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Combate ao crime

Congresso tem propostas para confrontar ideias de Lewandowski na segurança pública

A audiência de custódia, uma das grandes bandeiras de Ricardo Lewandowski, pode ser restringida pelo Legislativo (Foto: Pedro França/Senado)

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A escolha de Ricardo Lewandowski para comandar o Ministério da Justiça não dissipou a preocupação de parlamentares ligados à segurança pública com a possibilidade de aumento da criminalidade no país. A avaliação entre integrantes e representantes da classe é de que, no primeiro ano deste terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve erros e negligência em relação ao problema. Por isso, a oposição quer debater neste ano temas como o fim da “saidinha” dos presos da cadeia em feriados, a descriminalização das drogas, o acesso da população às armas e a derrubada da obrigatoriedade de policiais usarem câmeras em uniformes.

Além de não ser especialista na área, Lewandowski tem visão contrária à de técnicos experientes, sobretudo por defender políticas de desencarceramento, orientadas para facilitar a saída de presos do sistema penitenciário, visto por ele e ativistas de esquerda como uma escola do crime, em razão do domínio de facções criminosas sobre parte das unidades prisionais. A posição em favor do desencarceramento serve também como um dos principais argumentos em favor da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. A ideia é que usuários não deveriam ficar presos com traficantes e outros criminosos violentos.

Veja o programa Assunto Capital sobre a recente liberação de compra de armas por atiradores e as "saidinhas" de presos.

As "saidinhas" são o direito de detentos gozarem de cinco semanas de liberdade por ano em datas comemorativas, como Natal e dia dos pais. Têm acesso ao benefício os presos do regime semiaberto que tenham apresentado bom comportamento. Na bancada da segurança, majoritariamente de direita, a percepção predominante é que a liberação de presos nas “saidinhas” fomenta a violência, dado que muitos voltam a cometer crimes e não retornam para o sistema prisional.

O deputado Alberto Fraga (PL-DF), um dos mais antigos parlamentares que atua na área na Câmara e favorito para presidir, neste ano, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, prevê embates do Legislativo com o novo Ministro da Justiça, que deve tomar posse em fevereiro. “Lewandowski será o ministro da insegurança pública, por falta de conhecimento técnico e por ser defensor da pauta dos bandidos. A comissão vai se posicionar contra esses projetos dele. Não tenha dúvida que teremos grandes embates, para defender a sociedade”, disse à Gazeta do Povo.

Para ele, o que falta é mobilização do Senado. “Passamos 20 anos discutindo a redução da maioridade penal, aprovamos na Câmara, mas o Senado deixou prescrever”, lamenta o deputado. A proposta de emenda à Constituição, que permitiria condenar criminalmente e levar à prisão delinquentes com mais de 16 anos, em vez de 18, foi aprovada em 2015 pela Câmara, mas ficou parada no Senado, e por isso foi arquivada no fim de 2022.

Nesta reportagem, elencamos cinco proposições em tramitação no Legislativo que devem avançar neste ano e que vão na direção contrária do governo Lula na área da segurança.

1) Audiências de custódia

Implementadas nacionalmente por Lewandowski quando ele presidia o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2014 e 2016, as audiências de custódia desde então são criticadas pela bancada da segurança por favorecer a libertação de bandidos presos em flagrante e intimidar policiais que efetuam as prisões. Teoricamente, o procedimento de levar um preso em flagrante à presença do juiz em 24 horas, com direito à presença de advogado ou defensor e promotor. Ela serve para verificar a legalidade da prisão e a eventual ocorrência de maus tratos ao preso. Na prática, passou a ser usada para deixar em liberdade criminosos perigosos, dentro da lógica de impedir a lotação de presídios.

Desde que foram implementadas há cerca de oito anos, as audiências de custódia já libertaram mais de meio milhão de presos no Brasil, segundo levantamento da Gazeta do Povo.

Inicialmente, deputados hoje na oposição se insurgiram contra a medida, aproveitando-se do fato de ter sido inicialmente implementada por meio de resolução do CNJ, e não de lei. Ainda em 2016, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) apresentou projeto de decreto legislativo para sustar a norma. Apontou inconstitucionalidade formal e argumentou que a audiência de custódia promoveria uma “inversão de valores e papéis”.

