O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que garante financiamento à educação básica em todo o país, deixará de existir no ano que vem. A extinção em 2020 estava prevista desde a criação do fundo, em 2007.
A continuidade do Fundeb ou a implantação de mecanismos para substituí-lo, mas com sistemática semelhante, é um tema que detém rara unanimidade no cenário político, com um arco de apoios que vai do PSL ao PSOL. A ideia de manutenção conta também com apoio do governo federal, por meio do Ministério da Educação - a diretriz de se fortalecer o ensino básico é cada vez mais reforçada pela gestão de Jair Bolsonaro (PSL).
Apesar do ambiente de consenso, existem diferenças sobre como garantir essa continuidade. As opiniões variam sobre quem seria contemplado com o novo Fundeb, qual o grau de contribuição dos diferentes entes federativos e se a união deveria colocar mais a mão no bolso para executar o financiamento.
Propostas no Congresso
Diferentes projetos que tramitam no Congresso Nacional sobre o assunto buscam inserir o Fundeb na Constituição. Com isso, alegam os parlamentares, o fundo se consolidaria de maneira definitiva entre as políticas públicas brasileiras, não podendo ser modificado pelos governos de ocasião.
Um exemplo de iniciativa neste sentido é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15, da ex-deputada Raquel Muniz (PSD-MG). O texto foi apresentado em 2015 na Câmara e tramitou pelo Congresso até o ano passado, quando se viu paralisado por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro, que inibiu a discussão sobre PECs. Com o fim da intervenção e a composição de uma nova legislatura, a partir de fevereiro, a proposta foi desarquivada.
O desarquivamento fez com que outra comissão sobre o tema fosse constituída. Relatora do colegiado, a deputada Dorinha Rezende (DEM-TO) é favorável à proposta e apresentou um substitutivo para que a participação da União no Fundeb cresça de 10% para 30% ao longo de 10 anos.
A deputada Dayane Pimentel (PSL-BA), também integrante da comissão, acredita que a renovação do Fundeb sob o governo Bolsonaro pode representar um novo modelo de gestão para o fundo. "Investimentos altos em educação o Brasil tem. O que se precisa é de administrar bem esse investimento", disse. A parlamentar afirma ainda que vê com otimismo a possibilidade de aprovação, por parte do Congresso, de um novo modelo para o fundo.
Outro membro da comissão, Tiago Mitraud (Novo-MG) defende a continuidade do Fundeb mas faz críticas quanto ao debate sobre o modelo de financiamento do fundo. "Existem propostas para se elevar a participação da União para até 40%, mas ninguém explica de onde virá esse dinheiro", aponta.
O parlamentar também defende que o Congresso rediscuta o mecanismo de distribuição de recursos do Fundeb - para Mitraud, em vez de considerar os estados, o fundo deveria ter como referência os municípios. "Minas Gerais não recebe compensações. Mas dentro de Minas há cidades mais ricas e outras, como as do Vale do Jequitinhonha, que são muito pobres, que precisariam do auxílio", explica. Segundo o deputado, esse é um dos aspectos que pode quebrar o consenso que existe hoje em torno do Fundeb.
Já o Senado tem duas PECs sobre o assunto em tramitação. A PEC 33/2019, de Jorge Kajuru (PSB-GO), e a PEC 65/2019, de Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).
A proposta, explica o senador, é baseada em sugestões apresentadas por governadores após recente reunião em Brasília. O texto contém outro ponto que poderá gerar controvérsias dentro do Congresso: inclui, na composição do Fundeb, recursos municipais. Atualmente, as prefeituras não contribuem para a formação do fundo. "Defendo que os municípios participem também do processo. Não é razoável desobrigar um ente público a financiar a peça mais importante do financiamento da educação", afirma o senador.
O parlamentar cita também outro ponto que poderá gerar debates em torno do "novo Fundeb", que é a ampliação da participação da União. Segundo Randolfe, setores do governo, de acordo com o ambiente de ajuste fiscal que tem sido a tônica da gestão Bolsonaro, podem ser contrários a mais gastos por parte do Executivo. "Mas acredito que quem tem mais precisa contribuir mais, e é essa a posição da União", declara.
