Encontro Lula e o MST na Granja do Torto| Foto: Ricardo Stuckert / Presidência da República
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As invasões de terra seguem no campo enquanto o governo federal tenta agradar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com cargos e espaço na Esplanada. Em meio a isso, o movimento pressiona também a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por mais terras, estrutura e crédito para os assentamentos. Para reagir a esse cenário, o Parlamento tenta aprovar leis contra as invasões, mas a pauta anti-MST no Congresso não tem tido avanços significativos.

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Na primeira semana de trabalhos após o recesso legislativo, a Câmara dos Deputados pautou uma série de projetos e requerimentos que buscavam garantir o direito de propriedade e coibir as invasões no campo. Somente o projeto de lei para derrubar o programa de aquisição de terras do governo foi votado.

Mesmo assim, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) afirma contar com o comprometimento do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para fazer a pauta andar. Propostas sobre essa temática começam a chegar também no Senado e dependerão também da articulação dos senadores do agro para avançar. 

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Em compasso de "guerra fria", as ofensivas da bancada do agro não têm feito o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ceder ao setor, tampouco o MST tem conseguido atendimento às suas demandas.

O governo vem mantendo a estratégia de agradar o MST, mesmo sem a garantia de que isso fará o movimento frear as invasões. No sábado (17), Lula recebeu 35 militantes na Granja do Torto - uma das residências oficiais da Presidência da República - na primeira reunião exclusiva do movimento com o Lula neste mandato.

A lista de benesses ao MST inclui desde a nomeação de militantes em cargos do alto escalão até a criação de uma série de comissões, comitês e grupos de trabalho que dão destaque ao movimento e não incluem o agronegócio.

Além disso, o governo também não tem repreendido as invasões. Somente no primeiro ano do terceiro mandato de Lula, foram registradas 72 invasões. O número é igual ao total registrado nos quatro anos do mandato de seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Já em 2024, somente no mês de abril, marcado pelo chamado Abril Vermelho do MST, foram registradas mais de 30 invasões em terras públicas e privadas no Brasil. 

Comitê de Lula sobre paz no campo não tem participação do agro 

No começo de agosto, o governo Lula criou o Comitê Construção da Paz no Campo, nas Águas e nas Florestas. Por meio de uma resolução assinada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, o MST e outros movimentos responsáveis por invasões de terra no Brasil terão membros no comitê.

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Dentre as atribuições, o governo previu que o colegiado formulará políticas públicas para enfrentamento dos conflitos no campo. Além disso, o comitê deve debater soluções para casos de conflitos e propor ações complementares na busca de construção da paz no campo, nas águas e nas florestas. 

Composto por 32 membros, distribuídos entre representantes da sociedade civil e de governo, não houve espaço para o agro no comitê.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário disse que não houve interesse nem indicação do setor para integrar o comitê. "O Comitê é um espaço de participação social ligado ao Condraf [Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável], que é o conselho participativo do MDA. O Conselho é constituído via seleção pública por meio de edital dos seus membros, nenhuma organização do agronegócio se inscreveu na seleção. Sobre os comitês, são as organizações da sociedade civil e de governo, que são membros do Condraf, que podem indicar os participantes de comitês. Nesse sentido, nenhuma organização do agronegócio foi indicada", explicou Michela Calaça, coordenadora-geral de mapeamento de conflitos do Departamento de mediação e conciliação de conflitos agrários do MDA.

O líder da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), chamou a iniciativa do governo de “piada pronta”. “Governo Lula chama o MST, grupo que trouxe de volta o caos, os conflitos, as invasões de terra e a insegurança jurídica no interior do país para criar ‘diretrizes de paz no campo’”, disse Lupion. 

MST expõe insatisfação, mas mantém apoio ao governo 

A estratégia do governo Lula de agradar o movimento com cargos e certo protagonismo no mandato, no entanto, não tem garantido a satisfação do movimento. Líderes do MST não têm escondido a insatisfação com a condução das questões fundiárias do governo. 

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Mesmo com cargos estratégicos na Presidência da República, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ainda no primeiro ano de mandato, coordenadores do MST demonstraram que queriam mais do governo.  

Um dos líderes do movimento, João Paulo Rodrigues cobrou atendimento às demandas. "Até agora o governo não comprou um quilo de alimento da agricultura familiar dentro do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. As famílias se preparam para isso, plantam com essa expectativa. A insatisfação é grande", disse o líder nacional do movimento à Folha de S. Paulo em setembro de 2023. De acordo com o governo, no entanto, em 2023, o PAA encerrou o ano com mais de R$ 1 bilhão disponibilizado para a aquisição de 163.675 toneladas de alimentos.  

Embora o MST, por meio de suas cooperativas e associações ligadas ao movimento, não seja o único fornecedor do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a iniciativa beneficia os seus integrantes. Por meio do PAA, os agricultores vendem a sua produção ao governo, que, por sua vez, destina os alimentos para escolas, hospitais públicos ou cozinhas comunitárias, por exemplo. 

Em junho, o fundador do MST, João Pedro Stédile, disse que o governo “está em dívida” com a reforma agrária. A declaração foi feita durante uma entrevista ao site O Joio e o Trigo. “É uma vergonha. Nós já estamos há um ano e meio, não avançamos. Desapropriação não avançou. O crédito para os assentados não avançou, nem o Pronera [Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]”, criticou Stedile, que também avaliou a política de democratização de terra do governo federal com a nota três. 

