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A Justiça Federal do Distrito Federal determinou na última sexta-feira (20) que o Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, divulgue a lista completa de pacientes infectados pelo coronavírus que realizaram testes na unidade – inclusive dos membros da comitiva do governo federal que acompanhou o presidente Jair Bolsonaro na viagem aos EUA, onde vários deles se infectaram.
A decisão levantou uma discussão constitucional, que pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF): como fica o direito à privacidade dos pacientes tratados no hospital nesse caso?
A decisão da Justiça determina que o HFA forneça à Secretaria de Saúde do Distrito Federal o nome de todos os pacientes que testaram positivo para o novo coronavírus. O pedido para liberação do nome dos pacientes infectados partiu de um pedido Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF).
A juíza Raquel Soares Chiarelli, da 4.ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, fixou uma multa de R$ 50 mil por paciente cuja informação seja sonegada pelo HFA. A juíza argumenta que "já é notório que a devida identificação dos casos com sorologia positiva para a Covid-19 é fundamental para a definição de políticas públicas para o enfrentamento urgente e inadiável da pandemia, a fim de garantir a preservação do sistema de saúde e o atendimento da população".
“De modo que não se justifica, sob nenhuma perspectiva, a negativa da União em fornecer essas informações ao Distrito Federal, que tem competência constitucional para coordenar e executar as ações e serviços de vigilância epidemiológica em seu território”, completa a magistrada.
Direito à privacidade deve ser flexibilizado nem meio à crise do coronavírus
Para a advogada Melissa Kanda, especialista em Direito Médico e à Saúde, o direito à privacidade dos pacientes infectados pelo novo coronavírus deve ser flexibilizado em meio à pandemia.
“A gente tem que entender que está em um momento de problema de saúde pública, então a gente tem que pensar que o coletivo nesse momento prevalece sobre o direito individual”, diz. “A Justiça está pedindo que o hospital libere os dados para o governo; não está pedindo que esses dados venham a público”, completa a advogada.
Kanda ressalta, ainda, que o coronavírus, por analogia, deve ser interpretado como uma das doenças de doenças de notificação compulsória determinadas em uma portaria do Ministério da Saúde.
“Existe uma portaria do Ministério da Saúde que elenca uma série de doenças que são de notificação compulsória. O que significa isso? Que cada vez que um serviço de saúde diagnosticar uma pessoa com essa doença, obrigatoriamente precisa informar as autoridades sanitárias, porque é para fins de controle epidemiológico e geralmente são doenças infectocontagiosas. O coronavírus não entrou oficialmente nessa lista, mas tem vários estados publicando portarias e determinando a notificação compulsória”, explica a advogada.
Ela ressalta que o Código Penal prevê, inclusive, a responsabilização de médicos que deixem de notificar casos de doenças de notificação compulsória.
“É o momento de a gente pensar no direito público prevalecendo sobre os direitos individuais. Tanto é que a gente está com restrição de locomoção, restrição de viagem. Então, estamos falando de restringir um direito fundamental. Mas é o direito público se sobrepondo ao direito individual neste momento”, defende a especialista.
Hospital realizou testes da comitiva presidencial que foi aos EUA
O HFA foi responsável por fazer os testes nos integrantes da comitiva presidencial que viajou com o presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos no início do mês.
Pelo menos 22 pessoas da comitiva foram diagnosticadas com a doença. O presidente também fez o teste, mas o resultado foi negativo. A primeira-dama, Michele Bolsonaro, também fez testes no hospital.