temporal havia sido adiada no último dia 9, por falta de entendimento sobre outros vetos e projetos que estavam sendo debatidos. “Tínhamos uma lista com cerca de 50 vetos [além dos vetos ao marco temporal]. As lideranças estavam querendo prioridade de um veto, de outro, além de destaques. Aí, não se chegou nesse acordo [para votação]”, explicou o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), após o adiamento.
Esquerda x agronegócio
A tese do marco temporal é rejeitada pela esquerda, que argumenta que todas as terras brasileiras já foram terras indígenas e, portanto, podem ser requeridas por povos indígenas que tenham habitado nessas áreas em qualquer tempo.
Já para os parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é preciso garantir o direito de propriedade àqueles que adquiriram suas terras de boa-fé, com títulos públicos emitidos pelo governo, na maior parte dos casos.
O temor do agro é que, sem o marco temporal, cria-se um cenário de insegurança jurídica que prejudique investimentos no setor. Isso porque, na prática, qualquer porção do território nacional pode ser alvo de demarcação de terras indígenas.
Pelas demarcações em vigor atualmente, 117 mil hectares do país são reservas indígenas, segundo dados do Instituto Socioambiental. A população indígena é de cerca de 1,6 milhão de indivíduos, segundo o IBGE. Em média, isso significa que cada indígena brasileiro tem direito a uma área equivalente a 99 campos de futebol.
Pelo texto que passa a vigorar com a derrubada dos vetos, para que uma área seja considerada "tradicionalmente ocupada" pelos indígenas, é necessário comprovar que ela era habitada pela comunidade indígena até 5 de outubro de 1988, era usada de forma permanente e para atividades produtivas, era essencial para a reprodução física e cultural dos indígenas, bem como para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar. Terras que não estavam ocupadas por indígenas e não eram objeto de disputa na data do marco temporal não podem ser demarcadas.
O projeto de lei também permite a exploração econômica das terras indígenas, incluindo a possibilidade de cooperação ou contratação de não indígenas. Para celebrar contratos com não indígenas, é necessário obter a aprovação da comunidade, garantir a manutenção da posse da terra e proporcionar benefícios para toda a comunidade.
Dentre as atividades econômicas liberadas está o turismo, que também pode ser explorado nas terras indígenas, desde que seja organizado pela própria comunidade indígena, mesmo que em parceria com terceiros. A pesca, a caça e a coleta de frutos são autorizadas para não indígenas apenas se estiverem relacionadas ao turismo.