“A prática reiterada de atos criminosos gera sensação de impunidade que estimula os criminosos, apavora os cidadãos e acarreta aos policiais um sentimento de impotência, frente ao retrabalho diário a que estão submetidos esses profissionais. As audiências de custódia, instituídas por ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão integrante do Poder Judiciário, agravaram tal sensação ao estabelecer uma inversão de valores e papéis em que os investigados passaram a ser, prioritariamente, os agentes policiais responsáveis pelas prisões, e os criminosos de fato foram travestidos de vítimas em potencial, independente da natureza ou gravidade da infração penal praticada”, disse na proposta.

Com o tempo, o projeto perdeu força e ficou parado, especialmente a partir de 2019, quando a audiência de custódia foi aprovada em lei, dentro do pacote anticrime, que passou a prever a soltura do preso em caso de não realização do procedimento.

Nos últimos anos, a oposição passou a defender regras mais restritivas para sua realização. Há um projeto na Câmara, por exemplo, do deputado Kim Kataguiri (União-SP), para impedir a concessão de liberdade provisória para criminosos reincidentes. No Senado, há uma proposta para tornar obrigatória a audiência de custódia apenas nos casos em que o acusado não é reincidente ou tem bons antecedentes. Apresentados entre 2022 e 2023, os projetos ainda estão em fase inicial.

2) Fim das saidinhas

Aprovado pela Câmara em 2022, com 311 votos a favor e 98 contra, o projeto de lei que acaba com as saidinhas está desde então parado no Senado, mas deve ganhar força neste ano depois da morte do sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, assassinado por um criminoso que estava solto nas ruas por causa do benefício, em Belo Horizonte. O caso revoltou a Polícia Militar em Minas Gerais e despertou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que é do Estado, para o problema. “Ou reagimos fortemente à criminalidade e à violência, ou o país será derrotado por elas”, postou o senador no Twitter recentemente, ao comentar o assunto.

No Senado, o projeto tem como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Ele diz que a votação está travada por resistência do PT e de partidos de esquerda que apoiam o governo. Para contornar isso, o texto deverá ser alterado pelo senador Sergio Moro (União-PR) para manter as saidinhas para presos que estudam e trabalham. Se for aprovado na Comissão de Segurança do Senado, o projeto ainda tem de passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois pelo plenário. Se a modificação for aprovada, terá de voltar à Câmara.

Nesse cenário, o presidente da Comissão de Segurança da Câmara, Sanderson (PL-RS), adiantou à Gazeta do Povo que haverá esforço para restabelecer o texto original, que proíbe todos os tipos de saidinha. Há risco de Lula vetar o texto, mas o deputado diz que, nesse caso, vai mobilizar os colegas para derrubar o veto e, assim, fazer valer a nova lei.

3) PEC das Drogas

A retomada, em agosto de 2023, do julgamento no STF que pode descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal também deixou Pacheco em alerta. Ele logo anunciou uma proposta de emenda à Constituição para manter a conduta como crime no ordenamento jurídico. O texto estava pronto para aprovação em novembro na CCJ, mas teve a votação adiada por um pedido de vista coletivo. O relator, Efraim Filho (União-PB), ajustou a redação prevendo a diferenciação entre traficantes e usuários, de modo que estes não sejam presos, mas submetidos a penas alternativas – é exatamente o que ocorre hoje na Lei Antidrogas, cujo dispositivo o STF tende a derrubar para impedir que o usuário seja processado criminalmente.

Ministros favoráveis à descriminalização dizem que a aplicação da lei pela polícia, Ministério Público e Judiciário é discriminatória, porque enquadraria usuários negros e pobres como traficantes para poder prendê-los. Daí o interesse em estabelecer uma quantidade máxima – 60 gramas de maconha, por exemplo – que caracterizaria o porte para consumo. Neste caso, haveria um critério universal e objetivo para considerar uma pessoa usuária e, portanto, imune à pena de prisão.

Opositores dessa definição dizem que o efeito será pulverizar ainda mais o tráfico. Ou seja: para evitar a prisão, traficantes de rua sempre carregariam consigo quantidade menor que a máxima permitida para usuários, de modo que nunca sejam presos. Outro efeito temido pela direita é o aumento do consumo. A partir do momento que o Estado fixar que o porte não é mais um crime, passaria a mensagem de que a droga não faz mal. O uso tenderia a aumentar e, com isso, o tráfico de drogas, grande fonte de violência, cresceria para suprir a demanda maior.

