O ministro corregedor Luis Felipe Salomão, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), decidiu afastar das funções o juiz de Minas Gerais que permitiu a permanência de manifestações em frente ao Comando da 4ª Região Militar. A liminar foi cassada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, um dia depois, a pedido da Procuradoria-Geral do município.
De acordo com a decisão emitida no final da tarde desta segunda (9), Wauner Batista Machado, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, teria se utilizado do cargo para a “prática de atos que favorecem os ataques ao Estado Democrático de Direito” ao permitir que um cidadão retornasse à avenida Raja Gabaglia, que tinha acabado de ser desocupada pela polícia.
Salomão afirma que o juiz descumpriu o preceito constitucional de respeito ao entendimento dos tribunais superiores, e que estaria praticando atividade político-partidária ao interpretar a Constituição contra uma decisão do STF.
"A solução que assegura a devida proteção ao Estado Democrático de Direito, de forma excepcionalíssima, considerando a atuação reiterada do juiz, passa pela necessidade do afastamento cautelar do exercício de suas funções, exsurgindo, no caso em exame, fundadas razões a indicar que sua atuação jurisdicional, em tese e em suma, é violadora das normas constitucionais e regulamentares que regem a magistratura brasileira, como exaustivamente fundamentado", disse.
A decisão cita, ainda, a necessidade de afastamento com urgência para "prevenir novos ilícitos administrativos travestidos de decisões judiciais. Existe decisão do Supremo Tribunal Federal para desmobilização dos agrupamentos que vêm atentando contra o regime democrático, culminando nos atos ilícitos ocorridos na data de ontem [domingo, 8], sendo necessário o retorno da ordem pública imediatamente", completou.
Além do afastamento, Salomão deu um prazo de 15 dias para Wauner Batista Machado se pronunciar sobre a decisão, e ordenou a suspensão de seus perfis nas redes sociais do Twitter e da Meta Inc, com multa de R$ 20 mil por dia de descumprimento – “para evitar o prosseguimento das possíveis atividades políticas do magistrado”.
Decisão do corregedor pode ser enquadrada na Lei de Abuso de Autoridade
O professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Constitucional e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (SP), Antônio Jorge Pereira Júnior, explicou que as anomalias jurídicas da decisão podem levar o ato do corregedor a ser qualificado como crime, segundo a Lei de Abuso de Autoridade.
De acordo com ele, a decisão do corregedor é baseada em notícias veiculadas em meio de comunicação. “Com base nisso poderia no máximo instaurar procedimento, mas jamais aplicar medidas como as determinadas, gravíssimas, a ponto de suspender redes sociais de um magistrado e afastá-lo de suas funções”.
A Constituição Federal também não estabelece limites à atividade jurisdicional do magistrado, apontou o especialista. “Quem o faz são leis infraconstitucionais”. E são essas normas que garantem a todos os cidadãos, incluindo os magistrados, os direitos fundamentais.
O art. 1º da Lei de Abuso de Autoridade estabelece que a divergência na interpretação de lei ou avaliação de fatos não configura como abuso de autoridade. Ou seja, a opinião diferente do juiz sobre as manifestações contra Lula (PT) é um ato legal e não político-partidária.
“Não é possível inferir, como afirma a decisão, que o Magistrado teria realizado atos de natureza político-partidária porque sua fundamentação está alicerçada em normas constitucionais”, ressaltou o especialista. Desse modo, o advogado argumenta que o corregedor pode ter incorrido os crimes previstos nos artigos 27 e 30 da Lei de Abuso de Autoridade – requisitar instauração em desfavor de alguém sem indícios de crime e dar início à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada.
“O afastamento de um Magistrado de sua função é muito grave e só pode ser resultado de um procedimento cuidadoso em situação de ilícitos administrativos graves”, destacou. “Jamais pode ser dar por vingança ou imposição de poder de um magistrado em cargo superior que não admite quem, licitamente, avalie a constituição de modo diverso”, complementou.
O especialista frisou que a falha na fundamentação pode levar a revisão da decisão em instâncias superiores, como o STF. “Para esses casos resta como último recurso apelar para a Corte Interamericana de Justiça, que existe porque mesmo as Cortes Constitucionais podem falhar”, afirmou.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais informou que recebeu a Carta de Ordem, nesta segunda-feira (9), e imediatamente afastou o magistrado da função. O juiz Wauner Batista Machado não foi encontrado para comentar sobre o caso pela reportagem.
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