Um dos maiores especialistas do mundo na agenda anticorrupção, o professor de Direito da Universidade de Harvard Matthew Stephenson afirmou nesta sexta-feira (6), durante palestra para procuradores em Curitiba, que, num país em que a maioria das instituições esteja contaminada pela corrupção, a prioridade número um deve ser limpar o sistema de Justiça, retirando da função juízes, promotores e investigadores que promovam a impunidade.
“Se em um país onde você tem uma corrupção sistêmica, onde muitas ou todas as instituições são corruptas, e você então não pode fazer tudo de uma vez, por onde você deveria começar? Qual a mais importante instituição a limpar primeiro? Eu não sei, pode variar de país para país. Mas minha resposta padrão a essa questão é: as instituições de Justiça. Cortes, procuradores e investigadores”, disse Stephenson, durante uma roda de conversa na Associação Paranaense do Ministério Público (APMP).
“Porque se eles [juízes, promotores e investigadores] forem capturados ou corrompidos, fica muito difícil solucionar problemas de corrupção em qualquer outro lugar. Porque lutar contra a corrupção geralmente requer, como parte da estratégia, manter agentes corruptos legalmente responsabilizados por suas más condutas. Mas se os tribunais, procuradores e investigadores, que considero coletivamente como instituições de justiça, são capturados, corrompidos ou politicamente enviesados, então fica muito, muito difícil”, afirmou.
Para ele, quando existem tribunais superiores “hostis” à agenda anticorrupção, no qual magistrados se deixam capturar ou enviesar politicamente ou mesmo se corrompem, existe um problema político, contra o qual a expertise técnica dos procuradores pouco pode fazer.
“Se sua Suprema Corte é politicamente capturada ou enviesada, ou corrompida, fica muito difícil. Então, você precisa pressionar por mudanças de pessoas na Corte, reformas fundamentalmente estruturais na Corte em si. E talvez você tenha de ter a esperança de que mesmo uma Suprema Corte politicamente enviesada politicamente não seja tão corrupta, ou tão covarde, de modo que você precisasse tirar todos seus integrantes”, disse.
Stephenson não se referiu diretamente às ações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve as condenações anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), inicialmente por considerar que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para o caso. Mas disse que, “às vezes, a questão da competência pode ser apenas um pretexto, pois é uma questão que talvez não seja tão complicada”.
“Podem ser as cortes hostis [à agenda anticorrupção] que estão criando novas regras de competência para matar as ações. Se esse é o real problema, ele é político e não técnico, então não haverá uma solução técnica, você não vai poder ajustar as regras processuais para fazer o problema ir embora, porque os tribunais vão poder usar essa mesma desculpa ou arrumar outra [para eliminar os processos]”, disse o professor aos procuradores.
“Essa ideia de apenas descobrir seis anos depois que todo o caso estava na vara errada... Eu não consigo pensar num lugar nos Estados Unidos onde isso tenha ocorrido”, disse, em outra referência ao caso Lula.
Momento de pessimismo
Matthew Stephenson visita Curitiba pela segunda vez. Ele esteve na capital paranaense quatro anos atrás, a convite de Deltan Dallagnol, então chefe da força-tarefa da Lava Jato, época em que a operação gozava de enorme prestígio no combate ao crime de colarinho branco. Ele contou que começou a observar de perto o Brasil, que mal conhecia, por causa das investigações sobre o esquema de corrupção na Petrobras.
“Naquele tempo, como vocês devem saber, o que estava acontecendo não era importante apenas no Brasil, mas o Brasil se tornou um modelo, um exemplo, para onde muitas pessoas e países começaram a olhar, como uma demonstração da possibilidade de fazer avanços substanciais na luta contra a corrupção. E isso foi significativo, porque a corrupção é um problema muito importante em muitos países do mundo. É um problema muito difícil de resolver”, disse, no início da conversa.
Hoje, após “muitos reveses” na operação, e num tempo de pessimismo, ele disse que veio ao Brasil conversar com os procuradores sobre como preservar bons aprendizados obtidos nesse campo, de modo a reconstruir essa agenda para o futuro sem incorrer em erros que também contribuíram para os retrocessos.
