Os efeitos negativos do decreto de armas publicado pelo governo de Luiz Inácio da Lula Silva (PT) podem afetar o agronegócio brasileiro. Ao restringir as armas para os caçadores, o controle de javalis pode ficar comprometido, já que os animais são de difícil manejo e há poucos meios de frear sua reprodução. Em somente uma safra, o Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde (MT) estimou que 3% do milho plantado no município foi prejudicado pelos animais. O prejuízo foi de mais de R$ 20 milhões.
Além de reduzir a quantidade de armas e munições permitidas na atividade, o decreto do governo Lula ainda prevê restrições para a utilização de armas de acervos de tiro esportivo, por exemplo, para as atividades de caça. De acordo com especialistas, essa determinação implica na redução de cerca de 80% das armas hoje usadas no controle dos javalis. Na normativa, ao tratar das normas para caçadores, a gestão petista ainda inovou ao criar a “caça excepcional”.
Desde 2013, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) considera o javali uma espécie exótica invasora nociva às espécies silvestres nativas, aos seres humanos, ao meio ambiente, à agricultura, à pecuária e à saúde pública. De acordo com a Instrução Normativa do Ibama, o reconhecimento da nocividade do animal permitiu o controle do javali, por meio da perseguição, do abate, da captura seguida de eliminação direta.
Restrições para caçadores prejudicam controle de espécie exótica invasora
As restrições impostas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à atividade de caçadores podem trazer ainda mais prejuízos ao meio rural. Desde 1º de janeiro, quando houve a revogação dos decretos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela atual gestão, os registros de novos caçadores ficaram suspensos. “Não tivemos nenhum novo caçador registrado nesses primeiros sete meses de 2023”, afirma Rafael Salerno, engenheiro agrônomo e presidente da Associação Brasileira de Caçadores.
Além disso, no decreto de armas, o governo Lula determinou que cada Certificado de Registro de Arma de Fogo (Craf) seja vinculado ao uso da arma de fogo exclusivamente à prática da atividade à qual foi apostilada no Certificado de Registro (CR). “Isso vai, no mínimo, gerar a pressão para compra de mais armas. Agora, não poderemos usar armas do acervo de tiro esportivo para o controle de javalis, por exemplo. Estimo que isso inviabilize o uso de pelo menos 80% das armas que hoje são utilizadas pelos caçadores de javalis”, pontuou Salerno.
Houve ainda a redução no número de armas e munições que cada caçador pode ter e adquirir. De acordo com o decreto de Lula, os caçadores excepcionais poderão ter até 6 armas e adquirir até 500 munições por arma, por ano. Antes, era possível que cada caçador tivesse até 30 armas, sendo 15 armas de uso restrito. Sobre as munições, era possível ter até mil por arma de uso restrito, por ano (15 mil/ano) e até 5 mil munições por arma de uso permitido, por ano (75 mil/ano).
Governo Lula inovou ao criar figura do caçador excepcional
Outro ponto criticado pelos caçadores e por produtores rurais afetados pelos javalis é a criação do conceito de caça excepcional de fauna exógena. O decreto define apenas o caçador excepcional como “pessoa física registrada pelo Comando do Exército por meio do CR, titular de registro de arma de fogo vinculada à atividade de caça excepcional para manejo de fauna exógena invasora”.
“Essa inovação, no que diz respeito à caça excepcional, não existe. A caça de javalis tem que ser uma atividade permanente, pois não há outros meios de garantir o controle desses animais. Não há excepcionalidade nesse aspecto”, pontuou o advogado e produtor rural André Pirajá, que é fundador do Movimento Produtores Rurais pela Liberdade.
A caça do javali é permitida em todo o Brasil desde 2013, seguindo as normas previstas em instrução emitida pelo Ibama. O controle dos animais por meio da caça é justificado pelos registros de ataques de javalis aos seres humanos, aos animais silvestres nativos e aos animais domésticos. Há ainda uma variedade de doenças transmissíveis pelos javalis aos três grupos citados, o que representa um risco eminente para a saúde pública.
De acordo com um relatório divulgado pelo Ibama em 2019, a ocorrência de javalis foi registrada em 1.536 municípios em 22 estados brasileiros, o que torna o javali um problema nacional.
A Gazeta do Povo buscou informações junto ao Ibama sobre a possibilidade de edição de novas normativas relacionadas ao controle de javalis após a edição de decreto de armas do governo Lula, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Parlamentares buscam revogação do decreto
Na Câmara e no Senado, parlamentares apresentaram projetos para sustar o decreto de armas do governo Lula. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), autor de uma das propostas, enfatizou os prejuízos que a agropecuária brasileira pode ter se o javali não for controlado.
