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O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve ler o requerimento de abertura da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos de 8 de janeiro nesta quarta-feira (26), em uma sessão conjunta da Câmara e do Senado marcada para às 12h.
Tanto o governo quanto a oposição se preparam intensamente para a batalha que se vislumbra para os próximos meses. Os líderes de ambos os lados estão testando nomes para compor o colegiado, traçando estratégias para ocupar os postos de comando e já começaram a preparar argumentos, discursos e alvos para debates e diligências.
Nesta terça-feira (25), senadores dos dois blocos oposicionistas realizaram a primeira reunião voltada a listar prioridades, definir participantes e prever tarefas iniciais. Em paralelo, aliados do Planalto, sob a batuta do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), investiram tempo e influência para fechar o acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que vai determinar qual será a verdadeira potência deles na CPMI. Em reunião com líderes na tarde desta terça-feira (25), Lira consagrou sua indicação do deputado aliado André Fufuca (PP-MA) para a relatoria. Mas o martelo não foi batido e outros nomes ainda tentam ficar com o cargo.
A sessão do Congresso para a abertura da comissão foi convocada uma semana após o general Marco Gonçalves Dias pedir demissão do posto de ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.
O vazamento de imagens que mostram Gonçalves Dias dentro do Palácio do Planalto no momento da invasão e interagindo com invasores, tornou a CPMI inevitável e levou à mudança da postura do governo. O general amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), junto com o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), estão entre os alvos prioritários da oposição na comissão.
Tanto governistas quanto oposicionistas esperam que, tal qual ocorreu em todas as comissões de inquérito, possam surgir na CPMI novos elementos reveladores, vindos de depoimentos e provas, a fim de desgastar os seus oponentes. Nos bastidores, os dois lados concordam que as gestões em exercício tendem a ser mais prejudicadas.
De toda forma, antes e depois da leitura do requerimento da CPMI, a expectativa estará na lista dos 32 parlamentares (16 da Câmara e 16 do Senado) que irão integrar a comissão.
Após a confirmação do colegiado ser publicada no Diário Oficial, até quinta-feira (27), o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), receberá dos líderes partidários as relações dos seus indicados, que depois elegerão o presidente, o vice-presidente e o relator.
A sessão inaugural será convocada pelo parlamentar mais velho. Na melhor das hipóteses, espera-se o começo efetivo dos trabalhos em 10 de maio. Mas a data pode se estender por mais algumas semanas, caso perdure algum impasse sobre composição e/ou comando da CPMI. Nem mesmo a judicialização de questões de ordem está descartada.
Escalação da CPMI e narrativas são incógnitas
Bruno Carazza, analista político e professor da Fundação Dom Cabral (FDC), afirma que a escalação da CPMI ainda é grande incógnita devido à maneira pouco convencional como Arthur Lira conduz as deliberações. “A criação do blocão pelo presidente da Câmara para se reeleger fez o governo tornar-se o seu refém, juntamente com o surgimento recente de dois grandes blocos partidários. O maior problema é que Lira não costuma seguir o regimento à risca e, em vez disso, prefere costurar acordos com os líderes”, acrescenta.
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo também estimam que haverá guerra de narrativas ao longo do funcionamento da CPMI. Para encarar esta realidade, os governistas se apressaram em escalar os seus nomes mais experientes, com destaque para os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM), como que promovendo uma "segunda temporada" da CPI da Covid, encerrada em 2021 no Senado. Eles também apontam a impossibilidade de o deputado André Fernandes (PL-CE) ter algum destaque em razão de supostas ligações com participantes dos atos.
A menção do nome de Calheiros para a relatoria da CPMI despertou rápida reação de Lira, arquirrival do senador no seu estado. Essa restrição pode retardar a definição dos comandantes da comissão e é um dos pontos considerados pelos negociadores do governo. Existe o receio de se erguer obstáculos às relações com o presidente da Câmara e isso quando não há base de apoio sólida no Congresso. Lira adiantou nesta terça-feira (25) que a rotina da CPMI e de outras comissões de inquérito não retardarão a agenda normal de votações.
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), que é vice-líder do governo na Câmara, continua a insistir na tese de que a oposição “deu um tiro no pé” ao propor a CPMI, apesar de o próprio governo ter sido o maior obstáculo até a revelação das imagens da ação de integrantes do GSI no 8 de janeiro. Ele espera que a comissão seja liderada pelos governistas e enfatize a conexão dos invasores com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sem descartar a possibilidade de convocá-lo para depor. Outro alvo é o ex-chefe do GSI na gestão passada, general Augusto Heleno.
O deputado petista diz que irá defender, prioritariamente, a investigação sobre os autores intelectuais e os financiadores dos atos em Brasília e ainda prevê a cassação de parlamentares, numa referência a deputados que foram solidários com os manifestantes, entre os quais o próprio autor do requerimento de criação do colegiado, André Fernandes.
Além dele, o outro indicado pelo PL na Câmara para integrar a CPMI é Alexandre Ramagem (RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). No Senado, os três nomes que serão indicados pelo partido incluem os de Magno Malta (ES) e o do líder Carlos Portinho (RJ). O terceiro ainda está por ser definido - Jorge Seif (SC) e Flávio Bolsonaro (RJ), que já manifestou o desejo de participar, estão entre os cotados para a vaga.
Também postulante a uma vaga na CPMI representando seu bloco, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra de Bolsonaro, adotou discurso propositivo. Ela enfatizou que a comissão reflete o anseio da sociedade por esclarecer fatos ainda não explicados e a necessidade de se fazer justiça às pessoas que foram presas sem a observância de seus direitos. Damares ressaltou que é “fundamental que o país vire essa página”, destacando que o Congresso “tem outras pautas importantes este ano”.
Definição de cargos de comando no colegiado ditarão rumos
O analista político Marcos Queiroz, da Arko Advice, explicou que a forte disputa pelos dois principais cargos na CPMI – presidente e relator – reflete o especial poder que cada um deles tem no desfecho da comissão. O presidente controla a agenda, pautando requerimentos, agendando depoimentos e, portanto, ditando o ritmo dos trabalhos.
O relator, por sua vez, é ainda mais importante, pois responde pelo relatório final, que pode indiciar pessoas a serem investigadas pelos órgãos judiciais competentes. Além disso, o parecer pode sugerir legislações para corrigir problemas.
“Trata-se, portanto, de uma briga natural, pois cada cargo, a depender do grupo político que o detiver, pode levar a CPMI a rumos bem diferentes”, observa.
Queiroz acrescenta que a hipótese de o autor do requerimento receber um dos cargos-chave só ocorre quando não há disputa política, o que não é o caso da CPMI. “Nesse caso, prevalecerá a regra regimental, que determina proporcionalidade para uma CPI mista, com os cargos principais sendo alternados entre Câmara e Senado”, disse.
Por essa norma, caberá aos senadores do grupo que elegeu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reunindo os blocos encabeçados por MDB e PSD, indicar o relator. Já na Câmara, o bloco majoritário, encabeçado pelo PP de Arthur Lira, pode impor seus nomes, como o de André Fufuca.
Arranjo distinto - com espaço para a oposição - seria possível com acordo, mediante concessão governista, o que se tornou improvável.