Conheça a história dos tanques de guerra no Exército Brasileiro| Foto: Reprodução/Exército
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Dados do Global Firepower, que analisa o poder bélico de 145 países, mostram que o Brasil lidera o ranking na América Latina em frota de tanques de guerra. Na análise mundial, contudo, o país ocupa a 32ª posição com os 469 carros de combate em seu arsenal, enquanto a primeira posição, ocupada pela Rússia, possui 14.777 mil tanques de guerra à sua disposição. Ainda que longe de ser uma das mais potentes forças bélicas do mundo, a história das Forças Armadas brasileiras com tanques de guerra permeia mais de um século.

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Os resultados mostram o que a Gazeta do Povo já havia apontado anteriormente: que ainda há muito o que evoluir no que diz respeito à defesa nacional do Brasil. Para entender um pouco da história e evolução dos tanques das Forças Armadas Brasileira, a reportagem conversou com o analista Paulo Filho, militar da reserva e mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército, e com o major Vitorino Alvares, chefe da Divisão de Doutrina do Centro de Instrução de Blindados do Exército. Ambos são "cavalarianos", ou seja, militares da arma de Cavalaria, que durante o início do século 20 trocou os animais pelos blindados.

Os tanques de guerra, como são conhecidos popularmente, são denominados carros de combate (CC) para o Exército. Para ser classificado assim, o veículo precisa conter um sistema de armas que reúne em si, sob determinada prioridade sistêmica, "cinco ações essenciais ao combate". São elas: poder de fogo, ação de choque, proteção, mobilidade e informações-comunicações. Portanto, não é todo carro blindado que é considerado um tanque ou um carro de combate.

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Sendo assim, o Exército Brasileiro adquiriu os primeiros carros de combate em 1921. “Durante a Primeira Guerra Mundial, e no contexto da Missão Militar Francesa, o Exército Brasileiro verificou a necessidade de profissionalização e modernização de suas Forças Armadas. Nesse período, enviou à França o então tenente de cavalaria José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que participou de combates com o exército francês”, conta Alvares.

O major conta ainda que José Pessoa iniciou os estudos de motorização e mecanização na Escola de Carros de Combate de Versalhes, posteriormente servindo no 503º Regimento de Artilharia de Carros de Combate, onde conheceu os blindados FT 17. “Assim sendo, o Tenente José Pessoa assessorou ativamente o Exército Brasileiro na escolha do primeiro blindado das Forças Armadas”.

O primeiro tanque do Exército Brasileiro 

O primeiro modelo adquirido pelo Brasil foi o Renault FT-17, de origem francesa. À época, em meados da Primeira Guerra Mundial, o exército brasileiro fez a primeira aquisição de tanques e comprou 12 modelos Renault. “Esses carros foram adquiridos para compor a Companhia de Carros de Assalto, que acabou sendo extinta em 1932. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em 1938”, conta Filho.

O Carro de Combate FT-17 é considerado um dos primeiros tanques de guerra do mundo e foi amplamente utilizado durante a Primeira Guerra. Com uma torre capaz de girar 360º, ele permitia atacar o inimigo por todos os lados, o que era uma inovação naquela época. O veículo ainda podia ser equipado com uma metralhadora de 8 mm Hotchkiss (7mm nas versões brasileiras) ou um canhão de 37 mm Puteaux.

A blindagem do tanque era de 22mm, o que não é considerado muito pesado, mas o suficiente para aguentar tiros de determinados calibres e a estilhaços de artilharia. Um dos pontos negativos do FT-17 era sua lentidão, ele percorria cerca de 7km/h. Mas à época em que ele foi utilizado pelos ingleses em combate isso ainda não era visto como uma desvantagem, já que o carro havia sido feito para acompanhar a infantaria.

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No Brasil, foram adquiridos 12 veículos da Renault. Destes, cinco carros com o canhão 37mm, seis com metralhadoras de 7mm, um com armamento intercambiável e o último utilizado apenas para comunicação da companhia. Em território nacional, os FT-17 foram utilizados em conflitos internos, como a Revolta Paulista de 1924. Esses carros foram compor a Companhia de Carros de Assalto, que acabou sendo extinta em 1932.