“Considerados pragas, os javalis invadem as propriedades rurais, devastam lavouras, atacam os animais e até os seres humanos. Sem controle de reprodução, a população cresce de forma assustadora e o jeito mais rápido de contê-los é, justamente, pela caça. São animais violentos, ágeis e, dependendo da ação, são necessários vários disparos para abatê-los. O decreto é inconstitucional, prejudica a população brasileira e vamos derrubá-lo”, afirmou Heinze.
As propostas ainda serão despachadas para as comissões da Câmara e do Senado. A revogação do decreto depende da aprovação em ambas as Casas.
Presidente do PT sugere que controle de javalis seja feito pelo Estado
Em vídeo divulgado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann, questionou a existência dos registros para caçadores e sugeriu que o controle do animal fosse feito pelo Estado. “Por que esse registro existe? Registro para caçadores? Isso é medieval. Nessa época da humanidade beira ao sadismo. Hoje são permitidas a caça de subsistência (comunidades tradicionais) e a do javali, para controle populacional. Esse controle deveria ser feito pelo Estado e não por caçadores. Essa caça foi completamente corrompida para servir de pretexto para circulação de armas em todo país”, questionou Gleisi.
“O próximo passo deve ser criar a Javabras”, ironizou o engenheiro agrônomo Rafael Salerno, ao comentar a fala da presidente do PT. “Como vai funcionar esse controle do Estado? Vão colocar fiscais do Ibama, que já não dão conta da fiscalização, para caçar javalis? Quem cobrirá os custos com armas e munições desses controladores?”, questionou Salerno.
Hoje, os caçadores dispõem de recursos próprios para promover o controle dos animais e seguem uma série de normas junto ao Ibama e ao Exército para poder fazê-lo de forma legal. São necessárias, por exemplo, autorizações especiais com renovação periódica e relatórios a cada seis meses. "Eu me arrisco a dizer que os caçadores são o maior grupo voluntário de pessoas focadas em remover um problema ambiental no Brasil”, completou Salerno.
No vídeo, Gleisi mencionou ainda que deve aprofundar a discussão e pode construir uma proposta para apresentar na Câmara dos Deputados. “Vamos aprofundar essa discussão com o partido e com a bancada na Câmara dos Deputados para construir uma proposta. Queremos levar esse debate ao ministro da Justiça, Flávio Dino, e à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva”, declarou a parlamentar.
Para o advogado André Pirajá, há a intenção do governo em proibir a atuação de caçadores de javalis no Brasil. “Partindo do tipo de nomenclatura utilizada no decreto e do discurso [dos integrantes do governo]... Se o decreto já trouxe a caça como atividade excepcional, e temos a presidente do partido, que é governo, dizendo que no futuro o Estado deve assumir essa posição, eu acredito que sim. Nós estamos beirando isso já e a proposta final deve ser o controle e manejo do javali pelo Estado. Ou seja, não vai existir controle de javali”, criticou Pirajá.
Javalis causam impactos no meio ambiente, na saúde e na economia
Os javalis causam impactos não só à agropecuária, mas também são um enorme risco para biodiversidade, além de esses animais serem um vetor na transmissão de doenças para os seres humanos. Espécies exóticas invasoras, sejam animais ou até mesmo plantas, são consideradas a segunda maior causa de perda da biodiversidade em escala global e representam um desafio para a conservação dos recursos naturais. Atualmente, o javali é classificado como uma das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo pela União Internacional de Conservação da Natureza.
O Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali, publicado em 2017, pelos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apontou alguns dos prejuízos já causados pelos javalis no Brasil. O documento destaca que na região Sul, javalis causaram danos de 5-30 ha/ano em lavouras de milho.
No estado de São Paulo, os estragos chegaram a 340 ha de milho/ano e estimativas de 2,84 mil toneladas de grãos. Na região de Bragança Paulista-SP, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (FAESP) registrou em 2011 um prejuízo de 13.356 sacas de milho destruídas por javali.
Além disso, um levantamento realizado pelo Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde (MT) estimou que 3% da safra de milho de 2022 foi prejudicada pelos animais. O prejuízo foi de mais de R$ 20 milhões.
Dentre os problemas ambientais causados pelo javali, listados também no Plano Nacional, estão a competição com animais nativos, a predação de sementes e de outros animais, a alteração da comunidade vegetal, a danificação do solo (erosão) e de corpos d’água (como o assoreamento de pequenos rios), além da extinção de algumas espécies de flora.
No que diz respeito aos danos sanitários, o javali é considerado um reservatório e transmissão de muitas doenças, como a leptospirose e a febre aftosa. Atualmente, o javali é um possível vetor também de doenças como a peste suína clássica e a peste suína africana.
Um possível problema sanitário na população de javalis relacionado à febre aftosa ou à peste suína clássica seria catastrófico para a criação comercial de animais no Brasil. Um estudo realizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima que, em uma situação hipotética de que o vírus de uma dessas doenças atinja a população de javalis, os prejuízos partiriam de R$ 3 bilhões, com potencial para atingir R$ 50 bilhões.
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