Parlamentares estão se articulando para aumentar ainda mais o controle do Congresso sobre o Orçamento por meio de emendas, diminuindo o poder do Executivo sobre verbas discricionárias. Há pelo menos três propostas em discussão: a criação de emendas de liderança, o estabelecimento de um cronograma para a liberação de emendas parlamentares impositivas (como as individuais e de bancadas estaduais) e ainda um projeto de lei que quer tornar obrigatórias as emendas de comissões permanentes da Câmara e do Senado.
O relatório preliminar do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, aprovado nesta terça-feira (7) na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, não prevê essas medidas. Mas o relator da matéria, deputado Danilo Forte (União-CE), afirmou que, no relatório final, irá propor a criação de emendas de bancada partidária ou de liderança, que o deputado chamou de RP-5, para substituir as extintas emendas de relator.
Atualmente, existem três tipos de emendas parlamentares: as individuais (RP-6), as de bancadas estaduais (RP-7) e as emendas de comissão (RP-8). As emendas de relator (RP-9), conhecidas como "orçamento secreto", foram declaradas inconstitucionais no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em razão da falta de transparência – não era possível identificar, por exemplo, qual parlamentar havia feito a indicação da verba.
Para realocar os R$ 19,4 bilhões destinados a tais emendas no orçamento de 2023, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dividiu o montante em duas frentes: para os ministérios (RP-2) e para as emendas individuais (RP-6). As emendas de ministério são de uso discricionário do Executivo, mas parlamentares já denunciaram que elas estão sendo usadas como moeda de troca para apoio em projetos de lei de interesse do governo. O mesmo ocorre com as demais emendas, mesmo as impositivas (de execução obrigatória), já que não há a necessidade de cumprir um calendário para o repasse desses valores.
No total, R$ 9,8 bilhões que deveriam ser destinados para as emendas de relator foram parar nos ministérios da Saúde, Cidades, Agricultura, Educação e Integração Regional. Com a nova medida, Forte busca trazer de volta para o Congresso a execução desses recursos.
O deputado não divulgou o valor que poderá ficar sob a responsabilidade das bancadas partidárias (emenda de liderança). A porcentagem final dessa dotação depende da revisão da meta fiscal pelo governo. A favor das novas emendas, Forte defendeu a transparência e constitucionalidade da proposta.
“Nós não estamos criando novas RP-9. Essas emendas partidárias de bancada vão ter origem, destino e acompanhamento. Então, não vai ser nada camuflado do ponto de vista dos seus encaminhamentos. A RP-5 é uma rubrica clara com relação a essa questão e vai ter toda a tramitação com os parâmetros que um orçamento público exige”, afirmou Forte.
Contudo, a proposta da criação de uma emenda de liderança para substituir a de relator ainda está em discussão. O deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA), vice-líder da maior bancada da Câmara, afirma que há resistência em apoiar o projeto e que ele ainda será debatido nos próximos dias.
“Foi feito um acerto há uns 15 dias de que a melhor saída era a impositividade das emendas de comissão (RP-8), mas ele (Danilo Forte) entendeu que era melhor colocar as emendas por bancada partidária. Mas isso ainda vai ser discutido, ainda há uma resistência em apoiar a impositividade dessas emendas”, afirma.
Alternativa às emendas de comissão permanente
A obrigatoriedade do pagamento das emendas de comissão está contida em um projeto do senador Zequinha Marinho (PL-PA). No dia 31 de outubro, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o PL que segue para avaliação da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. A expectativa para o projeto é de que seja aprovado ainda este ano, em ambas as casas.
A rápida tramitação e aceitação do PL se deve ao crescente desconforto do Congresso Federal diante dos frequentes atrasos nos repasses das emendas parlamentares pelo governo Lula. E não é só a oposição que tem reclamado da demora para o depósito dos recursos.
Deputados e senadores, até mesmo da base aliada do PT, têm criticado a falta de agilidade da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), liderada pelo ministro Alexandre Padilha, em cumprir com os acordos estabelecidos.
