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A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Brasil pela morte de um integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por policiais militares, em 2000, e pela ação da PM, conhecida como Operação Castelinho, em São Paulo, realizada em 2002. O Tribunal emitiu as sentenças em novembro do ano passado, mas as decisões só foram divulgadas nesta quinta-feira (14).
No primeiro caso, Antônio Tavares Pereira, 38 anos, membro do MST, foi morto com um tiro durante uma Marcha pela Reforma Agrária, na região de Curitiba (PR). A Corte considerou o Brasil “responsável internacionalmente pelo uso desproporcional da força” empregada pela PM na ocasião. O relatório apontou que mais de 100 trabalhadores do movimento participavam da manifestação e vários ficaram feridos durante a ação.
A Comissão indicou que “não há controvérsia sobre o fato de que a morte do senhor Tavares foi causada por oficiais da Polícia Militar em desempenho de suas funções”. Segundo a sentença da CIDH, o agente “não utilizou a arma de fogo em legítima defesa, mas sim para intimidar os manifestantes” e o disparo foi realizado quando Tavares estava desarmado.
“Esses elementos permitiram à Comissão concluir que a ação do agente não tinha um propósito legítimo e não era adequada, necessária nem proporcional. Quanto às lesões causadas às 184 supostas vítimas do presente caso identificadas no Relatório de Mérito, a Comissão concluiu que estas resultaram do uso excessivo da força por parte do Estado, sem nenhuma explicação satisfatória”, diz o documento.
Para o Tribunal, o Brasil violou os “direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade de pensamento e expressão, de reunião, da criança, de circulação e residência, às garantias judiciais e à proteção judicial”. A Corte determinou que a família de Pereira deve receber indenizações que somam US$ 400 mil, cerca de R$ 2 milhões. Além disso, o Brasil deverá fazer "um ato público de reconhecimento" às violações cometidas e preservar um monumento construído pelo MST no local do protesto, em 2001.
Operação Castelinho
A Corte também condenou o Brasil pela "execução extrajudicial" de 12 pessoas no caso conhecido como Operação Castelinho, em 2002. A ação teve como ponto de partida a saída temporária da prisão de três detentos com autorização da Justiça. De acordo com a Corte, eles informaram a um grupo de 12 pessoas a notícia falsa de que um avião com R$ 28 milhões aterrissaria no Aeroporto de Sorocaba, no interior de São Paulo, no dia 5 de março daquele ano, e incitaram o grupo a preparar um roubo à aeronave.
Na sentença, a Corte relata que agentes interceptaram o grupo, que estava a caminho do aeroporto em quatro veículos, e dispararam durante, aproximadamente, dez minutos. Doze pessoas foram mortas em razão de hemorragia interna causada por ferimentos de projétil de arma de fogo dos policiais.
Ao analisar o caso, o Tribunal constatou que a informação do avião de transporte de valores foi uma "ficção criada pelo Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância (Gradi)", ligado à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, para incitar o roubo e atrair o grupo. Os três detentos deixaram a prisão com a finalidade de colaborar com o Gradi, infiltrando-se em supostas fações do PCC.
“Não houve um intercâmbio de disparos entre os policiais e as 12 pessoas mortas, uma vez que a maior parte das provas indica que as supostas vítimas não estavam armadas no momento de sua morte. Por isso, a corte concluiu que a privação da vida das 12 pessoas durante a Operação Castelinho resultou de uma ação planejada e realizada por agentes estatais para executar extrajudicialmente as referidas pessoas”, disse a Corte.
Na sentença, o Tribunal apontou que não houve punição aos envolvidos no caso. A operação foi investigada pela Polícia Militar e arquivada em janeiro de 2004. O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou 55 pessoas por 12 delitos de homicídio qualificado. Em 2014, a Justiça declarou improcedente o pedido de punição, decisão que foi confirmada, em fevereiro de 2017, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, informou a Agência Brasil.
A União deverá indenizar as famílias dos mortos em cerca de R$ 5,4 milhões. Além disso, Corte ordenou ao Estado brasileiro medidas de reparação, como a criação de um grupo de trabalho para esclarecer a atuação do Gradi, incluindo as circunstâncias da "execução extrajudicial" das vítimas; a disponibilização de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico aos familiares, a realização um ato público de reconhecimento de responsabilidade e a adoção de medidas necessárias para suprimir a competência da Polícia Militar para investigar delitos cometidos contra civis.