A crise provocada pela pandemia do coronavírus atropelou a tímida retomada econômica do Brasil e exigiu que o governo federal mudasse sua política fiscal e gastasse mais para socorrer os que foram mais afetados neste cenário. As contas públicas, que estão no vermelho desde 2014, podem fechar o ano com um rombo de R$ 877,8 bilhões apenas no governo central, de acordo com cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal. Essa é a expectativa para o déficit primário, resultado das contas não financeiras, e por isso não inclui o pagamento de juros da dívida pública.
Essa atuação do poder público era esperada – e essencial –, mas terá efeitos no longo prazo. E reverter essa tendência será mais complicado: segundo a IFI, o rombo ainda pode persistir por mais de uma década e ser superado apenas em 2033, o que significa que o Brasil ficaria quase 20 anos com déficits nas contas públicas. O último superávit primário foi registado em 2013.
“É esperado e desejável que o Estado brasileiro atue fortemente para debelar a crise sanitária que se instalou no Brasil. Mitigar os seus efeitos sobre aqueles que mais dependem do poder público é igualmente essencial, daí a importância de programas como o auxílio emergencial de R$ 600. Essa atuação deve ser eficiente e pautada pela celeridade na liberação dos recursos”, observa o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, na apresentação do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) 41, de junho, publicado na segunda-feira (15).
Embora justificados os gastos agora, a IFI chama a atenção para a necessária retomada da agenda de sustentabilidade fiscal e ajuste das contas públicas já a partir do ano que vem, com redução do gasto e aumento de receitas. Caso esse processo não volte à pauta, os efeitos sobre os próximos ciclos econômicos podem ser muito danosos. Isso ocorre porque o rombo do governo tende a exigir aumento do endividamento, inclusive com refinanciamento da dívida pública deste ano.
Rombo nas contas públicas em 2020 é impulsionado por gastos pela Covid-19
A pandemia da Covid-19, em sua calamidade e nas medidas de mitigação necessárias para conter seus efeitos, pressiona fortemente as contas públicas, especialmente do governo federal. O cenário contém a queda de arrecadação, fruto da desaceleração da atividade econômica, desonerações fiscais e parcelamento do recebimento de tributos federais.
Simultaneamente a esse recuo, o governo precisa gastar mais, e rapidamente, para tentar mitigar os efeitos da crise. Além da ajuda aos mais pobres, como o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 para informais e da ajuda para pequenas empresas, também entram os gastos dirigidos ao sistema de saúde – que exigiu a compra de equipamentos e insumos, incluindo a busca no exterior, com preços mais altos pela demanda elevada e valorização do dólar ante o real.
O déficit primário do governo federal deve ser de R$ 877,8 bilhões este ano, de acordo com as projeções da IFI. Isso representa 12,7% do PIB. Desse valor, ao menos R$ 601,3 bilhões são fruto de metidas de mitigação dos efeitos do coronavírus no país. O número já incorpora impacto de algumas medidas que ainda não foram tomadas oficialmente, como o prolongamento do pagamento do auxílio emergencial e diferimento (ampliação do prazo) do pagamento de tributos federais nos próximos anos.
“É recomendável que se evite tomar decisões não diretamente relacionadas à mitigação dos efeitos do coronavírus e que deteriorem ainda mais a situação fiscal do país, especialmente decisões que criem despesas permanentes, sem indicar medidas compensatórias”, recomenda o RAF.
A medida que mais impacta para esse resultado negativo do governo é o pagamento do auxílio emergencial, estimado em R$ 388,8 bilhões pela IFI, já considerando uma extensão do prazo – ainda que pese a incerteza sobre a quantidade de meses e valor das parcelas. Em seguida, aparece a ajuda às empresas, que soma R$ 139,6 bilhões, o socorro a estados e municípios, no valor de R$ 70,9 bilhões, e as despesas da área da saúde, de R$ 52 bilhões.
Pelas projeções da IFI, fatores não associados à Covid-19 vão responder por R$ 276,5 bilhões do déficit primário de 2020. “A situação fiscal do Brasil já era ruim antes da pandemia. A meta de déficit primário para 2020 era de R$ 124,1 bilhões, reduzindo o espaço fiscal para o enfrentamento da crise”, aponta.
Superávit primário pode voltar só em 2033
O Brasil pode ficar no vermelho um bom tempo ainda, após superar a crise da Covid-19. O rombo nas contas públicas, registrado desde 2014, vinha diminuindo nos últimos anos. Antes de iniciar sua gestão frente ao Ministério da Economia, Paulo Guedes chegou a cogitar acabar com o déficit no primeiro ano de governo – coisa que não ocorreu e que fica cada vez mais distante de ser realizada nesta gestão.
Projeção da IFI para o cenário-base aponta que o superávit primário deve retornar apenas em 2033. Ou seja: as contas públicas brasileiras vão passar quase 20 anos no negativo antes de voltarem para o azul. A instituição optou por não contemplar medidas anticrise após 31 de dezembro de 2020 para a composição do déficit primário do ano que vem. A expectativa é de uma redução do déficit primário, de 12,7% do PIB neste ano para 3,6% em 2021.
A partir dos anos seguidos, essa proporção vai diminuindo, mas sem resultado positivo até 2030. "É provável que o superávit primário retorne apenas nos idos de 2033", resume o documento.
A projeção considera que não haverá transposição de despesas extraordinárias, contratadas durante a pandemia, para o próximo ano. O único gasto extra computado são R$ 10 bilhões em créditos extraordinários, usados para o enfrentamento da emergência de saúde, a serem executados em 2021.
O déficit registrado em 2019, de R$ 95,1 bilhões, foi o menor desde 2014, quando o rombo ficou em R$ 23,5 bilhões. Entre 2015 e 2018, as contas fecharam no vermelho na casa dos R$ 100 bilhões, atingindo o seu pico em 2016, quando o país registrou déficit primário de R$ 161,3 bilhões. Em 2018, o rombo foi de R$ 120,3 bilhões.
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