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Se em 2023 investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) progrediram por obra de Alexandre de Moraes, em 2024 algumas conquistas que o ministro obteve, no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República, deverão acelerar a apresentação de uma ou mais denúncias contra o ex-presidente. A entrada de Flávio Dino no STF, a nomeação de Paulo Gonet para a chefia da PGR e a homologação de um acordo de delação entre a Polícia Federal e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid são eventos que tiveram participação direta do ministro e vão interferir no andamento dos casos, até o momento inconclusivos.
As investigações que mais se aprofundaram neste ano envolvem a falsificação do cartão de vacinação de Bolsonaro contra a Covid; a suposta apropriação de joias e relógios presenteados por sauditas em viagens internacionais; o suposto uso de cartão corporativo da Presidência para gastos pessoais e familiares e a alegada suspeita de incitar a multidão que invadiu e depredou as sedes dos Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro. Ainda estão abertos inquéritos mais antigos, sobre a suposta interferência na PF em 2020; a associação de vacina contra Covid à Aids; e ainda sobre as críticas e dúvidas lançadas pelo ex-presidente em relação às urnas eletrônicas.
Em todos esses casos, a PGR, único órgão que poderia denunciar Bolsonaro perante o STF, descartou a ocorrência de crimes ou ainda não encontrou provas suficientes para acusar formalmente o ex-presidente e, com isso, abrir uma ação penal que o tornaria réu. A maioria das investigações subsiste apenas porque Moraes ainda mantém os inquéritos abertos e, junto com a PF, tenta reunir as provas que seriam necessárias para as imputações.
Nomeado por Bolsonaro em 2019, o antecessor de Gonet na PGR, Augusto Aras, sempre descartou as suspeitas. Após a sua saída, a procuradora-geral interina, Elizeta Ramos, nunca se aprofundou nos casos. O subprocurador Carlos Frederico, que cuidava dos inquéritos relacionados ao 8 de janeiro de 2023, e também dos casos mais recentes, das joias e do cartão de vacina, chegou a dizer que a delação de Mauro Cid, que detalharia esses episódios, era “fraca”, pois não conteria provas – algo inusual para colaborações, em geral, feitas pelo Ministério Público, que exige do delator elementos concretos que possibilitem culpar a pessoa delatada.
No início de dezembro, porém, um ofício enviado por Carlos Frederico a Moraes sinalizou a iminência de uma denúncia. No documento, protocolado no dia 4, o subprocurador classificou como “fundamental” para a denúncia a recuperação de um vídeo, postado nas redes por Bolsonaro no dia 10 de janeiro de 2023, e horas depois apagado por ele mesmo, em que um procurador de Mato Grosso atribuía a vitória eleitoral de Lula ao TSE e ao STF. Seria a “prova” de que, mesmo após os ataques aos Poderes, Bolsonaro teria tentado incitar seus apoiadores a cometer novos crimes contra as instituições.
Gonet na PGR
Com a posse de Gonet na PGR, é esperada uma pressão ainda maior sobre o órgão, principalmente por parte do STF, para denunciar Bolsonaro, justamente por atos que poderiam ser enquadrados como “ataques à democracia”, ou mais especificamente, crimes contra o Estado Democrático de Direito. No quadro pintado por um grupo de delegados da PF que respondem diretamente a Moraes, Bolsonaro teria contribuído para o 8 de janeiro pelo menos desde 2020, com a convocação e participação em manifestações de rua contra o STF; e nas transmissões ao vivo nas redes em que semeou desconfiança em relação às urnas eletrônicas.
Parte dessas acusações já foi aproveitada por Gonet no parecer em que ele defendeu, no Tribunal Superior Eleitoral (onde ele atua desde 2021), a condenação de Bolsonaro à inelegibilidade, em razão da reunião que o ex-presidente fez com embaixadores para levantar dúvidas sobre a transparência, segurança e confiabilidade da votação eletrônica, além da imparcialidade dos ministros nas eleições. Do ponto de vista político, foi mais uma confirmação de que Gonet age e agora tende a agir mais ainda, como procurador-geral, em sintonia com Moraes, principal patrocinador, ao lado de Gilmar Mendes, de sua indicação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo.
Os dois ministros também tiveram influência decisiva sobre Lula para colocar no STF o ministro da Justiça Flávio Dino, que, no cargo, nunca escondeu o ímpeto de criminalizar o “bolsonarismo”. Na Corte, há convicção de que ele será voto certo contra Bolsonaro na análise de uma eventual denúncia. Por ter ascendência sobre a PF, Dino contribuiu para o aprofundamento das investigações enquanto era Ministro da Justiça. A direção-geral da corporação deve continuar com o delegado Andrei Rodrigues, o que deixa aberto um canal informal de contato do novo ministro do STF.
Pelo mesmo motivo, alguns dos atuais ministros do STF também têm interesse em indicar alguém próximo a eles para suceder Dino no Ministério da Justiça – está no guarda-chuva da pasta não só a PF, mas também a Polícia Rodoviária Federal e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão que centraliza investigações conjuntas com outros países.
Os dois órgãos também são relevantes nas investigações sobre Bolsonaro. A PRF está sob a lupa de Moraes pela suspeita de que seu gestor anterior, alçado ao comando por Bolsonaro, teria tentado dificultar a chegada de eleitores do Nordeste aos locais de votação no segundo turno da eleição presidencial. Já o DRCI é crucial para obter dos Estados Unidos informações sobre o destino e venda de presentes que Bolsonaro recebeu enquanto presidente e que, segundo Moraes, constituiriam patrimônio público da União.
Defesa de Bolsonaro e eventual aprovação de anistia
Em todos esses casos, a defesa de Bolsonaro tem trabalhado para inocentá-lo. O primeiro argumento é a falta de competência do STF para tocar os processos. isso porque, desde que deixou o mandato presidencial, Bolsonaro não tem mais foro privilegiado. Todas as investigações, portanto, já deveriam ter descido para a primeira instância da Justiça, exatamente como ocorreu com Lula e Michel Temer depois que deixaram a Presidência.
Em relação ao 8 de janeiro, os advogados alegam que Bolsonaro não tem qualquer participação – deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos mais de uma semana antes e teria postado o vídeo em 10 de janeiro sob efeito de medicamentos, por engano. O próprio Bolsonaro tem repetido, em discursos e entrevistas, que ele considera a disputa de 2022 “página virada”.
Em relação às joias, a defesa é de que não havia clareza quanto à natureza pública ou privada dos objetos. Quanto aos cartões de vacina, a defesa do ex-presidente atribui tudo a Mauro Cid e a outros ex-auxiliares, que teriam agido sem seu conhecimento.
Em grande medida, as investigações mais recentes sobre Bolsonaro, especialmente aquelas derivadas da delação de Mauro Cid, são mantidas em segredo por Moraes.
Fora dos autos, o ex-presidente e seu entorno apostam em sua força política e popularidade na esperança de evitar uma condenação ou, se essa acontecer, numa anistia que eventualmente seja aprovada no Congresso. A aposta é de que boa parte da população não aceitaria uma sentença injusta e baseada em perseguição política e pressionaria os parlamentares a aprovar uma lei que perdoasse Bolsonaro. O problema é que uma lei assim, além de precisar contar com a maioria da Câmara e Senado durante um governo petista, ainda estaria submetida ao veto de Lula e de uma análise de constitucionalidade pelo STF.