Renault FT-17, o primeiro tanque adquirido pelo Exército Brasileiro| Foto: Divulgação/Exército

Um italiano para compor o arsenal de Carros de Combate do Exército Brasileiro 

Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em 1938, tentando acompanhar a modernização do mundo, o Exército criou o Esquadrão de Auto Metralhadoras e comprou 23 Carros de Combate (CC) Fiat Ansaldo, o CV-3 35 II. A nova aquisição foi considerada um upgrade para a frota recém adquirida do exército brasileiro.

A escolha pelo modelo Fiat Ansaldo foi influenciada pela experiência do General Waldomiro Castilho Lima, que havia acompanhado a atuação desses carros durante atuação da Itália na Etiópia. Os 23 blindados adquiridos possuíam dois tipos de armamento: 18 equipados com duas metralhadoras Madsen 7mm e cinco com uma metralhadora Breda 13,2mm.

Considerado um veículo leve, o Ansaldo é um tanque sobre lagartas e mais rápido que seu antecessor, o FT-17, podendo alcançar 42km/h em estradas e 12km/h em terreno acidentado. A sua blindagem também era um pouco superior ao Renault que o exército já tinha em seu arsenal, com 13,5mm.

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Suas dimensões, contudo, é que chamavam atenção. Devido ao tamanho do Ansaldo, ele acabou sendo apelidado de “tankette”. O Carro de Combate italiano tinha 3,15m de comprimento, 1,40m de largura e 1,28m de altura — ele era bem menor que um homem. Seu peso também chamava atenção, com cerca de 3.1kg

Os Fiat-Ansaldo foram usados na instrução e manobras até 1942. Desde o ano anterior, o exército recebia material moderno e de origem norte-americana para equipar diversas unidades, inclusive as blindadas. Apesar da atualização prevista ao arsenal do Exército, o CV 3-35 II não foram totalmente excluídos de uso.

Por alguns anos, o veículo foi utilizado em Recife, Rio de Janeiro e para o Distrito Federal. Em 1945, foram recolhidos para um depósito do exército, alguns, contudo, foram enviados para a Polícia Militar do RJ e DF e outros utilizados como alvo em exercícios de artilharia e lança-chamas.

Carro de Combate Fiat Ansaldo, CV-3 35 II , adquirido pelo Exército na década de 1930| Foto: Reprodução/ECSB Defesa

A chegada dos tanques norte-americanos  

Com a 2ª Guerra Mundial, Filho e Alvares contam que o Exército Brasileiro passou a utilizar material norte-americano. Foi então que os Carros de Combate M-3 Lee (1941), M-3 Stuart (1941) e M-4 Sherman (1944) foram adquiridos e substituíram os Fiat Ansaldo.

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O M-3 Lee é considerado um tanque médio e foi criado para substituir os M-2 da frota americana durante a Segunda Guerra. Equipados com um canhão 75mm, um canhão 37mm e uma metralhadora .50, o M-3 Lee podia chegar a uma velocidade de até 42km/h. Foram 104 veículos do tipo adquiridos pelo exército brasileiro.

Devido à falta de peças para sua manutenção, esses tanques médios acabaram ficando obsoletos. Com a chegada de novos carros de combate ao mercado mundial, o país passou a negociar novos veículos para implementar seu arsenal. A chegada de carros de combate mais modernos aposentou os M-3 Lee da ativa.

Algumas unidades ainda foram conservadas para treinamento de condução e formação de mecânicos na Escola de Motomecanização (EsMM), no Rio de Janeiro. Em 1969, quando foram desativados, alguns de seus componentes mecânicos (peças de motor, caixas reguladoras e geradores) foram retirados e revisados para servirem como peças de reposição do M-4 Sherman.

Carro de Combate M-3 Lee, adquirido pelo Brasil durante a Segunda Guerra Mundial| Foto: Reprodução/Exército

O M-3 Stuart é a categoria leve desse carro de combate. Apesar de ser equipado com um canhão de 37mm e 5 metralhadoras .30, esse veículo foi amplamente utilizado pelos Aliados durante a guerra para suporte à infantaria. Essa versão perdeu espaço para modelos mais potentes e com maior blindagem. O Brasil adquiriu 350 M-3 Stuart e após sua obsolescência, esse carro serviu como base para desenvolvimento de blindados nacionais.

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Tanque M-3 Stuart, adquirido pelo Brasil dos Estados Unidos| Foto: Reprodução/Exército

As 83 unidades de M-4 Sherman chegaram ao Brasil em 1944, o veículo considerado um carro de combate médio foi muito utilizado pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra. Equipado com um canhão 75mm, uma metralhadora .50 e duas metralhadoras .30, sua blindagem de apenas 78mm na parte frontal e 36mm na traseira o deixava frágil.

