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Os presidentes Xi Jinping, da China, e Jair Bolsonaro, do Brasil: diferenças ideológicas entre direita e esquerda são colocadas de lado em momentos de crise como a do coronavírus.
Os presidentes Xi Jinping, da China, e Jair Bolsonaro, do Brasil: diferenças ideológicas entre direita e esquerda são colocadas de lado em momentos de crise como a do coronavírus.| Foto: Alan Santos/PR

O coronavírus nasceu na China, um país comunista, e vive seu epicentro no mundo ocidental na Itália, que tem economia capitalista e onde um dos líderes políticos mais populares é Matteo Salvini, de extrema-direita. O avanço da covid-19 mostra que a doença não se limita por fronteiras e nem ideologias. Mas e quanto ao seu combate? Há um modo "de direita" e um "de esquerda" na forma como se lida com a pandemia?

"Em tempos de exceção, essas linhas divisórias perdem um pouco o seu poder", avalia o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria. Ele cita entre as bases de seu argumento a conduta de líderes de países como Alemanha, Itália, Estados Unidos e Reino Unido, que são ligados à centro-direita e têm adotado no momento atual políticas expansionistas de proteção social, geralmente mais vinculadas à esquerda.

Ex-prefeito do Rio de Janeiro por três mandatos e atualmente vereador na capital fluminense, César Maia (DEM) tem opinião semelhante. Ele diz não identificar posicionamentos "de esquerda" ou "de direita" nos líderes mundiais diante da crise e afirma ser possível em ocorrências como a atual "só uma postura: a de responsabilidade". César Maia é pai do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A situação do Brasil demonstra um exemplo da fragilidade das linhas ideológicas diante de um momento de crise. O presidente Jair Bolsonaro, o primeiro desde a redemocratização do país que é assumidamente de direita, tem entrado em rota de colisão com governadores por cauda do modo de lidar com a pandemia. Mas seus principais adversários nesse momento não são representantes da esquerda, e sim igualmente identificados com a direita: João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ).

O papel do Estado em governos de direita e de esquerda

O ex-ministro Aldo Rebelo acredita que circunstâncias como a atual indicam a relevância do poder público. "Quando surge um problema para todo mundo é o Estado que tem a responsabilidade para conduzir e liderar", diz ele, que atualmente está filiado ao Solidariedade, mas por décadas foi um dos principais integrantes do PCdoB, partido pelo qual chegou à Presidência da Câmara dos Deputados.

Ele cita como exemplo o ocorrido na Itália: "é o Exército que está coordenando ações, patrulhando ruas. E laboratórios e outras instituições de saúde pública do Estado estão presentes". Aldo declara não ver "problema ideológico" na gestão da crise do coronavírus, mas aponta que a situação contraria princípios de Estado mínimo defendidos por políticos liberais e de direita. "Contraria, mas eles não têm outro meio. Têm que lançar mão dos recursos do Estado. É o que temos visto nos Estados Unidos e na França, que tem um governo liberal, mas que fala até em nacionalizar temporariamente algumas empresas. O Estado pode tomar providências", acrescenta.

Diferenças só voltam após a solução da crise

A economista Elena Landau, que se identifica como liberal e faz parte do grupo político Livres, concorda que circunstâncias especiais acabam por derrubar muros ideológicos. "Tempos extraordinários pedem ações extraordinárias", afirma.

Segundo ela, conceitos como teto de gastos e metas fiscais, tratadas como prioritárias pelos liberais, vão para o segundo plano em contextos de crise aguda. "Por enquanto não tem que se falar em meta, não tem que mexer com teto", diz.

Landau aponta que o liberalismo defende mecanismos de apoio assistencial à população menos favorecida, mesmo fora dos momentos de crise. "Uma pessoa que passa necessidade não tem tempo para lutar pela liberdade", ressalva. Na opinião dela, entretanto, as diferenças entre a visão liberal e as correntes mais próximas da esquerda retornam nos períodos em que a crise está encerrada.

"Depois de passada a crise, não se pode permitir que os afrouxamento dos gastos fiquem permanentes. Não se vê um liberal de verdade sendo contra afrouxar metas de déficit em um momento delicado, em que as contas já estão perdidas; mas isso é completamente diferente de se dar uma guinada extraordinária, de mudar as regras econômicas para sempre", ressaltou.

Consequências políticas incertas

A falta de uma diferença abrupta entre direita e esquerda na gestão de uma crise de grande impacto, como a pandemia atual de coronavírus, também se manifesta na dificuldade de se identificar uma consequência clara, em termos políticos e de gestão pública, do que se poderá extrair do episódio, na avaliação do cientista político Rafael Cortez.

"As políticas públicas não têm receituário, não são universais. Então não dá para se extrair lições tão claras, porque políticas em crise e políticas na normalidade demandam ações diferentes. As políticas excepcionais não são de sustentação no médio e longo prazo", aponta.

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