O Consórcio dos Governadores da Região Nordeste, lançado em Salvador no fim de julho, foi apresentado como um mecanismo de gestão pública. A carta de fundação da instituição fala da atuação conjunta dos estados em temas como saúde, segurança e comunicações. O dia-a-dia da administração também é mencionado, e uma das primeiras metas do consórcio é criar um sistema de compras que beneficie os nove estados de forma coletiva. O documento também prega a criação de uma agenda internacional conjunta e uma soma de forças na busca por recursos federais.
O caráter técnico da carta e do ato de lançamento do consórcio, entretanto, não consegue colocar em segundo plano a conotação política que ronda a instituição. O consórcio foi formalizado dias depois de duas polêmicas envolvendo o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o Nordeste: o uso da palavra "paraíba", de forma pejorativa, para se referir à região, e a controversa inauguração do aeroporto de Vitória da Conquista (BA), em torno da qual o presidente e o governador da Bahia, Rui Costa (PT), trocaram farpas.
Além disso, o consórcio está estabelecido na região do Brasil em que Bolsonaro teve o pior desempenho na eleição de 2018, e que portanto é tratada como uma espécie de 'bunker' da oposição. Todos os vitoriosos na disputa pelo governo no ano passado apoiaram Fernando Haddad (PT) na corrida presidencial. De quebra, entre os governadores do Nordeste existem dois nomes que já aparecem como possíveis candidatos presidenciais em 2022: o próprio Rui Costa e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão.
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, Bolsonaro disse que os governadores do Nordeste agem para dividir o país. "O PT lançou a divisão entre nós. E nós temos de nos unir. Agora mesmo estão tendo indícios de que, se não todos, a maioria dos nove governadores quer começar a implementar a divisão do Nordeste contra o resto do Brasil.
Defensores do consórcio discordam dessa tese e veem na iniciativa dos governadores um movimento focado na melhoria da gestão pública e relatam que eventuais ganhos políticos da ação serão consequência do bom trabalho prestado à população.
Origens e motivações
O modelo atual do consórcio começou a ser gestado em março. Naquele mês, os governadores se reuniram no Maranhão e lançaram também uma carta em que proclamavam a união mas também atacavam duas propostas-chave da gestão Bolsonaro: a reforma da Previdência e a flexibilização da posse de armas.
Naquela época, o debate em torno dos consórcios esteve ainda mais politizado – tanto que pouco após o lançamento do bloco do Nordeste um similar foi fundado pelos governadores de Sul e Sudeste, com a defesa da reforma da Previdência entre as prioridades.
Os consórcios se consolidam em um ano em que os fóruns entre governadores e a discussão do pacto federativo estão em alta. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), tem promovido encontros regulares entre os gestores estaduais em Brasília – alguns destes, com a presença de representantes do Palácio do Planalto. Além disso, o Senado tem discutido temáticas ligadas ao pacto federativo, como regulações para o pagamento de emendas orçamentárias.
"Mais Médicos do Nordeste", uma ideia em compasso de espera
A carta de lançamento do consórcio dos governadores do Nordeste é assinada por sete dos noves gestores da região – Ceará e Alagoas são representados pelos vices. No documento, os governadores falam sobre alternativas para a saúde: eles apontam que o plano de trabalho do consórcio prevê a "apresentação do programa de oferta de médicos para a atenção primária na região, visando ampliar os serviços de saúde nas áreas mais carentes dos estados nordestinos".
Antes da formalização do consórcio, a proposta era ainda mais direta: os governadores haviam exposto a ideia de implantar uma espécie de "Mais Médicos do Nordeste". Segundo os gestores, a região foi a mais afetada com a decisão do governo Bolsonaro de modificar o modelo do Mais Médicos, o que levou à saída dos profissionais cubanos. A manifestação do governo Bolsonaro de apresentar uma alternativa ao Mais Médicos, formalizada na quinta-feira (1) com o Médicos Pelo Brasil, alterou a ideia do consórcio.
"Os governadores apoiam a proposta do Ministério da Saúde de criar um programa de médicos para o Brasil e desejam contribuir com a proposta. Para isso, irão solicitar o agendamento de audiência com o ministro", aponta o texto.
Mas é político ou não é?
A conotação política do consórcio é rejeitada pelo presidente do diretório do PT na Bahia, Everaldo Anunciação. Para ele, a mobilização dos governadores tem foco na qualidade da gestão pública e na superação das dificuldades que marcam a região, que reúne mais de 55 milhões de habitantes e detém os piores indicadores sociais do Brasil.
"Não é uma resposta política ao governo Bolsonaro, e sim uma resposta administrativa", disse. Anunciação afirmou também ser coincidência o lançamento do consórcio em data tão próxima à controversa declaração de Bolsonaro sobre os "paraíbas".
O presidente do PT-BA declarou ainda que vê com naturalidade a menção dos nomes de Rui Costa e Flávio Dino como presidenciáveis. "A sociedade está olhando para o trabalho deles e vendo que eles estão entregando resultados mesmo tendo menos recursos à disposição. Além disso, ambos têm muita capacidade política. Então se são apontados como possíveis candidatos à Presidência, é resultado do bom trabalho que desempenham", afirmou.
Já o vereador de São Luís Chico Carvalho, presidente do PSL do Maranhão, interpreta a formação do consórcio como uma "política burra" por parte dos governadores.
"É um ato de enfrentamento ao governo. E uma verdadeira burrice. Porque o Bolsonaro não vai, em hipótese alguma, prejudicar a população do Nordeste. Então eles não precisam fazer essa mobilização", relatou. Para o parlamentar, Bolsonaro "vai tirar de letra" o que ele menciona como um desafio apresentado pelos governadores.