O cientista político e advogado Valdir Pucci avalia que o ministro faz o jogo do governo. “O Padilha é criticado pelos parlamentares na medida em que promete que determinada emenda será liberada, e acaba não sendo. Mas isso faz parte do jogo político do governo, da busca pelo apoio do Legislativo às medidas que interessam ao Executivo”.
Outra estratégia governista seria a demora que os parlamentares têm encontrado para marcar reuniões nos ministérios. Esses encontros de gabinete são fundamentais para acertar o repasse das emendas. Alguns congressistas afirmam que a espera pode chegar a cerca de 60 dias para conseguir se reunir com determinados ministros, isso quando não deixam de ser recebidos.
Além da barganha política, a prática petista de aparelhar a administração com seu pessoal, retirando inclusive técnicos de carreira de cargos operacionais, também agrava a demora para execução dos repasses em razão da falta de pessoal treinado para realizar os processos.
Uma das principais preocupações de deputados e senadores é que as emendas empenhadas, ou seja, aquelas cujos recursos já estão reservados para transferência, não sejam pagas até o fim do ano. Nesse caso, elas entram na classe de “restos a pagar” e os trâmites para que cheguem até o seu destino no próximo ano, tanto para estados quanto para municípios, são bem mais complexos.
Cronograma de pagamentos para as emendas
Para evitar que isso siga acontecendo, uma das apostas do Congresso é estabelecer um prazo para os repasses. Para tanto, pode ser criado um dispositivo na LDO que obrigue o pagamento da emenda no ano de sua indicação. Caso isso não ocorra, poderá se tornar crime de responsabilidade ou o atraso ficará sujeito a multas, por exemplo.
Forte também mencionou a necessidade criação de um cronograma para a liberação de emendas parlamentares. Mesmo assim, o deputado não esclareceu se o relatório final da LDO, previsto para ser votado até o dia 24 de novembro, tratará dessa questão. Atualmente, mesmo para aquelas de execução impositiva, como as individuais e de bancadas estaduais, não há regras que estabeleçam prazos definidos para o pagamento.
Deste modo, os recursos de muitas emendas deixam de ser transferidos pelo governo. Estima-se que, até o momento, aproximadamente entre 23% e 28% de todo o valor empenhado para as emendas parlamentares em 2023 ainda não foi transferido, contra cerca de 5% no mesmo período do ano passado.
A falta de obrigatoriedade para cumprir um cronograma de repasse do valor das emendas ou de sanção, no caso de atrasos, facilita o uso desses recursos como moeda de troca para a aprovação das pautas governistas no Congresso.
Dessa forma, o estabelecimento de um calendário de repasses, é um ponto crucial o Legislativo, que visa retomar sua autonomia orçamentária e, portanto, de execução, diminuindo o poder de barganha do PT.
O atraso tem, inclusive, prejudicado prefeitos que apoiaram a eleição de Lula. A falta de repasse estaria atrasando, por exemplo, o andamento de obras em todo o país, além de atrapalhar investimentos em saúde.
O volume é expressivo. Para o orçamento de 2024, a LDO prevê R$ 37,6 bilhões para emendas parlamentares individuais e de bancadas, sem contar com o total para as emendas extra.
Em ano de eleições municipais, a liberação e a aplicação desses recursos podem ser fundamentais para os resultados que o PT e os demais partidos terão nas prefeituras em todo o país.
“As emendas existem justamente para que os parlamentares possam encaminhar recursos para a sua base eleitoral, de forma legítima e democrática, como ocorre em qualquer democracia. O parlamentar é quem está na base, mais presente junto a sua comunidade, junto a seu município – ele sabe a necessidade de um hospital, de uma estrada e as emendas servem para isso”, afirma Pucci.
O cientista político também sinaliza que, caso as medidas para garantir a execução das emendas não sejam implementados, o governo ainda pode abrir mão da liberação de emendas para irrigar prefeituras e, consequentemente, campanhas dos seus aliados, enquanto sufoca financeiramente aquelas geridas por políticos da oposição.
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