| Foto: Gustavo Morenor/STF
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Parlamentares prometem manter a queda de braço com o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), na discussão sobre as emendas parlamentares que permitem a deputados e senadores determinar a destinação de parte dos recursos do Orçamento da União. A insatisfação do Legislativo com as decisões do magistrado sobre esses recursos ficou evidente na última semana depois que a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou o relatório preliminar do Orçamento de 2025 com uma reserva de R$ 63,5 bilhões para emendas. 

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O montante reservado representa um crescimento de cerca de 20% sobre os R$ 50,5 bilhões que haviam sido fixados pelo projeto de lei aprovado pelo próprio Legislativo para atender as exigências de Flávio Dino sobre regras de transparência. Essa proposta com os novos critérios sobre a distribuição desses recursos indicados pelos parlamentares foi aprovada pelo Legislativo e posteriormente sancionada sem vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no final de novembro.

As emendas são um recurso que vem dando cada vez mais poder ao Congresso. Na medida em que deputados e senadores ficam mais livres para enviar dinheiro diretamente para obras e projetos em suas bases eleitorais por meio das emendas, ficam menos dependentes de barganhas com o Executivo - que, por sua vez, têm mais dificuldade de aprovar seus projetos.

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Ao liberar o pagamento das emendas no começo deste mês, o ministro Flávio Dino, do STF, impôs regras mais rígidas que aquelas acordadas anteriormente entre o Planalto e o Congresso, o que ampliou a crise entre os Poderes. Os pagamentos estavam suspensos desde agosto e, com a autorização feita pelo magistrado, o governo pediu a liberação de cerca de R$ 7,8 bilhões em recursos que já haviam sido indicados pelos deputados e senadores.

Do valor reservado para emendas no ano que vem, que ainda pode ser revisto durante a votação final da proposta de Orçamento de 2025, R$ 38,9 bilhões são para as chamadas emendas impositivas. Ou seja, aquelas que o governo é obrigado a pagar durante o ano.

Relator do Projeto de Lei Orçamentária, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) defendeu o papel dos parlamentares nas emendas ao Orçamento.  

“Cria-se um clima propício para que as emendas atendam, cada vez mais e melhor, as necessidades da sociedade. Assim, garante-se que o Orçamento de 2025 seja sólido, bem estruturado e com capacidade de responder as prioridades do país, ampliando o impacto das ações públicas de modo consistente e orientado para resultados concretos”, argumentou. 

Recado ao STF e ameaça ao pacote de gastos do governo Lula 

A votação do relatório preliminar pela Comissão Mista de Orçamento abre espaço para que os demais setores do Congresso façam suas sugestões ao Orçamento de acordo com o montante reservado. Líderes do Centrão admitem que a medida de aumentar o valor previsto para emendas foi um recado ao ministro Flávio Dino e ao próprio governo Lula.

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A insatisfação dos parlamentares ameaça, por exemplo, a votação do pacote de corte de gastos apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A Câmara aprovou na semana passada os requerimentos de urgência de duas propostas apresentadas pelo chefe da pasta econômica, mas ainda não há compromisso de votação do mérito desses projetos no plenário. 

A expectativa é de que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), discuta com os líderes nesta terça-feira (10), a possibilidade de pautar esses projetos. Para tentar reduzir a animosidade dos parlamentares, o governo tenta acelerar a liberação dos recursos por meio de emendas nesta reta final do ano. 

Além dos R$ 7,8 bilhões cujo pagamento já havia sido solicitado pelo Palácio do Planalto na semana passada, a expectativa é de que haja a liberação ainda nesta semana de outros R$ 4,1 bilhões de emendas de comissão e de mais R$ 2,3 bilhões para emendas de bancada, que são outras modalidades que permitem ao Congresso controlar parte do Orçamento.

Líder do União Brasil, o deputado Elmar Nascimento (BA) disse que o clima no Congresso segue "azedo" e colocou em dúvida, além da votação do pacote fiscal, a continuidade do projeto de regulamentação da Reforma Tributária, ainda sem data para acontecer e que está em tramitação no Senado.

"O governo é que sabe se vota o [pacote de corte de gastos]. Se eu fosse líder do governo não votava. Se votar hoje, não passa. O pacote de cortes não entra nesta semana. O clima segue azedo", disse Nascimento

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Escalado por Lula para atuar junto ao presidente da Câmara nas negociações com os deputados, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, admite que a questão das emendas tem provocado uma "instabilidade" para o Executivo.

"A votação reflete também uma instabilidade com a questão das emendas parlamentares, todos sabem disso. Até então as emendas estavam totalmente bloqueadas e há uma insatisfação parlamentar sobre a não-execução das emendas em função do bloqueio por decisão judicial", afirmou o ministro. 

Antes disso, Lira já havia indicado que o governo não tem votos suficientes para aprovar o pacote de corte de gastos apresentado por Haddad. "O Congresso aprovou uma lei, essa lei foi sancionada, dando o que eu sempre falo de transparência, rastreabilidade, tranquilidade. E quem fizer errado na ponta tem todos os órgãos de controle para agir. Mas o fato de ter sido uma lei votada pela Câmara, pelo Senado, sancionada pelo Presidente da República e, logo em seguida, uma outra decisão remodelando tudo o que foi votado causa muita, muita intranquilidade legislativa", afirmou o presidente da Câmara. 

Dino rejeita recurso do governo e mantém impasse sobre emendas

Em aceno ao Congresso, o governo chegou a enviar um recurso ao STF, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), pedindo uma revisão de decisão de Dino. O ministro, no entanto, se manifestou nesta segunda-feira (9) rejeitando o pedido e mantendo sua decisão inicial. 

“Não há o que reconsiderar, pois as decisões do plenário do STF derivam diretamente da Constituição Federal, da Lei de Responsabilidade Fiscal e – mais recentemente – da Lei Complementar nº. 210/2024 (lei sobre emendas aprovada no Congresso em novembro)”, destacou Dino. O ministro havia enviado sua decisão ao plenário virtual, que foi referendada de forma unânime pelos demais ministros da Corte.

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Um dos pontos questionados pela AGU, e mantido por Dino, foi o trecho que limita o crescimento do valor das emendas. Ele impede que esses repasses cresçam mais do que as despesas discricionárias (não obrigatórias) do Executivo, ou do que o limite de crescimento do arcabouço fiscal (política de austeridade aprovada no ano passado), ou do que a variação da Receita Corrente Líquida (indicador que o governo usa para fazer corte de gastos), o que for menor.  

Dino observou que o teto para o crescimento das emendas parlamentares já foi “expressamente enunciado na reunião entre os Poderes, em 20/08/2024, e corretamente consagrado pela LC nº. 210/2024, ao estabelecer a equivalência jurídica entre despesas discricionárias oriundas de propostas do Poder Executivo e de emendas parlamentares”.  O teto aprovado era de R$ 50,5 bilhões.