“Parece muito provável que o próximo presidente não será muito simpático à agenda anticorrupção”, disse, em referência a Lula e ao presidente Jair Bolsonaro, que lideram as pesquisas de intenção de voto. “E os mais altos níveis do Poder Judiciário federal também têm parecido muito mais hostis à Lava Jato, particularmente, e à agenda anticorrupção em geral. E tem havido muita preocupação, ao menos em relação à esfera federal – não sei tanto quanto à esfera estadual – não apenas sobre a hostilidade contra a Lava Jato, mas com a erosão de algumas leis e instituições que são importantes na luta contra a corrupção”, acrescentou.
Dificuldades técnicas
Durante a conversa, o procurador André Tiago Pasternak Glitz, presidente da APMP, disse que as dificuldades enfrentadas pela Lava Jato, tocada no Ministério Público Federal, também atingem as promotorias estaduais. Relatou obstáculos estruturais e institucionais para combater grandes casos de corrupção – “estamos muito mais acostumados a lidar com pequenos casos, mais simples, de menor complexidade” – e também de ordem técnica.
“Quando você lida com determinado tipo de criminalidade no Brasil, principalmente criminalidade econômica poderosa, ou politicamente poderosa, acaba trabalhando numa zona cinzenta, ou num campo de incerteza muito grande em relação a quais são as regras do jogo que vão ser jogadas”, disse Glitz.
“E os problemas depois começam a se multiplicar do ponto de vista processual, e as defesas e tribunais acabam anulando investigações, processos, muito tempo depois de esse trabalho ser iniciado, por conta de questões de regras que não eram claras no momento em que o trabalho começou a ser feito. E essas regras parece que acabam sendo interpretadas de forma diferente para esse tipo de criminalidade”, completou.
Questionado se nos Estados Unidos existem essas mesmas dificuldades, Stephenson respondeu que, assim como outros países mais ricos, há um investimento maior em unidades especializadas com expertise diferenciada na área, que envolvem técnicas sofisticadas de rastreamento financeiro e contábil.
E que, em geral, crimes complexos, por envolverem uma dimensão nacional ou mesmo internacional, acabam sendo processados nos tribunais federais, mais preparados e historicamente menos suscetíveis a corrupção.
“No Brasil, e adorei ouvir isso de vocês, o que me parece impressionante é que na investigação da Lava Jato, uma das coisas que as forças-tarefas fizeram foi adquirir essa expertise para fazer esse tipo de trabalho. O que provavelmente foi além do que existia nessas unidades, e que presumo que foi um aprendizado enquanto se fazia o trabalho, fazendo e aprendendo. E espero que a despeito dos reveses da Lava Jato, e o encerramento da operação, alguma parte dessa expertise tenha sido preservada e transferida para outros órgãos. O conhecimento adquirido nessas investigações pode ser compartilhado e tornar mais fácil a investigação sobre crimes complexos de colarinho branco no futuro”, afirmou o professor.
Tribunais anticorrupção especializados
No momento final de sua apresentação, ainda abordando a dificuldade de lidar com tribunais superiores hostis à agenda anticorrupção, Stephenson chamou a atenção para o exemplo de países como a Indonésia e a Ucrânia, que criaram cortes especializadas para julgar esses crimes, apartadas do restante do Judiciário.
No caso da Ucrânia, o tribunal anticorrupção foi formado por candidatos filtrados por um painel de especialistas estrangeiros, que vetavam interessados que tivessem qualquer suspeita sobre sua integridade.
“Isso foi algo pelo qual a sociedade ucraniana pressionou muito, porque eles acreditavam que se o processo político ucraniano tivesse controle sobre a escolha dos juízes para a corte anticorrupção, ela não funcionaria”, afirmou o professor.
Ao concluir sua fala inicial, disse que, em países onde isso não existe, como no Brasil, talvez os procuradores tenham de “escolher estrategicamente as batalhas, na extensão que puderem”.
“Isso não ajuda quando uma Corte, de forma inesperada, num caso em que a condenação já tem cinco anos, de repente muda de ideia. Mas, às vezes, você pode pensar estrategicamente, no sentido de ‘se eu tocar esse caso, eu teria uma chance razoável de ganhar? E se eu não ganhar, minha ação vai trazer retrocessos, porque a Corte vai inventar novas regras que vão tornar ainda mais difícil de levar adiante outros casos?’ Então, acho que procuradores em muitos países têm que tomar decisões muito duras sobre quando podem pressionar ou quando têm de recuar para salvar a munição, se quiserem lutar de forma mais efetiva no futuro.”
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