Neste exato momento, contrabandistas estão transportando vacas da Índia em direção a Bangladesh. Ouro do Nepal segue para a China. Drones são utilizados para enviar iPhones de Hong Kong, também para a China. Armas partem da Ucrânia para dentro do território russo. Drogas atravessam a fronteira do México e do Canadá em direção aos Estados Unidos. Uma amostra de que não é apenas o Brasil que tem dificuldade em fiscalizar suas fronteiras: esse é um problema recorrente em países com vastas divisões de território em terra.
Sete nações do mundo têm mais de 10 mil quilômetros de fronteiras secas. As campeãs disparadas são China e Rússia – que fazem divisa com, respectivamente, 16 e 14 países. Brasil e Índia têm extensão parecida, na casa dos 14 mil quilômetros, e convivem com 10 nações, ainda que os indianos enfrentem situações muito mais conflituosas, como acontece nos 2.912 quilômetros de fronteira com o Paquistão e os 4.156 quilômetros de divisa com Bangladesh. No terceiro bloco vêm Cazaquistão e Estados Unidos, com aproximadamente 12 mil quilômetros de divisas (veja mais no quadro).
É muito difícil conter o contrabando em faixas de terra tão extensas. Em geral, os países optam por focar em trechos mais problemáticos, seja porque concentram o tráfico de produtos ilegais, seja porque são usados para introduzir imigrantes, seja porque são divisas disputadas militarmente com os vizinhos.
VEJA TAMBÉM:
Túnel de vodca
A divisa da Índia com Bangladesh é delimitada por muros e cercas – que não impedem que as vacas, animais sagrados na Índia e, portanto, de pouco valor econômico, sejam transportadas para o país vizinho, onde são aproveitadas para produzir leite e abatidas pela carne. A Lituânia está começando a construir uma barreira de 130 quilômetros na divisa com os russos em Kaliningrado. Por sua vez, a Rússia também investiu na construção de uma cerca de 60 quilômetros separando a Ucrânia da província recém-anexada da Crimeia. Inaugurada no final de 2018, a barreira é monitorada com centenas de sensores e câmeras de segurança. Fica no Istmo de Perekop, uma região conhecida pelo tráfico ilegal de armas, drogas, cigarros e bebidas.
Já a China dá atenção especial aos 1.420 quilômetros que a dividem da Coreia do Norte, porque a área é muito utilizada para o contrabando de alimentos, roupas e aparelhos eletrônicos vindos de terras chinesas no rumo do país mais fechado do planeta. Mas tem grande dificuldade para conter o tráfico de ouro, que chega pela fronteira do Nepal.
“A evasão de tarifas na China é um sério problema, que as autoridades têm tentado atacar ao longo dos anos. A combinação de burocracia confusa e agentes corruptos fazem a fronteira ficar porosa”, afirmam Lorenzo Rotunno, professor de economia da Universidade Aix-Marseille, e Pierre-Louis Vézina, professor de economia do King's College London, em artigo no portal Vox.
Entre as nações com mais vastas fronteiras do mundo, o Cazaquistão encontra grandes dificuldades para impedir o contrabando – as denúncias de corrupção entre guardas nas fronteiras se acumulam, sem que o governo apresente punições. Os contrabandistas operam com tranquilidade nas divisas do país. Em 2012, por exemplo, foi encontrado um túnel construído para enviar vodca diretamente para um dos países vizinhos, o Quirguistão.
Muros tradicionais
Em alguns pontos de sua vasta fronteira, os russos não se saem muito melhor: há notícias de que, na fronteira com a Bielorrússia, os contrabandistas de bebidas, armas e frutas chegam a fazer a manutenção do asfalto por conta própria. O problema é antigo. Como aponta o historiador Andrey Shlyakhter, professor do Davis Center for Russian and Eurasian Studies, da Universidade de Harvard, nas décadas de 1920 e 1930 as fronteiras russas eram completamente porosas para o contrabando, em especial as divisas com a Polônia, de onde passavam madeira e roupas de lã.
Por sua vez, os Estados Unidos vêm encontrando um relativo sucesso no combate à entrada ilegal de pessoas e bens na fronteira com o México: as entradas ilegais de imigrantes, que dão uma boa ideia da facilidade para penetrar com contrabando, despencaram de 851 mil em 2006 para 62 mil em 2016. Ainda assim, a divisa sul ainda representa a principal porta de entrada de cocaína, heroína e metanfetamina nos Estados Unidos. A fronteira com o Canadá, que é 2,8 vezes maior do que a divisa com o México, responde por uma entrada muito menor de imigrantes e produtos ilegais.
Boa parte da divisa entre americanos e mexicanos já é protegida por cercas, que o presidente Donald Trump pretende substituir por um vasto muro. De fato, a solução tradicional, de demarcar divisas utilizando barreiras físicas, ainda hoje é muito praticada: existem no mundo dezenas de fronteiras delimitadas por muros e cercas. Em 2014, a Arábia Saudita inaugurou um muro cujo objetivo é manter o país afastado do Iraque. Por sua vez, Israel está construindo um muro de 760 quilômetros para reforçar sua divisão em relação à Cisjordânia.
Muros high-tech
Por motivos militares, Israel tem uma das fronteiras mais bem guardadas do planeta: grades, drones, helicópteros e monitoramento por satélite reforçam as divisas com Egito, Jordânia, Síria e Líbano. O pacote tecnológico israelense, que inclui também sensores de calor e câmeras com reconhecimento facial nos postos de entrada e saída, atraiu o interesse do governo brasileiro, que, desde o final do ano passado, vem se mostrando disposto a adquirir pacotes tecnológicos para identificar e deter os criminosos que praticam contrabando nas fronteiras, em especial na tríplice fronteira com Paraguai e Argentina.
O uso de tecnologia para evitar a entrada de pessoas e bens está em debate na União Europeia desde 2011. “Além do uso de GPS e de satélites, a aplicação de tecnologia nas fronteiras inclui o uso de leitores de passaporte, uso de biometria para verificação da identidade e o uso de controle automatizado de fluxo de pessoas e bens”, explica, em artigo sobre o assunto, a pesquisadora Pinja Lehtonen, da Universidade de Tampere, na Finlândia.
“Como resultado, o controle de fronteiras evoluiu para um processo de alta tecnologia, com integração entre os países membros do bloco, que geram dados em larga escala e os disponibilizam na nuvem”.