A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 23 um projeto de lei que reformula o Código de Trânsito. E, na votação que a Casa fez sobre o adiamento das eleições, na quarta-feira (1), muitos parlamentares circulavam pelo plenário sem máscaras de proteção facial. Esses dois fatos mostram uma espécie de tentativa de retorno à normalidade, que pode ser uma marca do Congresso Nacional neste segundo semestre.
Após uma primeira metade do ano praticamente voltada à pandemia do coronavírus, outros temas começam a reaparecer nos debates e nas propostas de deputados e senadores.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), falou nos últimos dias que pretende conduzir ainda em 2020 a tramitação dos projetos da reforma tributária e da prisão dos condenados após a segunda instância.
Tanto no Senado quanto na Câmara, houve ainda a aprovação recente da proposta de combate às fake news e do marco legal do saneamento. As duas Casas do Congresso aguardam ainda que o governo envie sua proposta de reforma administrativa, esperada desde o ano passado.
Mas é mesmo possível falar em normalidade no Congresso?
Apesar das expectativas, porém, é difícil imaginar que a covid-19 saia do radar dos parlamentares. A pandemia não deu mostras de recuo no Brasil. O número de mortes no país superou a casa dos 60 mil no dia 1.º.
"A covid ainda está galvanizando todas as nossas atenções. Enquanto não houver um arrefecimento, a curva dos números vai continuar sendo a nossa preocupação número 1", afirma o senador Marcelo Castro (MDB-PI). O deputado Eros Biondini (Pros-MG) endossa: "Não podemos deixar de acompanhar os dados da pandemia. É o maior problema que o Brasil enfrenta. E afeta também a economia e outras áreas".
"A pandemia prossegue com muito peso em nossos trabalhos. E ninguém sabe ainda como será o andamento da Câmara, o funcionamento das comissões", reforça a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
Grande parte dos projetos que estiveram recentemente em discussão nas duas Casas tiveram alguma conexão com a covid-19. Foi o caso do adiamento das eleições e da Lei Aldir Blanc, que determinou a concessão de benefícios a artistas que deixaram de trabalhar durante a pandemia. Há outras propostas em tramitação que enfocam o direito do consumidor em tempos de coronavírus, como proibições a aumento de preço e a inclusão de inadimplentes em cadastros.
E tem as eleições…
A aprovação, pelo Congresso, da nova data para as eleições de 2020 não indica que o tema deixará de figurar na lista de prioridades de deputados e senadores. Habitualmente, as disputas municipais influenciam o cotidiano do Congresso Nacional. E, em 2020, mesmo que o pleito tenha um perfil diferenciado por causa da pandemia, o envolvimento entre parlamentares e eleição deve prosseguir.
Muitos deputados são pré-candidatos a prefeito em seus municípios – como Joice Hasselmann (PSL), em São Paulo; Daniel Coelho (Cidadania), no Recife; Otoni de Paula (PSC), no Rio de Janeiro; e Áurea Carolina (Psol), em Belo Horizonte, entre outros.
Mesmo os que não são candidatos, porém, se relacionam com a disputa. "É um ano eleitoral, e o político vive da política. Vai ser uma campanha diferente, mas ele não vai poder deixar de coordenar, de telefonar, de mandar mensagem, de se envolver", afirma o senador Marcelo Castro.
Um pouco de produtividade é possível no Congresso
Todo o contexto, porém, não faz com que os parlamentares acreditem que a produtividade "extra-covid" do Congresso será nula.
O senador Marcelo Castro acredita que a reforma tributária poderá avançar no parlamento. "É algo imprescindível para o Brasil. E já está discutida, debatida há muito tempo. Há duas PECs tramitando, uma na Câmara e uma no Senado, e ambas têm pontos muito convergentes. Não é um assunto muito difícil de se chegar em um entendimento."
Também no campo das finanças, a deputada Adriana Ventura diz que o Congresso terá que discutir uma adequação fiscal, resposta às despesas criadas para o enfrentamento da pandemia. "Isso precisa ser um tema do segundo semestre. Não é algo que pode ficar para o ano que vem. Com o auxílio emergencial, as despesas podem chegar a R$ 800 bilhões. Precisamos equacionar isso", diz.
Outros temas sem relação com o coronavírus que deverão ser abordados pelo Congresso neste segundo semestre são:
- Fundeb: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) será extinto ao fim do ano se uma nova legislação não for aprovada. A continuidade do fundo é uma rara unanimidade no Congresso; o modo para executar isso, porém, ainda motiva divergências. Uma proposta relatada pela deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), que determina à União o custeio de 20% do valor total do fundo, é a que encontra mais simpatia entre os congressistas.
- Prisão em segunda instância: o debate que ficou aberto após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixar a prisão em novembro do ano passado ainda não foi concluído pelo Congresso. Projetos na Câmara e no Senado abordam o tema. Uma proposta que modifica o conceito de trânsito em julgado – permitindo, então, a prisão dos condenados após a segunda instância – está em fase avançada na Câmara e pode ser votada no mês que vem.
- Reforma administrativa: embora o governo não tenha enviado sua proposta (e pode ser que não o faça neste ano), a Câmara debate o assunto, e pode apresentar proposições ligadas ao tema.
- Pacto federativo: a retomada dos trabalhos do Congresso deverá permitir aos parlamentares voltar a falar sobre a chamada PEC do Pacto Federativo, enviada pelo governo ao parlamento no fim do ano passado e que pouco progrediu desde então. Um dos pontos controversos da iniciativa do projeto do ministro Paulo Guedes, a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes, deve ser excluída do projeto.
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