Mal começou seu governo, Jair Bolsonaro (PSL) e equipe sofrem com a penúria das contas públicas do Executivo. O governo federal precisa promover algum tipo de ajuste fiscal, porque há um grave desequilíbrio nas finanças. As despesas obrigatórias aumentam, a arrecadação cai, o orçamento é cada vez mais engessado e o governo se aproxima de uma situação-limite que já acendeu muitos sinais amarelos entre economistas.
A situação caótica não afeta apenas o governo Bolsonaro: deve persistir e atingir a próxima gestão também. O alerta vem na edição de maio do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal. E há três pontos, relacionados entre si, que exigem mais atenção desde já.
Ainda em 2019, as despesas discricionárias, aqueles gastos que o governo pode decidir como fazer, devem chegar ao nível mais baixo da história. E a tendência é de que sigam diminutas nos próximos anos, porque não está sobrando dinheiro e o orçamento é engessado.
Além disso, o governo precisa cumprir o teto de gastos e, por mais que haja uma limitação para o crescimento das despesas da União, algumas delas crescem além da inflação, como é o caso da Previdência. Por isso, a IFI estima que a possibilidade de descumprimento do teto é alta já em 2022, o que acionaria os gatilhos de controle rígido sobre a evolução de gastos com pessoal.
Esse cenário árido também reflete no equilíbrio das contas. Se Paulo Guedes, ministro da Economia, chegou a sonhar em zerar o déficit primário com um ano de governo, a IFI projeta que o buraco é bem mais embaixo. A tendência é de que o resultado negativo das contas públicas permaneça assim, no vermelho, pelo menos até 2025.
O diretor-executivo da IFI, Felipe Scudeler Salto, já na carta de apresentação do relatório, aponta duas conclusões que julga as mais relevantes: o teto de gastos gera efeitos fiscais significativos e as projeções apontam para uma recuperação lenta e com restrições complexas nas finanças públicas. E o resultado negativo do PIB no primeiro trimestre deste ano apenas pressiona ainda mais o Executivo.
“Reformas e mudanças legais e constitucionais que promovam a adequação das despesas obrigatórias relevantes a essa nova realidade, como a previdenciária, serão importantes para condicionar mudanças que melhorem as perspectivas atuais da IFI nos seus três cenários”, avalia.
Entenda o que está em jogo em cada uma dessas áreas: teto de gastos, despesas discricionárias e déficits primários.
Teto de gastos em risco traz ameaças para o Estado
Em maio, a IFI atualizou suas projeções para a economia, inclusive com revisão do PIB – a economia brasileira vai crescer menos. O quadro anterior, traçado em novembro de 2018, já era desafiador. Mas, frente a outras variáveis como o fraco desempenho da economia, a situação ficou ainda mais complicada nessa revisão de maio.
O déficit primário vai demorar mais tempo para ser revertido, mas o descumprimento do teto de gastos, inicialmente previsto para 2021, só deve ocorrer em 2022. É uma melhora muito pontual, que ocorreu porque os economistas revisaram as despesas obrigatórias realizadas em 2018 (menores do que o esperado) e o reajuste do teto para 2020 e 2021, acima das projeções iniciais.
O fato é que o governo precisa fazer um ajuste fiscal, ou os mecanismos que regulam o teto de gastos entrarão em cena. “O acionamento dos gatilhos, que no cenário base deve ocorre a partir de 2023, pode resolver parcialmente o ajuste pelo lado dos gastos, mas afetaria o funcionamento do Estado brasileiro”, explica a IFI.
A IFI está analisando a situação do teto pela observação da margem fiscal. “Sempre que a margem fica abaixo de um patamar mínimo de gastos necessários ao funcionamento da máquina, isso representa risco elevado de descumprimento do teto”, explica. Essa margem é o espaço para ajuste das contas públicas, descontando as despesas obrigatórias e discricionárias, e levando em consideração a evolução dos gastos sujeitos ao teto e de despesas rígidas no curto prazo.
É aí que entram os gatilhos previstos na Emenda Constitucional 95, que basicamente reduzem os gastos com pessoal: não há mais reajuste para o funcionalismo e não poderão ser realizados concursos públicos. Tudo isso é feito para evitar uma paralisação da máquina pública, que independentemente dessas ações terá seu funcionamento afetado.
Para 2019, a avaliação é que a margem fiscal está em uma zona de conforto e não está ameaçada. A situação começa a ficar mais difícil em 2021, quando o risco de descumprimento do teto é moderado. É em 2022 que o risco fica alto. Isso ocorre porque “para manter o patamar mínimo de gastos discricionários necessários ao funcionamento do Estado e cumprir todas as outras obrigações, a despesa primária total acabaria por ultrapassar o limite constitucional”.
Dessa forma, os gatilhos seriam acionados para frear o gasto com pessoal, que ficariam congelados em R$ 365 bilhões, nas projeções da IFI. Depois disso, a partir de 2023, a tendência é de redução do gasto com pessoal em quase dois pontos porcentuais em relação ao PIB. Parece bom? Mas não é bem assim.
“A regra de limitação para os gastos públicos à inflação passada foi criada há pouco tempo, em 2016, com efeitos a partir de 2017 e, no momento em que ela realmente começaria a produzir limitações mais efetivas à evolução do gasto, poderá acabar, na prática, gerando um quadro marcado pelo efeito de gatilhos que não necessariamente resolveriam o desequilíbrio fiscal”, explica a IFI.
A IFI pondera que esse quadro não tem riscos apenas de natureza fiscal, mas que pode se refletir no funcionamento do estado por causa da elaboração e execução das políticas públicas. “Um quadro de redução de servidores e congelamento de salários nominais pode representar séria restrição ao funcionamento do Estado”.
Gasto mínimo para sobreviver: a menor despesa discricionária da história
Manter o teto de gastos em ordem implica em fazer escolhas e gastar menos. E são as despesas discricionárias, aquelas que são menos engessadas e que os governos podem escolher como gastar o dinheiro, que vão ser mais afetadas.
A situação se torna complexa porque, com o teto, não são todas as despesas que podem ceder espaço para o avanço de gastos obrigatórios, como é a Previdência, por exemplo. Por outro lado, existe um limite mínimo para o funcionamento do Estado e, consequentemente, de corte das despesas discricionárias. A IFI projeta que a execução mínima desse tipo de despesa para 2019 é de R$ 75 bilhões – menos que isso implica em risco de paralisação do Estado.
Superávit? Vai demorar
O relatório da IFI também mostra que o sonho do superávit de Paulo Guedes estará mais distante, mas vai acontecer, apesar do descumprimento da regra do teto. O déficit primário seria revertido a partir de 2026. “Esse quadro de risco alto de descumprimento persistiria até 2030, pelo menos, último ano do nosso cenário preditivo. O resultado primário, por sua vez, passaria a ser superavitário em 2026, convergindo a um esforço de R$ 163 bilhões ou 1,1% do PIB em 2030”, explica.
A IFI ainda pondera que essa análise precisa ser relativizada por causa do “elevado grau de instabilidade dos cenários preditivos, explicada por um contexto de incerteza e confiança ainda abaladas, quadro político conturbado, atrasos na tramitação da reforma da Previdência no Congresso, elevado nível de desemprego e dificuldade de recuperação da economia doméstica”.
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