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A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões de emendas parlamentares nesta segunda-feira (23), deve prolongar para 2025 o embate entre Congresso e o Judiciário pelo controle dos recursos. Diante da queda de braço entre os Poderes, existe a possibilidade de o Legislativo ampliar os recursos das emendas impositivas.
As emendas impositivas são as que o governo é obrigado a executar, tais como as emendas individuais de transferência especial, conhecidas como emendas Pix; as emendas individuais de transferência com finalidade definida e as emendas de bancada.
Além do bloqueio dos recursos, o ministro do STF determinou que a Polícia Federal (PF) abra um inquérito para apurar uma manobra desenhada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No último dia 12 de dezembro, o deputado enviou um ofício ao Palácio do Planalto pedindo a liberação das emendas de comissão.
O documento contou com a anuência de 17 líderes, incluindo o do governo, o deputado José Guimarães (PT-CE). No mesmo dia, o presidente da Câmara cancelou todas as sessões de comissões que estavam marcadas até 20 de dezembro, último dia de trabalho do Legislativo.
A estratégia de Lira destravou as votações importantes para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Casa, mas foi vista como uma forma de burlar as determinações de Dino sobre as indicações das emendas de comissão. Pelas regras, as indicações sobre as destinações desses recursos deveriam ser referendas por todos os membros dos colegiados e não apenas pelo presidente da Câmara junto aos líderes.
Dos R$ 4,2 bilhões, cerca de R$ 70 milhões, por exemplo, foram destinados ao estado de Alagoas, reduto eleitoral de Lira. Ao atender ao pedido apresentado pelo PSOL, Dino destacou que as indicações de 5,4 mil emendas de comissão não seguiram o rito de aprovação pelos integrantes das comissões e determinou o bloqueio dos recursos - tanto os empenhados (quando há a promessa de pagamento) e liquidados (quando o pagamento foi assegurado, mas ainda não foi feito) quanto os que já foram pagos - até que haja um esclarecimento por parte da Câmara dos Deputados.
Dino quer audiência com nova cúpula da Câmara e do Senado para discutir emendas
O ministro do STF também determinou que sejam realizadas, em fevereiro e março de 2025, "quando já concluído o processo de substituição das Mesas Diretoras das Casas Parlamentares, das suas Comissões Permanentes e das Lideranças Partidárias", audiências de contextualização e de conciliação sobre o tema.
"Esse cronograma visa atender aos processos internos do Poder Legislativo, com seu calendário próprio, a fim de que o diálogo institucional ocorra de forma produtiva, como tem sido buscado por este STF", afirmou Dino.
A Câmara e o Senado terão novos presidentes a partir de fevereiro de 2025, quando terminam os mandatos de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente. Os favoritos para ocupar os cargos são o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Além dos questionamentos do PSOL junto ao STF, a manobra de Lira junto aos líderes partidários provocou um racha na Câmara e foi criticada por diversos integrantes da Casa. Líder do Novo, a deputada Adriana Ventura (SP) disse que o grupo "passou por cima" dos demais deputados.
"Os líderes se vestiram de seres iluminados e, além de mudar a indicação feita, seja por deputados, seja por presidente das comissões, falaram como presidentes de comissão. Então, eles passaram por cima de todos os deputados e passaram por cima dos presidentes das comissões. Percebemos que poucas pessoas dispõem do dinheiro da Nação para benefício próprio, para alimentar seus redutos eleitorais", criticou a parlamentar.
Decisão de Dino pode respingar no governo Lula
Antes mesmo dessa última decisão de Flávio Dino, líderes da Câmara já discutiam a possibilidade de mudar as regras sobre as emendas de comissão. Neste ano, o Orçamento previa aproximadamente R$ 15 bilhões desses recursos para os deputados e senadores.
No começo deste mês, o líder do PL na Câmara, deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), apresentou Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para transformar as emendas de comissão em emendas parlamentares individuais, com execução obrigatória pelo governo. A matéria já conta com 103 das 171 assinaturas necessárias para que seja protocolado oficialmente na Casa.
A expectativa agora é de que nova decisão de Dino amplie a insatisfação dentro do Congresso e aumente a adesão ao texto do líder do PL. A discussão, no entanto, só será retomada em fevereiro do ano que vem, após a volta dos trabalhos no Legislativo.
"Tendo em vista as recentes decisões acerca das emendas parlamentares, faz-se necessária uma revisão da forma como o Poder Legislativo tem definido a alocação de recursos públicos federais. Propomos, diante do atual cenário, que o valor que seria reservado para as emendas de comissão seja alocado como acréscimo às emendas individuais", defende Côrtes.
Se aprovada, a medida deve impactar diretamente na governabilidade de Lula junto ao Congresso, pois o governo usa justamente as emendas que não são impositivas para negociar com os parlamentares. Já as de pagamento obrigatório são distribuídas de forma igualitária entre os integrantes da base e da oposição.
"Vamos rediscutir o problema das emendas parlamentares. Todo mundo na Câmara dos Deputados, do porteiro ao presidente, sabe que essas emendas de comissões são um engodo. Vamos transformar essas emendas de comissões em emendas individuais impositivas, para que os parlamentares possam, sim, definir esses recursos e levá-los para os seus municípios e para os seus estados", defendeu o deputado Danilo Forte (União-CE).
Crise das emendas
O embate entre o STF e o Congresso teve início em agosto, quando Dino suspendeu o pagamento das emendas até que o Congresso aprovasse um projeto de lei para dar mais transparência na destinação desses recursos. A proposta foi aprovada e sancionada pelo presidente Lula no final de novembro, mas, ao liberar novamente o pagamento, Dino impôs novas regras, o que desagradou ao Legislativo.
Principal candidato na disputa pela sucessão de Lira no comando da Câmara, o deputado Hugo Motta já sinalizou que não pretende "negociar prerrogativas do Congresso com o STF". “Com muita tranquilidade, mas com muita firmeza, nós não abrimos mão para negociar esses termos. Queremos o cumprimento da Constituição e que o poder Legislativo possa ser respeitado pelo tamanho e pela importância que tem”, disse.
Para Motta, a legislação aprovada pelo Congresso depois das exigências são fruto de um acordo entre os Poderes. O ministro do STF, no entanto, expandiu as regras que não haviam sido contempladas pela proposta aprovada pelos deputados e senadores.
Entre as novas imposições, Flávio Dino determinou que as emendas de relator (RP-9) e as de comissão (RP-8) devem ter a identificação dos autores. Caberá ao Executivo verificar e liberar os repasses caso a caso.
Já as emendas Pix serão liberadas somente em caso de planos de trabalho aprovados com antecedência. Dino também estabeleceu limite para o crescimento das emendas, que deve seguir o menor percentual dentre três critérios: crescimento das despesas discricionárias do Executivo; limite de crescimento do teto do novo arcabouço fiscal; ou crescimento da receita corrente líquida.
Na avaliação do deputado Carlos Jordy (PL-RJ), o ministro STF quer manter uma "queda de braço" com a Câmara dos Deputados. "Isso porque ele que vem reiteradamente interferindo nas decisões do Congresso Nacional, nas nossas competências de parlamentares. Ele impôs que tivesse regras mais claras e transparentes na distribuição das emendas parlamentares. E o que a Câmara dos Deputados fez? Atendeu ao pedido, curvou-se mais uma vez diante das interferências do STF", argumentou o parlamentar.