Sua silhueta alta e de fácil visibilidade e o canhão com cano curto e baixa capacidade de perfuração na blindagem de tanques inimigos, também foram apontados como pontos falhos pelo Exército Brasileiro. Sua blindagem frágil também facilitava para que ele pegasse fogo após ser atingido.

M-4 Sherman, tanque médio que também fez parte do arsenal brasileiro| Foto: Reprodução/Exército

Em 1960, o exército recebeu os primeiros M41 Walker Bulldog, que vieram para substituir os falhos M-4 Sherman. Equipado com canhão 76mm preparado como arma antitanque, esse veículo tinha ótima velocidade em estradas e podia ser facilmente reparado. O Brasil adquiriu 368 unidades do M41A1 e do M41A3. Por mais de 30 anos, até 1994, ele foi o principal carro de combate do Brasil.

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M-41 Walker Bulldog| Foto: Reprodução/Academia da Força Aérea

Os tanques M60 (A3 TTS) chegaram ao Brasil em 1997 após uma aquisição de 91 carros. Equipado com um canhão 105mm, uma metralhadora 12,7mm e uma 7,62mm, esse carro pode alcançar até 48km/h. "Esse blindado também possui um sistema de controle de tiro e componentes modernizados da década de 1980", explica o porta-voz do Exército.

Em operação junto ao 20º Regimento de Cavalaria Blindada (RCB), o M60 teve bons resultados em operação e especialistas ainda chamam atenção para a operação de tiro realizada em Roraima, em setembro de 2015. A viatura se deslocou por mais de 9.000 km, de Campo Grande (MS) até Boa Vista (RR), disparou sete vezes o seu canhão de 105 mm, no Lavrado (terreno similar ao cerrado de Goiás) na Serra do Tucano, Município de Bonfim, próximo à capital.

Foi a primeira vez na história, que um carro de combate operou e disparou no Teatro de Operações da Amazônia e no extremo setentrional do Brasil. Ele é considerado um dos verdadeiros "tanques pesados" adquiridos pelo Exército.

Carro de Combate M60| Foto: Reprodução/Exército
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Leopard: os alemães  

Na segunda metade dos anos de 1990, o Exército adquiriu os Leopard 1A1, de fabricação alemã. Junto com o M60, ele é considerado o primeiro tanque de guerra pesado adquirido pelo Exército Brasileiro. O Brasil adquiriu 128 desses veículos. Equipados com um canhão 105mm e duas metralhadoras 7,62mm, o Leopard 1A1 pode chegar a 65km/h. Ele ainda é considerado um potente antitanque devido à sua blindagem de 70mm.

Vitorino Alvares conta que o Exército ainda possui as unidades do Leopard 1 A1 adquiridas na década de 1990. As viaturas compradas pelo Brasil e que ainda estão à disposição do Exército são uma versão modernizada pela Bélgica. "Nesse contexto, possui itens de suprimento similares, a exemplo do mesmo canhão, motor e munições", conta.

Tanque Leopard 1 A1, adquirido da Alemanha pelo Brasil| Foto: Reprodução/Exército

Em 2006, o Exército adquiriu os Leopard 1 A5. Uma versão mais moderna e atualizada do primeiro Leopard adquirido pelo Brasil, o 1 A5 passou por customizações para atender às necessidades que seu antecessor não conseguia atender. Ele foi aperfeiçoado na capacidade de combate noturno e sob mau tempo, bem como sua capacidade de efetuar disparos contra alvos em movimento.

Os primeiros carros desta versão foram entregues em 1987 e, apesar da idade, o Leopard ainda é tido como um dos principais tanques dispostos ao arsenal do Exército Brasileiro. Atualmente, o Exército possui 220 unidades de Leopard 1 A5 Br em sua frota. Esse veículo foi adquirido da Alemanha em 2007 e modernizado com componentes da década de 1980 e modificações do início dos anos 2000. "Destaca-se que versões similares a esse blindado estão sendo empregadas no atual conflito da Ucrânia", relembra Alvares.

