Projeção no prédio do Congresso Nacional homenageia profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus: produtividade dos parlamentares cresceu com sessão virtual.| Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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A sessão virtual da Câmara dos Deputados que discutiu a medida provisória do contrato verde e amarelo (MP 905) se arrastou por mais de sete horas no dia 14 de abril. Integrantes da oposição contestaram a proposta, fizeram obstrução e a votação só se deu quando, depois de muita divergência, os parlamentares deliberaram sobre um texto mais simplificado. Esse é um cenário rotineiro no Congresso Nacional. A votação dessa MP, porém, ficou marcada por ter sido a primeira sessão remota tumultuada por discussões e impasses entre parlamentares, que estavam trabalhando de casa, separados por centenas e milhares de quilômetros.

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O sistema de votação a distância está em funcionamento na Câmara e no Senado desde o fim de março, e foi implantado para garantir a continuação dos trabalhos legislativos em tempos de afastamento imposto pela pandemia do coronavírus. Nesse período, vários projetos de lei foram aprovados em sessão virtual justamente para fazer frente à crise sanitária que atinge o país. Por meio do aplicativo instalado no smartphone ou computador, os parlamentares marcam presença na sessão, debatem temas, orientam votos, discursam e votam, tudo pela internet.

A dificuldade identificada na sessão virtual da MP 905 foi considerada por parlamentares como uma espécie de "prova de choque" para testar a dinâmica da votação a distância, uma demonstração de que a plataforma está pronta para dias mais complexos. Até o momento, tanto senadores quanto deputados têm elogiado os sistemas das duas casas. As críticas que existem são a aspectos pontuais.

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Outra votação remota de relevo foi a proposta de emenda à Constituição do Orçamento de Guerra. Na Câmara, a plataforma possibilitou que a PEC fosse votada em uma sexta-feira, dia em que habitualmente as deliberações são raras no Congresso.

“O sistema virtual que desenvolvemos é uma forma de garantir a saúde de todos, evitar a propagação do vírus pela Câmara, mas permitindo que o Parlamento continue funcionando. É importante que a Câmara continue funcionando, principalmente num momento de crise como este. É o que a sociedade espera dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário: que estejam trabalhando e construindo as soluções para o enfrentamento da crise", afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em nota enviada à Gazeta do Povo.

Home office garante casa cheia no Senado e na Câmara

Nenhuma sessão virtual da Câmara teve quórum inferior a 478 deputados.| Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

O efeito mais chamativo da adoção das votações virtuais é o aumento na participação dos parlamentares. A sessão virtual em que o texto base da PEC do Orçamento de guerra foi aprovado em primeiro turno no Senado contou com a presença de 81 senadores — ou seja, de todos os membros da casa. No da votação em segundo turno, o quórum foi de 80 senadores. Em outras quatro votações realizadas pelo Senado em abril, a menor participação foi de 76 parlamentares.

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Como comparação, em abril de 2019 o Senado fez a votação de quatro PECs. O maior quórum registrado nas ocasiões foi de 69 integrantes, em 23 de abril, para a apreciação da PEC 31.

Na Câmara, o quadro é similar. Levantamento feito pelo site Poder360 identificou que nenhuma das sessões virtuais teve quórum inferior a 478 deputados. O número é superior ao maior quórum identificado em uma sessão deliberativa extraordinária presencial do ano, que foi de 476 integrantes.

Além do fato de não exigir o deslocamento dos parlamentares a Brasília, outro elemento que ajuda na elevação do quórum é a praticidade do sistema — basta um registro, que pode ser feito por meio de um aplicativo de celular. No caso da Câmara, a presença fica gravada ainda que o deputado não acompanhe a sessão, apenas marcando seu nome no início.

"O sistema tem correspondido às expectativas", afirmou a deputada Christiane Yared (PL-PR). A opinião é endossada pelo também deputado Alex Manente (Cidadania-SP): "está sendo uma experiência positiva. O sistema é eficiente. Na falta de reuniões presenciais tem sido uma alternativa segura, e que pode ser pensada mesmo para depois da pandemia para alguns tipos de votação".

O deputado João H. Campos (PSB-PE), embora também elogie a plataforma, aponta um campo para melhoria. "Precisa realizar mais sessões, incluindo sessões de debates. Hoje, os deputados sentem uma necessidade maior de ter a oportunidade para falar e para fazer pronunciamentos que, normalmente, se davam nas sessões de debates da Câmara. Agora, só estão ocorrendo sessões deliberativas".

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Projetos vão a votação na sessão virtual só após acordo

Na nota enviada à reportagem, o presidente Rodrigo Maia declarou: "o que é levado a votação por este sistema é aquilo que é apoiado por uma maioria muito grande ou até mesmo por todos os partidos e todas as lideranças. Assim, conseguimos ter um processo de maior agilidade, já que este momento requer exatamente mais urgência nas votações das matérias". O deputado, entretanto, foi cobrado a evitar pautar matérias controversas para votação virtual, justamente pelas dificuldades encontradas no dia da apreciação da MP do contrato verde e amarelo.

Para o deputado Manente, apesar de aquela sessão ter registrado controvérsias, foi "um bom teste" das capacidades do sistema.

"Foi uma sessão onde a oposição mostrou o seu papel e a sua capacidade de conduzir um debate, de fazer a obstrução, que é um direito regimental, é um direito previsto para as minorias. O sistema virtual também dá esse direito à obstrução. Isso foi importante e é comum a gente ver sessões se arrastarem para dentro da madrugada, inclusive em sessões presenciais, como muitas vezes, na Câmara, nós já vivenciamos. Então, mostrou que o sistema funciona e que funciona também quando é necessário fazer algum tipo de obstrução", acrescentou João H. Campos.

Um impasse maior em torno da sistemática virtual foi registrado no Senado, onde alguns parlamentares afirmaram que emendas à Constituição não deveriam ser apreciadas a distância. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) chegou a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a proibição da votação remota de PECs. O pedido foi rejeitado. Para o parlamentar, os congressistas deveriam considerar a presença no Senado, do mesmo modo que fazem os trabalhadores de atividades essenciais.

Para deputados que conversaram com a Gazeta, a votação remota de uma PEC pode ser efetuada no contexto atual, mas deve ser evitada em período de normalidade. "Não vejo problema algum em votar PEC pelo aplicativo enquanto estivermos de quarentena, mesmo sabendo que o ideal seria ser presencial. Mas, em um momento como este, o Parlamento tem dado a resposta necessária", disse Yared.

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"O sistema é seguro para votar qualquer projeto, inclusive uma PEC. Em um momento como o atual, podemos sim fazer a distância a votação de uma PEC. Mas passada a pandemia, deveríamos fazer discussões e votações de PEC apenas no modo presencial", acrescentou Manente.

"As matérias mais polêmicas e mais relevantes eu acredito que devem ser votadas de maneira presencial, salvo aquelas que têm extrema urgência, como foi a emenda à Constituição do Orçamento de guerra. Essa era emergencial e teria que ser votada de maneira imediata", destacou Campos.