A PEC de Randolfe também sugere que a contribuição da União no Fundeb seja elevada de 10% para 40% no prazo de 11 anos. A proposta do senador da Rede é defendida pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP): "é importante manter e ampliar o fundo. De todas as propostas que estão em tramitação no Congresso, a PEC 65 é a melhor proposta - embora não seja a ideal - porque garante a manutenção do Fundeb e ainda aumenta a contrapartida da União".
Outra proposta, elaborada pelo deputado João Roma (PRB-BA), apenas modifica a lei que criou o Fundeb para fazer com que o fundo tenha validade até 2040. Com as PECs recebendo mais destaque, a iniciativa não deve figurar entre as prioridades dos deputados.
Fora do Congresso, há ainda a proposta de que o Fundeb contemple também o ensino privado, dando a pais a possibilidade de utilizarem os recursos do fundo para matricularem seus filhos em escolas particulares. A iniciativa é defendida pela educadora Anamaria Camargo, que escreveu um artigo para a Gazeta do Povo sobre o tema. "O fim do processo educacional é o aluno educado; logo é ele que deve ser financiado, não a escola. É hora de garantir que o novo Fundeb cumpra esta função", aponta Camargo.
E o governo?
A continuidade do Fundeb encontra apoio também no poder Executivo. Na recente audiência na Câmara dos Deputados - marcada por discussões acaloradas - o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse ser favorável a "um novo Fundeb" e estar "aberto para rediscutir" mecanismos para consolidação do fundo.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, o Ministério reforçou a intenção: "O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é prioridade para o Ministério da Educação. Uma das diretrizes da atual gestão é o foco na educação básica, com o aprimoramento do fundo. A pasta tem escutado profissionais do setor, a sociedade civil, bem como secretários estaduais e municipais de Educação, com o intuito de subsidiar o tema no Congresso, para que seja construída uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de reestruturação do Fundeb".
A valorização da educação básica tem sido apresentada por Weintraub e outros membros do governo como uma justificativa para os contingenciamentos no orçamento do ensino superior. As restrições no investimento levaram às manifestações do último dia 15, as maiores até o momento no governo Bolsonaro, e forças oposicionistas anunciaram novos protestos para o dia 30.
Entendendo o Fundeb
O Fundeb representa, hoje, 63% dos recursos da educação básica pública no Brasil. O fundo foi instituído em 2007, no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Enquanto o Fundef, criado na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), se restringia ao ensino fundamental, o Fundeb contempla todo o ciclo de ensino básico.
O Fundeb garante que todos os estados brasileiros e o Distrito Federal tenham um piso mínimo de investimento em educação básica. São estabelecidos valores iniciais de referência por aluno e todos os estados, o DF e a União contribuem para o fundo. Posteriormente, os repasses são feitos e, com base nos valores investidos, os pisos são alcançados. Os estados com mais recursos são menos recompensados, enquanto os mais pobres recebem as maiores contrapartidas.
Um estudo de 2017 da Câmara dos Deputados, divulgado pela ONG Todos pela Educação, identificou que sem o Fundeb faz com que a diferença entre o investimento por aluno do estado mais pobre para o estado mais rico na educação básica seja de "apenas" 564% - sem o fundo, seria de 10.000%.
"O Fundeb substituiu uma política anterior que se focava apenas no ensino fundamental. Passou a ser essencial - mas não suficiente - para a educação básica. Contemplou todos os níveis. Sem o Fundeb, haveria uma grande precarização na educação pública oferecida à população", afirma a professora Sônia Kruppa, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Kruppa é favorável à constitucionalização do fundo. "Tem que se ter um Fundeb constitucionalizado que garanta um regime de colaboração entre estados, municípios e o governo federal. Também se precisa estabelecer mínimos de investimento", relata. A professora defende ainda que o fundo seja inserido em um projeto amplo de valorização para a educação pública no país, que contemple todos os níveis.