Pacheco quer apressar a votação no início desse ano no Legislativo, porque a ação pela descriminalização no Judiciário já está pronta para voltar ao plenário do STF e falta apenas um voto para formar a maioria favorável. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, disse em dezembro que vai pautar logo o caso para o término do julgamento. Para valer, a PEC de Pacheco precisa ser aprovada por 3/5 dos senadores em suas votações e depois por 3/5 dos deputados em mais duas votações.

No STF, Lewandowski não chegou a votar no julgamento que pode descriminalizar o porte de maconha. Mas, em conversas informais, com jornalistas, já sinalizou ser favorável. Em 2011, quando o STF liberou as marchas da maconha, ele argumentou que seria possível que, no futuro, a maconha nem fosse mais considerada uma droga. “O conceito de drogas entre nós, e mesmo no mundo, não é absoluto, não é uniforme e nem é permanente. O que é droga para fins médicos ou mesmo para fins legais? A matéria é extremamente controvertida. Café é droga? Cigarro é droga? Bebidas alcoólicas constituem droga? Maconha é droga?”, disse à época.

4) Decreto legislativo dos CACs

Os decretos de Lula que dificultaram novamente a emissão de licenças e aquisição de armas por caçadores, atiradores esportivos e colecionadores de armas estão na mira do Projeto de Decreto Legislativo 3/2023. O objetivo é restabelecer as regras estabelecidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que ampliou a quantidade e tipos permitidos de armas e munições acessíveis aos atiradores.

A proposição é de autoria do deputado Sanderson (PL-RS), presidente da Comissão de Segurança da Câmara e, segundo ele, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), prometeu que a colocaria em votação no plenário no início do ano legislativo, a partir de fevereiro. Se aprovado pelos deputados, o projeto vai ao Senado. Em caso de aprovação pelos senadores, o texto vai diretamente à promulgação, sem risco de veto pelo presidente Lula.

Na questão das armas, Lewandowski votou em setembro de 2022 para derrubar decretos de Bolsonaro que facilitavam posse e compra por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Em novembro daquele ano, quando Bolsonaro já havia perdido a reeleição, ele disse num evento com empresários que a quantidade de armas em circulação entre civis era “absolutamente desproporcional aos eventuais perigos que as armas querem afastar”.

5) Câmeras de segurança

A pressão do STF para obrigar policiais do Rio de Janeiro a usarem câmeras de segurança em uniformes (em operações contra o crime em favelas) e do Ministério da Justiça para estender a medida a todo o país fez a Câmara reagir com um projeto de lei que permite aos agentes ligarem ou não o equipamento, caso disponível. A proposta foi apresentada em outubro pela deputada Daniela Reinehr (PL-SC), ex-vice-governadora de Santa Catarina.

Ela diz que a obrigatoriedade inibe os policiais no combate ao crime e ainda viola o direito deles a não produzir provas contra eles mesmos, comum a todas as pessoas, e à privacidade. “O constante monitoramento de suas ações pode criar um ambiente de trabalho estressante e desgastante, onde eles se sentem constantemente sob escrutínio, mesmo quando estão cumprindo suas funções de maneira adequada”, diz ela na justificativa.

Ela ainda argumenta que faltam estudos para comprovar a eficácia da medida para coibir atuação abusiva dos policiais e que alguns já apontam queda na quantidade de apreensões e prisões. A deputada defende que os recursos sejam aplicados prioritariamente em equipamentos mais efetivos no combate ao crime, como armas mais modernas, coletes à prova de balas e viaturas.

O projeto, no entanto, faz parte de um pacote de propostas relacionadas ao mesmo assunto, inclusive a outros que preveem a obrigatoriedade. Tudo está parado e sem perspectiva de acordo para aprovação no plenário. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vinculado ao Ministério da Justiça, aprovou na semana passada uma recomendação pelo uso das câmeras corporais. O texto ainda tem que ser aprovado pelo ministro Flávio Dino. Ao ser publicado no Diário Oficial, funcionará como pressão para Estados adotarem medidas similares em suas forças policiais.

No STF, Lewandowski seguiu o ministro Edson Fachin em 2022, quando a Corte impôs aos policiais do Rio de Janeiro o uso das câmeras, como forma de reduzir a letalidade deles nas operações em favelas. Na época, Lewandowski disse que havia “violação generalizada e sistemática dos direitos fundamentais naquela unidade da Federação, pela ação da criminalidade organizada e das milícias, agravada pela atuação truculenta da polícia local”.

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