
A rápida disseminação do novo coronavírus e a necessidade de isolar países inteiros para conter o avanço da doença parecem ter convencido alguns líderes mundiais de que a Covid-19 não é apenas uma "gripezinha".
No Brasil, porém, o presidente Jair Bolsonaro ainda resiste em impor medidas mais drásticas. Na terça-feira (24), em pronunciamento, ele defendeu medidas que vão na contramão do que tem sido feito em todo o mundo. Bolsonaro pediu, por exemplo, que o isolamento social seja relativizado, para que não haja paralisia da economia. Segundo ele, as restrições mais severas são fruto de "pânico e histeria".
O fato é que parte significativa dos economistas, incluindo analistas do mercado financeiro, considera que o governo federal tem demorado a implementar ações mais enérgicas de combate à crise advinda da pandemia. E mais: alguns avaliam que o cenário é semelhante ao de uma guerra, e que requer um plano de ajuda econômica com amplo dispêndio de recursos estatais.
"É como pensar em termos de um mal menor. Não é desejável que o governo aumente gastos à toa, mas nesse momento é preciso maior intervenção estatal para manter a economia girando. A conta pode sair bem mais cara se o governo não agir", aponta Bruno Lavieri, economista da 4E Consultores.
Economia de guerra não implica descontrole fiscal
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – clube de países ricos do qual o Brasil quer participar – também aponta a necessidade de ajuda governamental, com a postergação do pagamento de impostos e pacotes de apoio aos setores mais afetados.
Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira tem posição ainda mais enfática. No texto, ele defende que o governo "deve garantir a solvência das empresas e do emprego. Não importa quanto custe do ponto de vista fiscal".
O princípio desse tipo de recomendação é o seguinte: se, no período de disseminação do vírus, o governo ajudar trabalhadores informais e pequenas e médias empresas a se manterem, a depressão econômica pós-coronavírus tende a durar menos, e o desemprego pode não se aprofundar tão significativamente.
Adriano Biava, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), afirma que é possível que o governo "abra a torneira" dos gastos para ajudar trabalhadores e empresas agora, sem descuidar do equilíbrio fiscal.
"Não é gastar irresponsavelmente. É gastar bastante e bem. A prioridade tem que ser manter a renda da maioria da população – e o papel do Estado torna-se agudo neste momento. Não há outra alternativa", diz.
Um dos caminhos apontados pelo professor é de que o governo postergue alguns compromissos, em especial com a dívida pública, para dar conta dos gastos excepcionais. "Não é um calote, é um adiamento. Se não for suficiente, o estado pode instituir tributos temporários, que incidam sobre os contribuintes de mais alta renda", defende Biava.
Na Europa, empresas já ajudam a produzir insumos para assistência a doentes
Além do suporte financeiro, governos de outros países já começaram a aplicar estratégias que não eram vistas desde a Segunda Guerra Mundial para combater o coronavírus. No Reino Unido, o Executivo pediu que empresas de vários setores comecem a produzir respiradores para atender os doentes. Montadoras como a Jaguar Land Rover e a Rolls-Royce já aderiram ao plano.
Na França, o grupo açucareiro Tereos e o de bebidas alcoólicas Pernod Ricard anunciaram, na semana passada, que começariam a produzir álcool gel para ajudar no controle da pandemia. O grupo LMVH, dono de marcas como Dior, Guerlain e Givenchy, decidiu trocar a produção de perfumes e cosméticos pela de álcool em gel. Tudo será doado para as autoridades de saúde francesas.
No Brasil, algumas iniciativas do tipo também começam a aparecer. A Ambev está produzindo álcool gel para distribuir 500 mil garrafas aos hospitais públicos municipais das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Em Curitiba, o grupo Boticário doará o produto para a prefeitura.
O governo federal, por enquanto, não adotou medidas típicas de "economia de guerra", como a determinação para que determinadas fábricas convertam sua produção para equipamentos de saúde, por exemplo. Mas o Legislativo já analisa propostas como a proibição da exportação de produtos médicos e hospitalares essenciais para o combate ao coronavírus.
Na semana passada, a Câmara aprovou o projeto de lei 668/2020, que proíbe, durante o estado de calamidade pública, a venda para outros países de itens como equipamentos de proteção individual de uso na área de saúde (luvas, aventais, óculos de proteção, máscaras e outros), além de camas hospitalares, monitores multiparâmetros e ventiladores pulmonares mecânicos. A proposta agora tramita no Senado.
Maia já fala em "orçamento de guerra"
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem falado da necessidade de o país ter um "orçamento de guerra". Com isso, o Executivo teria mais liberdade para fazer os gastos emergenciais, sem demorar para dar respostas à crise do coronavírus.
De acordo com Maia, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que permitiria a criação desse novo orçamento já está sendo costurada por lideranças no Parlamento. Pelo texto, o estado ficaria dispensado de algumas amarras legais que persistem mesmo com a declaração do estado de calamidade pública.
Na terça-feira (24), o deputado afirmou que a PEC está "quase pronta". Disse, ainda, que, quando a crise passar, os parlamentares voltarão a se ocupar da "reforma do Estado brasileiro".
Medidas econômicas do governo têm sido consideradas insuficientes
Até agora, as principais medidas anunciadas pelo governo envolvem uma espécie de socorro a estados e municípios, com a destinação de R$ 88,2 bilhões; a liberação de saques do FGTS; a concessão de um auxílio de R$ 200 para trabalhadores informais; e a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas. O Executivo também prepara um texto para permitir que os empregadores reduzam a jornada dos trabalhadores em até 50%, com proporcional corte de salário.
No domingo (23), a equipe econômica chegou a publicar uma medida provisória com mais ações envolvendo o mercado de trabalho. Um dos trechos do texto – que permitia a suspensão de contratos de trabalho sem o pagamento de salários –, porém, acabou levando o próprio presidente a voltar atrás.
O Banco Central também anunciou algumas medidas de combate à crise, incluindo o corte na taxa básica de juros (Selic), voltadas especialmente para o estímulo ao crédito. A avaliação, entretanto, é de que não adianta disponibilizar dinheiro quando as pessoas não estão dispostas a gastar.
"O governo não tem respondido adequadamente ao tamanho da crise. Pior: tem minimizado ou ironizado a situação, tomando medidas paliativas e diversionistas", avalia o professor da USP.
A demora para ações mais robustas é, inclusive, fator apontado por analistas como uma das fontes de ansiedade do mercado financeiro – o que agrava ainda mais a situação. "Essas idas e vindas passam uma ideia de que o governo não sabe o que está fazendo, o que dá ainda mais insegurança para o mercado", avalia Bruno Lavieri.
Governo e STF resgatam ranço antiamericano para reagir a embate entre EUA e Moraes
“Ainda Estou Aqui” e Bolsonaro motivam STF a rever Lei da Anistia
Os “Soldados de Jesus” e o primeiro traficante brasileiro que pode ser enquadrado como terrorista
Frases da Semana: “Não esquecemos, Alexandre… não esquecemos de forma alguma”
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF