Ouça este conteúdo
O mandato dos atuais deputados federais e de um terço dos senadores chegará ao fim em fevereiro, e o Congresso Nacional não aprovou projetos de "corte na carne". A expectativa sobre iniciativas que reduziriam gastos e privilégios dos políticos foi criada porque muitos parlamentares da atual legislatura se elegeram na onda da chamada "nova política", que defendia essa pauta.
A relação de projetos que visava o corte de privilégios mirava benefícios como os apartamentos funcionais oferecidos pela Câmara a parte dos deputados, os funcionários disponibilizados aos ex-presidentes da República, a cota parlamentar disponibilizada a congressistas (chamada de "cotão"), e o plano de aposentadoria especial de deputados e senadores. Outra iniciativa desse tipo foi um projeto que determinava a redução do número de deputados federais e senadores. Atualmente, são 513 membros na Câmara e 81 no Senado.
Em 2020, segundo ano da atual legislatura, os projetos de "corte da carne" ganharam fôlego no Congresso. Durante o começo da pandemia de coronavírus, houve uma enxurrada de projetos que tinham o objetivo de transferir, para a saúde pública, verbas hoje destinadas à estrutura política. Havia, por exemplo, diversas propostas para repassar recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral para o Sistema Único de Saúde (SUS). As propostas foram assinadas por parlamentares de diferentes partidos e vertentes ideológicas, e eram poucos os congressistas que as criticavam publicamente.
Apesar disso, essas propostas que surgiram por causa da pandemia acabaram engavetadas, estão paradas ou tramitam a passos lentos. E esse tem sido o destino das demais proposições de corte de privilégios dos políticos. É o caso do projeto que extingue o plano de seguridade social dos congressistas. Apresentado pelo deputado Helder Salomão (PT-ES) em 2019, primeiro ano da atual legislatura, não saiu da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara desde então.
O Congresso Nacional tem um custo de R$ 33 milhões por dia, segundo a ONG Contas Abertas, especializada na fiscalização dos gastos públicos. O valor inclui a manutenção do espaço, a remuneração dos funcionários, despesas extras e também o salário dos parlamentares. Os congressistas ainda dispõem de verbas para a contratação de funcionários e da cota parlamentar, o chamado "cotão", que é uma quantia para uso em despesas como aluguel de carros, estabelecimento de escritório, contratação de consultorias e assinatura de jornais, entre outros serviços.
"Não há nenhuma disposição para esse tipo de coisa", diz senador
No início da atual legislatura do Congresso, os projetos de "corte na carne" estiveram em alta principalmente por parte de parlamentares que começavam sua primeira experiência na vida pública. Um grupo de deputados e senadores que assumiu o mandato em 2019 teve no combate a privilégios uma de suas principais pautas.
Um dos "estreantes" de 2019, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) encampou no início de mandato a defesa da proposta que determina a redução do número de deputados federais e senadores. Ele foi o relator de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema elaborada por um dos veteranos da Casa, o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) – que propõe o enxugamento do Congresso desde 1999.
Hoje, Oriovisto tirou a iniciativa das suas prioridades. Embora ainda concorde com a ideia, resolveu alterar o foco por dois motivos. O primeiro é a grande resistência que sempre encontrou quando falava sobre o tema com os demais congressistas. "Quando eu trazia esse tema para debate, a primeira coisa que ouvia era: 'Se você é a favor de menos deputados e senadores, por que não renuncia?'. Não há nenhuma disposição para esse tipo de coisa. Não só no Congresso, mas também por parte das assembleias legislativas e câmaras de vereadores pelo Brasil", diz. O senador afirma ainda que não vê diferença entre esquerda, direita e centro no debate dessas questões.
O outro motivo que levou Oriovisto a excluir o tema de seu radar foi o entendimento, por parte dele, de que outras ações são mais necessárias e poderiam trazer resultados mais efetivos em termos de economia e agilidade do poder público. Ele cita a reforma administrativa, a prisão dos condenados em segunda instância instância e o fim do foro privilegiado. "Essas reformas são muito mais relevantes. Número de deputado e senador vira 'cafezinho' perto disso", diz.
Já a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF), uma das autoras do projeto que determina a venda dos apartamentos funcionais da Câmara, diz que continuará lutando pela aprovação da proposta – mesmo que, a partir do ano que vem, ela esteja em outro Legislativo, já que se elegeu deputada distrital de Brasília na eleição de outubro.
Um argumento apresentado pela parlamentar é o de que o pagamento de auxílio moradia aos deputados é menos custoso do que a manutenção dos apartamentos funcionais. "Eu era contrária ao auxílio-moradia. Hoje acho necessário, principalmente para os deputados que não são de Brasília. E é um mecanismo bem mais barato do que os apartamentos funcionais", diz.
Paula Belmonte, porém, ressalta que os apartamentos funcionais são "a ponta do iceberg" que identificou durante o período como deputada federal. Ela cita outras vantagens, como o auxílio-mudança, que é pago a todos os deputados no início e no fim de cada legislatura, ainda que o parlamentar não tenha a necessidade de se mudar.
Legislatura termina sem cortes e com orçamento secreto
O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, é pessimista em esperar um enxugamento das despesas do Congresso e do corte de privilégios dos parlamentares. "Não acho que vai mudar absolutamente nada da legislatura atual para nova. Acho que essa questão do interesse deles vai sempre prevalecer. Não acredito em nenhuma medida de reduzir despesas dentro do Congresso Nacional. Muitas vezes eles fazem isso, mas é mais para causar impacto do que uma redução real", diz.
Um indicativo dessa tendência é o que ocorreu na atual legislatura, que começou com a expectativa de corte de despesas e termina com deputados e senadores manejando uma expressiva parcela verbas federais, por meio do chamado orçamento secreto – as emendas de relator. As emendas de relator tiveram verbas de R$ 30 bilhões em 2020 e, para 2023, a expectativa é que estejam em R$ 19 bilhões.