Apesar das críticas, Stédile mantém o apoio e a defesa do governo. “O governo Lula tem esse problema da herança maldita que recebeu [...] Ele está com dificuldades de implementar políticas públicas para resolver os problemas da população”, completou o fundador do movimento durante a entrevista. 

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Após o Abril Vermelho, com alta no número de invasões, o governo chegou a lançar um programa para reforma agrária, o programa "Terra da Gente". A promessa foi de que seriam gastos R$ 520 milhões para a primeira fase do programa. O "Terra da Gente" criou o que o governo chamou de “prateleira de terras” com áreas improdutivas e devolutas da União, entre outras origens, para a reforma agrária.

O programa é alvo do pacote anti-MST da bancada do agro. Há uma proposta em tramitação no Congresso que barra a medida do governo. 

Bancada do agro mantém foco em pauta anti-MST no Congresso 

Em 2023, a bancada do agro apostou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST como forma de frear as invasões. Durante os trabalhos, as invasões de terra chegaram a diminuir, mas com o fim da CPI - sem aprovação do relatório final - as mobilizações do movimento foram retomadas.  

Ao fim da CPI, um pacote com propostas anti-MST foi montado. Com articulação da bancada do agro e apoio de Lira, as propostas têm avançado, mas não com a celeridade necessária para frear o MST. O pacote tem pelo menos 20 projetos que preveem punição para invasores, tipificam invasão como terrorismo, entre outros. (Confira a lista no final da reportagem). 

O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), destaca que a pauta é prioritária para a bancada. “É óbvio que existe toda uma resistência dos contrários à questão do direito de propriedade, mas nós vamos usar toda a nossa força para aprovar”, disse o líder da bancada do agro.

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Na última semana, a proposta que quer derrubar o programa "Terra da Gente" foi aprovada na Comissão de Agricultura da Câmara. Mas ela ainda precisa ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário da Câmara e depois seguirá para análise do Senado. 

Pelo menos quatro projetos também estiveram na pauta de votações da Comissão de Constituição e Justiça nesta semana, mas as propostas acabaram não sendo votadas. A oposição tem enfrentado a atuação da bancada governista que tenta barrar o avanço da pauta anti-MST na CCJ. 

No Senado, bancada do agro precisa fortalecer articulação 

Diferente da Câmara dos Deputados, onde a bancada do agro conta com o apoio de Lira, no Senado a articulação ainda precisa avançar. Entre os cerca de 20 projetos da pauta anti-MST, três estão em análise no Senado. Dois deles já passaram pela Câmara e se forem aprovados no Senado, sem alterações, podem seguir para sanção ou veto da Presidência da República. Se forem vetados por Lula, o Congresso ainda poderá derrubar esses vetos e promulgar as medidas.

A articulação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Senado já começou. Para a bancada, a pauta anti-MST está ao lado da reforma tributária na lista de prioridades. 

As propostas, no entanto, ainda terão um longo caminho. O PL 709/2023, por exemplo, (que impede que quem for considerado invasor de terra ocupe um cargo público) ainda não teve nem o seu despacho inicial referendado. Isso significa que ainda não houve nenhuma movimentação do projeto desde que ele chegou ao Senado no final de maio. Sendo assim, não é possível saber nem quais as comissões que analisarão as propostas, tampouco quem serão os responsáveis pelos relatórios.  

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O deputado Marcos Pollon (PL-MS), autor do PL 709/2023, por meio de sua assessoria, diz que tem buscado apoio para fazer a proposta andar no Senado. No entanto, uma proposta semelhante é alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal. O PT entrou com uma ação (ADI 7690) para questionar a validade da Lei 16.139/2024, do Rio Grande do Sul, que impede ocupantes e invasores de propriedades rurais e urbanas de receber auxílios e de participar de programas sociais estaduais. 

Outra proposição em análise no Senado, PL 2250/2021, que caracteriza a invasão de terras como terrorismo, aguarda um relatório para poder ser votado. A responsável pela relatoria, designada desde outubro de 2023, é a senadora Teresa Leitão (PT-PE). De acordo com sua assessoria, a senadora foi designada como relatora de 119 projetos de lei desde 2023 e o relatório do PL 2250/2021 estaria em elaboração. A assessoria da senadora não adiantou se o relatório será favorável ou contrário a aprovação da proposta. 

Principais projetos da pauta anti-MST

No Senado 

  • PL 709/2023: impede que quem for considerado invasor de terra ocupe um cargo público. Aguarda despacho da Mesa do Senado. 
  • PL 2250/2021: Caracteriza a invasão de terras como terrorismo. Aguarda relatório da senadora Teresa Leitão na Comissão de Defesa da Democracia. 
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  • PL 2869/2023: Aumenta penas para crimes relacionados a questões de terra em áreas rurais. Está na CCJ.

Na Câmara 

  • PL 149/2003: Classifica invasão como terrorismo e eleva penas. Está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
  • PL 1373/2023: Impede quem for considerado invasor de terra de ser beneficiário em programas sociais, de reforma agrária e de ter acesso a linhas de crédito. Está na Comissão de Agricultura. 
  • PL 8262/2017: Permite atuação da polícia em ocupações de terra sem necessidade de ordem judicial. Está na pauta da CCJ. 
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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]