A experiência da Itália com o coronavírus pode ajudar o poder público a refletir sobre as medidas a serem tomadas no Brasil. Atualmente, toda a população do país europeu está em quarentena, e seu sistema de saúde tem sofrido para atender os doentes infectados pelo vírus.
Especialistas em epidemiologia e infectologia ouvidos pela Gazeta do Povo veem com ressalvas a ideia da quarentena de toda a população, mas não descartam a necessidade de certas restrições à aglomeração e à circulação de pessoas. Além disso, pedem à população para cooperar com o sistema de saúde, que pode ficar sobrecarregado por casos mais moderados da doença e não dispor de espaço para casos graves.
Na Itália, autoridades já afirmaram publicamente que alguns hospitais estão à beira do colapso. Ao The New York times, Massimo Puoti, chefe da unidade de doenças infecciosas no Hospital Niguarda, em Milão, disse que a atual situação “é uma guerra”. Há o temor, segundo o jornal, de que médicos precisem começar a decidir sobre quem deve morrer ou viver.
“O exemplo da Itália mostrou que, ao contrário do que estava sendo divulgado no Ocidente, essa não é uma infecção para se levar pouco a sério. A quantidade de pessoas acometidas foi grande, e a mortalidade foi grande”, Maria Beatriz Dias, infectologista do Hospital Sírio Libanês.
Para evitar colapso, paciente com sintomas leves não deve procurar hospital
Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas, recomenda que quem tem sintomas leves semelhantes aos do coronavírus fique em casa e cumpra as recomendações do Ministério da Saúde sem procurar os serviços de saúde, para que eles possam “atender de fato quem vai precisar”.
Parte do problema da Itália e da China, segundo o médico, tem a ver com o excesso de demandas pouco relevantes, de pessoas fora das situações de risco. “Você fica perdendo tempo com quem não precisa. Não tem médico para todo o mundo”, diz.
Suleiman acrescenta que pessoas com procedimentos não urgentes agendados para os próximos dias devem desmarcar esses compromissos. “‘Ah, eu tenho uma cirurgia estética marcada para a próxima semana.’ Desmarca! Não há urgência. Se a gente for egoísta, os serviços não vão suportar.”
População idosa agrava situação do coronavírus na Itália
Os especialistas recordam que a Itália tem uma proporção de idosos muito maior que a do Brasil, o que acabou motivando medidas mais drásticas. Em 2018, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as pessoas com mais de 65 anos no Brasil eram 9,2% da população. Em 2017, essa era a faixa etária de 22% dos italianos, segundo o Istat (Instituto Nacional de Estatística).
“A Itália tem um contingente de idosos muito alto. O impacto grande dessa epidemia é fundamentalmente nos indivíduos de acima de 60 anos. O desenho dela, num cenário desse, é muito grave”, diz Suleiman.
José Cássio de Moraes, epidemiologista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), diz que o mais importante no atual momento é minimizar os riscos relacionados aos grupos mais suscetíveis, que são os de idosos e pessoas com enfermidades graves. Para ele, deve haver um equilíbrio entre alerta e pânico. O alarmismo exagerado pode acabar sobrecarregando o sistema de saúde, o que pode inviabilizar o atendimento dos grupos mais suscetíveis.
Maria Beatriz Dias considera que o poder público precisa montar “uma estratégia de enfrentamento, de abastecimento de leitos e de pessoal”, para que o Brasil esteja previamente preparado “caso a infecção se dissemine no nosso país da mesma forma como se disseminou lá” (na Itália).
Segundo ela, por enquanto, “o governo está sendo extremamente ágil” e “o Ministério da Saúde está agindo com muita transparência”.
Quarentena geral tem efeito limitado na contenção do coronavírus
Moraes afirma que o efeito de uma quarentena imposta a toda a população, como no caso da Itália, seria diferente no Brasil, e que a efetividade da quarentena, para doenças desse porte, é pequena. “Não tem nenhuma medida mágica que evite a circulação de uma doença de transmissão respiratória.”
O mais importante, segundo ele, é “conscientizar o doente para que fique em casa, em quarentena individual”, usando máscara quando necessário e lavando as mãos com frequência. “Com isso, você consegue minimizar a transmissão”, diz.
Para Suleiman, embora seja necessário iniciar certas restrições, como já está sendo feito, o problema do Brasil ainda não exige as mesmas medidas que a Itália promoveu. Ele afirma que a semana que começa neste domingo (15) vai ser decisiva para a tomada de medidas em relação ao coronavírus, inclusive para discutir a possibilidade de uma quarentena. “A quarentena é um procedimento que exige uma intensa articulação de vários fatores. Não é simplesmente falar ‘hoje fecha’. Não funciona”, afirma.
Fatores como a chegada de alimentos à população, por exemplo, precisam ser levados em conta. “Imagina fazer isso numa cidade como São Paulo, que supre de alimentos quase 30% da população do centro-sul do país. Não é uma coisa muito simples”, diz Suleiman.
Para Moraes, alguns fatores culturais podem dificultar o cumprimento de uma eventual quarentena geral. “As pessoas não vão ficar em casa, provavelmente. Vão circular, vão fazer outras atividades. A gente tem, hoje, uma economia informal muito grande, e essas pessoas não vão respeitar a restrição, porque, se não forem vender seus produtos, não têm uma renda”, afirma ele.
Em algumas cidades da Itália, a polícia tem atuado para diminuir a circulação de pessoas nas ruas e entre cidades. Maria Beatriz questiona a possibilidade de algo similar no Brasil. “Eu não sei se isso seria factível aqui no nosso meio”, diz a médica. “Ao contrário dos asiáticos, nós somos um país em que as pessoas não costumam obedecer muito às recomendações. Tira da escola e vai todo o mundo ao cinema, ao shopping… Esse risco existe.”
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