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Pandemia

Da “histeria” à calamidade: a semana em que o Brasil caiu em si sobre a gravidade do coronavírus

Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ajuda Jair Bolsonaro a passar álcool em gel: presidente resistiu a reconhecer os riscos do coronavírus.
Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ajuda Jair Bolsonaro a passar álcool em gel: presidente resistiu a reconhecer os riscos do coronavírus. (Foto: Carolina Antunes/PR)

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A aprovação, unânime e via internet, dos senadores à instalação do estado de calamidade pública no Brasil por causa da pandemia de coronavírus marcou o último dia útil da semana em que a preocupação com a covid-19 passou, em definitivo, a impactar a vida de milhões de brasileiros.

O quadro se alterou radicalmente do sábado anterior (14) até hoje. Se no fim de semana passado a preocupação dos brasileiros era discutir se o presidente Jair Bolsonaro havia contraído ou não a doença, se seus apoiadores manteriam as manifestações pró-governo marcadas para o domingo (15) ou se parte da população ainda enchia praias e bares, agora o país contabiliza 11 mortes e 904 infectados, de acordo com os números mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde.

Cidades como Brasília adotaram medidas restritivas, a exemplo do fechamento de todos os estabelecimentos comerciais com exceção de farmácias, supermercados e padarias, e até o acesso a praias passou a ser proibido em algumas localidades.

A conduta de Bolsonaro em relação ao tema, que variou bastante ao longo dos dias, exemplifica bem as transformações do panorama. No domingo (15), após ter participado das manifestações — e ser criticado por isso —, o presidente disse: "não podemos entrar numa neurose, como se fosse o fim do mundo".

Um dia depois, foi na mesma linha: "[o coronavírus] não é isso tudo que dizem", e "está havendo uma histeria". Mas de quarta (18) em diante, diante de iniciativas de adversários políticos, passou a anunciar decisões de combate à doença adotadas por ele e seu ministério, como o fechamento de fronteiras, a distribuição de kits para identificação do vírus e o já citado pedido de calamidade pública, que acabaria aprovado pelo Congresso Nacional.

As implicações do avanço da pandemia do coronavírus no território nacional se deram em diferentes áreas. Geraram impactos econômicos, políticos e também fizeram com que alguns assuntos desaparecessem do radar. Em linhas gerais, foi praticamente impossível que algum setor da sociedade tenha passado ileso ao longo da semana em que o Brasil passou a levar a covid-19 a sério, de modo irreversível.

Número de mortes e casos de coronavírus foi se acumulando

Os indicativos de que o coronavírus seria mais do que uma "histeria" no território nacional começaram a se consolidar na virada do último fim de semana, quando secretarias estaduais de Saúde anunciaram que estudavam a criação de alas especiais para o tratamento da covid-19.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, contribuiu para a elevação das preocupações quando afirmou que a velocidade da propagação do vírus no Brasil era superior à registrada na China, segundo cálculos feitos pelo Banco Central. A informação foi dada por ele em entrevista à Folha de S. Paulo, publicada na segunda-feira (16).

No dia seguinte, o Brasil constatou a primeira morte em decorrência da doença. A vítima foi um homem de 62 anos, morador de São Paulo. Àquela altura, eram 291 os casos de coronavírus confirmados no território nacional. E outras quatro mortes tinham a covid-19 também como possibilidade.

O mesmo dia 17 foi quando o governo federal comunicou ao Congresso que apresentaria um pedido de decretação de calamidade pública. Em linhas gerais, a medida permite ao Executivo gastar recursos sem se ater a critérios estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal. A proposta, desde seu anúncio inicial, já contava com o apoio dos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A notícia mais séria a respeito da propagação do vírus, porém, chegaria apenas na noite desta sexta-feira (20): a confirmação de que o Brasil está no estágio de transmissão comunitária da doença. Nesta etapa, é impossível fazer um rastreamento da trajetória do vírus e não há mais conexão obrigatória entre a vítima e uma pessoa que esteve no exterior. A divulgação do fato foi feita pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Mandetta, a cara do governo na crise (para o bem e para o mal)

O ministro alcançou protagonismo no combate ao coronavírus. Recebeu, desde o início da crise, elogios até mesmo de opositores do governo. A análise era a de que ele representava um olhar "técnico" para o problema, que se oporia à visão "ideológica" de Bolsonaro e seus aliados mais próximos.

Mandetta cedeu inúmeras entrevistas coletivas ao longo dos dias e foi se consolidando como a cara do governo no caso. Chegou até a fazer uma crítica velada ao chefe, quando disse que a orientação para evitar aglomerações valeria para "todo mundo".

Sua condição acabou motivando especulações. Reportagens de diferentes veículos de imprensa apontaram que a postura de Mandetta estaria contrariando Bolsonaro. O presidente questionava a falta de um posicionamento "ideológico" do ministro e, principalmente, não havia aceitado a aparição de seu auxiliar ao lado do governador paulista João Doria (PSDB), apontado como adversário de Bolsonaro em 2022.

Mandetta até deixou em segundo plano uma convocação feita por Bolsonaro. Na noite de segunda (16), o ministro se reuniu com os presidentes da Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, na sede do Judiciário, para debater o coronavírus. Enquanto estava lá, foi chamado por Bolsonaro para ir ao Palácio do Planalto — e disse que só iria depois de concluir sua reunião com os comandantes dos outros poderes.

O ministro acabou mudando de conduta nos últimos dias e, a partir da quarta-feira, adotou um tom mais alinhado com Bolsonaro. Fez elogios ao chefe do Executivo em entrevista coletiva, diante de outros ministros.

Restrições ao direito de ir e vir

No começo da semana, governos estaduais e municipais começaram a adotar medidas de fechamento de espaços e de restrição de circulação de pessoas. O governo de São Paulo anunciou a suspensão das aulas, decisão que afetou 4,5 milhões de estudantes, e acabou depois seguida por gestores de outros estados.

Decisão mais drástica foi anunciada pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), na quinta-feira (19): o fechamento das divisas fluminenses para meios de transporte originários de estados com circulação confirmada do coronavírus, como São Paulo, Paraná, Minas Gerais e outros.

O fechamento de aeroportos passou a ser requisitado por diferentes gestores. A situação levou o governo federal a divulgar, na sexta, que iria definir uma regulamentação nacional sobre o assunto, para evitar uma "guerra" entre os estados.

Economia desidratou por culpa do coronavírus

O Ministério da Economia divulgou na sexta-feira que a previsão do crescimento do PIB em 2020 passou a ser de 0,02%. A evolução praticamente nula foi uma revisão de um diagnóstico inicial, que era de 2,1%, firmado no início de março.

A constatação de que a economia nacional vai, no mínimo, permanecer como está fechou uma semana de más notícias. O dólar superou pela primeira vez a cotação de R$ 5 e, na quarta-feira (18), bateu os R$ 5,20. Na mesma data, a Bolsa de Valores recuou 10,34%.

O quadro de crise levou o governo a divulgar, no dia seguinte, a edição de uma medida provisória para socorrer companhias aéreas. O texto amplia o prazo para o reembolso de passagens e também o tempo de concessão de aeroportos.

Agenda social ganha respiro

Em resposta à crise, o governo também divulgou ações no campo social. Um pacote, anunciado igualmente pelo Ministério da Economia, previu a injeção de R$ 147 bilhões para superar efeitos do vírus. Entre outras ações, a medida contempla novas regras para saques no FGTS e antecipação do abono salarial.

A semana também viu bancos anunciarem medidas de redução de taxas de juros. E na sexta, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, assinou uma portaria com medidas emergenciais para o Bolsa Família, que contempla a suspensão de bloqueios no acesso ao programa.

A comitiva infectada pelo coronavírus

Uma sinalização gradativa do avanço do coronavírus foi o registro de casos de vítimas da doença que acompanharam Jair Bolsonaro na visita oficial aos EUA, no início do mês.

Ainda na sexta (13), o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) anunciou ter covid-19. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, testou positivo na quarta (18). Um dia depois, foi a vez de Ricardo Segovia Barbosa, presidente da Apex.

A confirmação mais recente veio na sexta (20), com o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins. São, no total, 22 pessoas infectadas com a covid-19 entre as que acompanharam a viagem oficial de Bolsonaro.

Aliados se tornam críticos, e "ex-parceiros" sobem tom

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que se apresenta como defensor do governo federal, foi vaiado por apoiadores do presidente ao criticar as manifestações de rua no dia 15. As contestações não fizeram com que Caiado rompesse com Bolsonaro. Mas outros que marcharam ao lado do presidente tomaram caminhos distintos ao longo da semana.

A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) foi o exemplo mais ruidoso. Ela, que chegou a ser considerada para a vice-presidência na eleição de 2018, pediu a saída de Bolsonaro do Palácio do Planalto, por conta da atitude dele diante do coronavírus. O ex-deputado Xico Graziano, que tem defendido Bolsonaro nas redes sociais, chamou de "desanimador" o discurso do presidente ao chamar a doença de "gripezinha".

Os governadores Doria e Witzel, que se aliaram a Bolsonaro nas eleições de 2018, já estavam em rota de colisão com o presidente, e viram as desavenças se acentuarem durante a crise da semana.

Congresso nega fechamento, mas aproxima-se da paralisação

A conduta do Congresso Nacional foi outro exemplo de como a evolução do coronavírus foi despertando mais preocupações. Até o dia 13, deputados e senadores acreditavam que medidas de restrição de circulação na sede do Legislativo seriam suficientes. Os acontecimentos da semana, porém, mudaram a postura e levaram as duas casas a implantarem métodos de votações virtuais.

Maia já falara sobre a possibilidade de definir acordos entre os parlamentares por Whatsapp e sua assessoria determinou que, a partir do dia 16, ele só falaria à imprensa em entrevistas no púlpito da casa — e não mais quando abordado espontaneamente pelos repórteres.

O presidente da Câmara negou qualquer hipótese de suspensão do Congresso; disse que a Casa só havia fechado suas atividades durante a ditadura e que isso jamais se repetiria. Poucos dias depois de sua fala, porém, Davi Alcolumbre foi identificado com coronavírus. A Câmara comunicou à imprensa que os trabalhos presenciais na Casa ocorrerão em apenas um dia na próxima semana, a quarta-feira (25). Não há previsão para a agenda futura.

A voz das janelas

A evolução da crise de saúde pública se refletiu em um possível aumento da impopularidade de Bolsonaro. A semana viu uma série de "panelaços" contra o presidente, que se registraram em bairros nobres e populares de diferentes cidades do país. Apoiadores do chefe do Executivo tentaram também organizar um "panelaço a favor", que teve menos êxito.

Em termos concretos, o coronavírus motivou ainda a apresentação de pedidos de impeachment do presidente. Um deles, elaborado pelo deputado distrital Leandro Grass (Rede-DF), cita a presença de Bolsonaro nos atos do dia 15 como motivação para o afastamento. Consequência da pandemia.

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