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O presidente da Câmara, Arthur Lira, e o chefe da Casa Civil, Rui Costa
O presidente da Câmara, Arthur Lira, e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, que negociam novas regras para divisão dos recursos| Foto: Marina Ramos / Câmara dos Deputados

Congresso e governo tentarão, nesta semana, chegar a um consenso sobre as novas regras de distribuição das emendas parlamentares, recursos que deputados e senadores têm direito a reservar no Orçamento da União para beneficiar, com obras e serviços, suas localidades.

Parte das emendas foi represada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde agosto, por falta de transparência no caminho do dinheiro. Responsável pela paralisação, o ministro Flávio Dino diz que, desde o ano passado, o Legislativo dribla uma decisão da Corte, de 2022, que acabou com o chamado “orçamento secreto”, prática por meio da qual políticos influentes captavam recursos mais abundantes para suas bases eleitorais sem aparecer como patrocinadores dessas emendas.

A decisão de Dino acabou beneficiando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que havia perdido o controle sobre a liberação desses recursos, tradicional instrumento de conquista de apoio político dentro do Congresso.

Em agosto, após uma reunião entre a cúpula dos três Poderes, ficou acertado que Executivo e Legislativo apresentariam novas regras para aumentar a transparência. O governo aproveitou para tentar retomar o controle da distribuição, sob alegação de dar maior eficiência e planejamento ao gasto público.

No último dia 10, ao manter suspensas as emendas de relator e de comissão - rubricas onde eram embutidos recursos sem informações sobre o parlamentar “patrocinador” -, Dino culpou o Legislativo por não listar publicamente todos os dados sobre a origem e destino dos recursos nos últimos anos. E cobrou a apresentação das novas regras para que o dinheiro volte a ser liberado.

Desde então, governo e Congresso tentam chegar a um acordo, e o principal imbróglio está na fatia que cada um terá direito de controlar. O Executivo quer priorizar obras inacabadas, “projetos estruturantes” e de abrangência regional sob o carimbo do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo Lula. A ideia é evitar a “pulverização” dos recursos em localidades que convêm mais a interesses eleitorais e políticos dos deputados e senadores. Esses, por sua vez, tentam manter a aplicação dos recursos de acordo com acertos com os prefeitos sobre os quais mantêm influência e ligações políticas.

Divisão das emendas

Para tentar equacionar uma solução, o senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator do Projeto de Lei Orçamentária de 2025, elaborou um projeto de lei complementar (PLP) para dividir os recursos. Ele submeteu o texto aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e ao chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT). Se houver acordo, ele pretende apresentar o texto na próxima terça-feira (22), para que seja votado em regime de urgência.

“Evidentemente que o governo prefere ficar com as emendas todas para eles [integrantes da gestão petista] distribuírem de acordo com o seu bel-prazer. Para o governo, é bem melhor ele distribuir do que o parlamentar. Ele fica com a caneta na mão e vai distribuir atendendo também às suas bases”, diz Angelo Coronel.

No projeto de lei complementar, o senador propôs que as emendas coletivas (de bancada e de comissão) sejam divididas conforme o tamanho dos partidos. “Aí o líder de cada bancada vai chegar para os seus liderados e vai dizer: ‘você tem x, você tem y’, faça um ofício pedindo ao ministério para poder gerar a transparência”, explicou. Essas emendas ainda poderão ser contingenciadas pelo governo, que quer também limitar os projetos em que os parlamentares podem aportar.

Coronel propôs que 50% das emendas individuais, que são impositivas – de execução obrigatória pelo Executivo –, sejam obrigatoriamente aplicadas na saúde.

“É um dos temas mais problemáticos do Brasil. 60% dos serviços de saúde no Brasil são prestados pelas entidades e hospitais filantrópicos. A tabela de preço do SUS para com os hospitais públicos está muito defasada. Então nós temos que realmente é colocar emenda para o governo de estado e a prefeitura para prestar uma saúde decente para o seu povo, é o básico”, diz o senador.

O Ministério da Saúde tem o maior orçamento da Esplanada e, desde o início do governo Lula, é almejado por políticos do Centrão. O principal crítico da atual ministra, Nísia Trindade, é Arthur Lira, justamente por causa de critérios internos da pasta para alocação das emendas parlamentares. O deputado é cotado para substituir a ministra, ligada ao PT, quando deixar a presidência da Câmara, em fevereiro de 2025.

Resumo da proposta

Ângelo Coronel diz que o projeto de lei complementar vai preencher as condições impostas pelo STF na transparência. Ele enviou à reportagem o seguinte resumo da proposta:

  • Transparência garantida: todos os dados sobre a alocação e execução das emendas parlamentares estarão disponíveis no Portal da Transparência, assegurando acesso público às informações.
  • Prioridade para obras inacabadas: as transferências especiais priorizarão a conclusão de obras já iniciadas, garantindo a otimização dos investimentos públicos.
  • Atendimento a calamidades: recursos destinados a entes federativos em situação de calamidade ou emergência terão prioridade, assegurando respostas rápidas a situações de vulnerabilidade.
  • Foco na saúde pública: é obrigatória a destinação de, no mínimo, 50% dos recursos das emendas de comissão para ações e serviços públicos de saúde.
  • Fiscalização rigorosa: a execução das emendas será fiscalizada pelo TCU e outros órgãos competentes, garantindo a correta aplicação dos recursos.
  • Limites de emendas: cada bancada estadual poderá apresentar até 10 emendas, além de igual número de emendas discricionárias, evitando a dispersão excessiva de recursos.
  • Participação da sociedade civil: comissões temáticas promoverão audiências públicas e debates, permitindo a participação de especialistas e da sociedade civil na elaboração das emendas coletivas.
  • Prestação de contas obrigatória: os entes beneficiados devem prestar contas detalhadas sobre a utilização dos recursos, incluindo relatórios de execução e avaliação de resultados.
  • Desenvolvimento regional sustentável: as emendas de bancada estadual e de comissão visam projetos estruturantes que contribuem para o desenvolvimento regional e a sustentabilidade.

Como mostrou a Gazeta do Povo, caso a cúpula do Congresso não feche um acordo com o governo, o Centrão poderá retaliar a equipe econômica ao sabotar a votação do Orçamento de 2025 e e também deverá travar propostas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de contenção de gastos.

Um outro projeto de lei complementar vinha sendo preparado pela Casa Civil, mas não foi apresentado para análise dos deputados até agora. A demora favorece o governo, que ao travar as emendas tira poder de barganha das lideranças parlamentares, inclusive do presidente da Câmara, Arthur Lira, que está em campanha para fazer um sucessor.

A iniciativa do senador Ângelo Coronel de apresentar seu projeto de lei complementar pode ser uma solução negociada para destravar esse impasse.

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