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Tanque Leopard 1A5| Foto: Reprodução/Exército

O tanque made in Brasil 

O major de cavalaria do Exército Vitorino Alvares conta que a produção nacional de veículos blindados teve início da década de 1960. "À época, deu-se início a produção de alguns protótipos de blindados sobre rodas, chegando-se à criação e fabricação propriamente dita do modelo Cutia (1965), produto da Fábrica Nacional de Motores (FNM), no Rio de Janeiro", explica o porta-voz das Forças Armadas.

Esse modelo, contudo, não era um tanque de guerra e foi construído para ser um blindado de reconhecimento de velocidade. O grande destaque brasileiro para a produção de tanques foi o EE T1, projetado pela Engesa, que ficou mais conhecido como Osório. Seu apelido foi uma homenagem ao Marechal Manoel Luis Osório, patrono da Cavalaria do Exército Brasileiro.

Considerado um carro de combate pesado, o Osório ganhou destaque na indústria bélica por mostrar melhor desempenho contra carros de combate como o americano M1 Abrams e o francês AMX-40. Equipado com um canhão 120mm, uma metralhadora coaxial de 7,62 mm e uma metralhadora antiaérea de 12,7mm, a viatura tinha ainda um inteligente sistema de mira.

Pesando 43 toneladas, o Osorio podia chegar a 70 km/h em terreno plano e 45 km/h em terrenos acidentados. Sua blindagem havia sido projetada para resistir a ataques de armas antitanque e projéteis de artilharia.

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Tanque Osorio, de produção nacional produzido pela Engesa| Foto: Reprodução/Exército

"Infelizmente, sua produção em série não se concretizou por conta da acirrada concorrência internacional e o potencial cliente (Arábia Saudita) acabou cedendo a pressões geopolíticas em desfavor desse brilhante carro de combate, superior a seus antagonistas em muitos critérios", avalia o Vitorino Alvares.

Em meados da década de 1990, a empresa estava prestes a fechar negócio com os sauditas para a compra de um lote do Osorio mas o negócio nunca aconteceu. À época, o governo americano acabou entrando em campo e alegou que o Brasil não respeitava acordos internacionais e que negociava com "inimigos". A Arábia Saudita encerrou as negociações e comprou M1 Abrams dos americanos.

O projeto do EE T1 havia sido um investimento próprio da Engesa que havia gastado milhares de dólares para a fabricação do veículo. O Exército brasileiro também não conseguiu comprar as viaturas devido ao seu elevado custo, uma média de mais de US$ 3 milhões. O desfecho da história acontece com a falência da Engesa que já lidava com o problema das dívidas e não conseguiu se manter no ramo.

Apesar do Osorio não ter se consolidado no mercado bélico, a Engesa teve êxito na fabricação de veículos blindados. "Especialmente a Viatura Blindada de Reconhecimento Cascavel e a Viatura Blindada de Transporte de Tropas Urutu, que além de serem utilizadas pelo Exército Brasileiro a partir da década de 1980, foram exportadas para vários países, especialmente do Oriente Médio e da América do Sul", conta Paulo Filho.

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O recente carro de combate antitanque adquirido pelo Exército Brasileiro

O mais recente tanque adquirido pelo Brasil foi o Centauro II. produzido na Itália. Foram compradas 98 unidades do veículo através de uma parceria do Exército com a Iveco-Oto Melara (CIO, parceria entre as empresas Iveco e Leonardo). O Centauro II é considerado um dos melhores em sua categoria e a chegada ao arsenal do Exército mostra um salto tecnológico à força.

Considerado um caça tanque, o veículo é um 8x8 de alto desenvolvimento tecnológico. Dotado de um canhão de 120 mm de longo alcance, sua blindagem é capaz de resistir a tiros de grosso calibre, mas em tese é vulnerável a tiros diretos de tanques pesados. Mais tecnológico e com um sistema de rodas mais resistente, sua suspensão e a baixa pressão nominal no solo permitem que o veículo se desvencilhe de qualquer tipo de terreno. Essa característica também o deixa mais rápido do que os tanques pesados.

Do lote adquirido, o Brasil já recebeu duas unidades em 2023 e receberá mais duas em maio. Os demais devem ser incluídos no arsenal do Exército até o ano de 2031. Além da aquisição dos novos veículos, o consórcio também abrange a produção da plataforma veicular e da torre do canhão em solo brasileiro. A transferência tecnológica permite a produção e apoio logístico ao Centauro em solo nacional. Dessa forma, o Exército espera que, a partir de 2027, o país já tenha autonomia para fazer a montagem do blindado no Brasil.