Com aumento diário nos registros da Covid-19 e dificuldade na articulação de ações para combater a pandemia, o Brasil se junta a México e Índia no time dos países com estratégias controversas de retomada da atividade econômica. A constatação é com base nos evidentes contrastes com exemplos tidos como mais bem sucedidos na retomada.
Enquanto Alemanha, Itália e Espanha, por exemplo, esperaram baixar suas curvas de contágio para relaxar as medidas de isolamento, brasileiros, mexicanos e indianos reabrem suas economias em pleno avanço da pandemia.
CONFIRA os números de infectados e mortos pela Covid-19
Além disso, o Brasil difere das nações que começam a dar sinais do controle da Covid-19 ao não centralizar as ações. Desde o início da pandemia, com o embate entre presidente da República, governadores e prefeitos sobre a necessidade do isolamento, as estratégias passaram a ser geridas por estados e municípios à revelia de qualquer articulação central. Quase um arremedo de reaberturas. Se um estado optar por implementar um lockdown (fechamento de qualquer atividade não essencial) e o vizinho derrubar qualquer restrição, nada impede que o vírus passe de um lado a outro, já que, via de regra, não está proibida a circulação de pessoas infectadas.
“Os estados ficaram se movimentando numa espécie de areia movediça por meses. Estamos condenados a permanecer em um círculo vicioso que somente uma ação coordenada do governo federal permitiria estancar”, disse recentemente ao Estadão Conteúdo o professor especialista em geografia da saúde Raul Borges Guimarães, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Para especialistas, ainda mais séria é a falta de um programa de retomada irrefutável do ponto de vista científico. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a mais afetada pela pandemia no Brasil, a reabertura iniciada nesta semana é contestada pelas plataformas Covid-19 Brasil e Ação Covid-19, formada por cientistas e profissionais de saúde ligados a universidades.
A capital está inserida em um plano estadual que estabeleceu critérios que permitem ou proíbem a abertura de comércio, shoppings e parques, por exemplo. Na concepção das plataformas, esses critérios (leitos de UTI e evolução do contágio, por exemplo) deveriam ser analisados de forma conjunta. Hoje, cada um deles recebe uma pontuação e têm pesos diferentes.
Nota técnica das plataformas indica que a cidade corre o risco de perder o que conquistou durante dois meses de medidas restritivas.
Estados como Amazonas e Rio de Janeiro também têm estão em processo conturbado de reabertura. No caso do Rio de Janeiro, segunda unidade da federação em número de mortos e contaminados, a Justiça chegou a barrar os decretos de flexibilização emitidos pelo governo.
A ação, movida pelo Ministério Público fluminense, pedia que o Executivo mostrasse estudo técnico baseado em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, vigilância sanitária, mobilidade urbana e segurança pública que justificassem a reabertura. A liminar foi derrubada poucas horas depois. Os critérios técnicos ainda não são claros.
A alta taxa de contestações, na visão da médica epidemiologista e estudiosa de gestão de Saúde Marcela Tavares, difere a estratégia de reabertura brasileira da norte-americana, por exemplo. “Nos Estados Unidos, os números de contágio ainda são altos [apesar de a curva ser descendente]. Por lá, no entanto, a aposta tem sido testagem em massa e monitoramento dos infectados. Os planos são muito claros e sólidos. Por aqui, não sabemos exatamente nem quantos são os casos reais”, define.
A falta de parâmetros para este acompanhamento é explicitada também pelo setor de Estudos Latino-Americanos da Universidade Johns Hopkins. De acordo com os técnicos, países como o Reino Unido – que também está reabrindo – testam 10 vezes mais do que o Brasil. Na leitura da instituição, em cenários como este, a tendência é ter que fechar e reabrir mais vezes a atividade econômica.
Sem um modelo com respaldo científico sólido, o Brasil caminha lado a lado com países de estratégia de retomada contestadas – sobretudo por não seguir critérios indicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e entidades internacionais correlatas. “Quando os países seguem estratégias divergentes, todos pagamos um preço alto por isso”, disse em maio Antonio Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU)
Possíveis caminhos para a retomada pós-Covid-19
Ainda que em um cenário desfavorável nas linhas gerais, alguns poucos estados e cidades têm tido êxito nas estratégias de retomada da normalidade, indicando um possível caminho para os vizinhos de território.
Em Minas Gerais, o governo optou por reabrir a economia dividindo o estado por cores que representam riscos. O estado ainda vem registrando novos casos e óbitos, mas em um ritmo muito mais lento do que o resto do país. Além disso, taxas de mortalidade e incidência pelo número de habitantes ainda estão entre as mais baixas do país. A ocupação de leitos de UTI é estabelecida pelo governo como uma das medidas de controle. Se aumentar, o governo afirmou que pretende voltar com medidas restritivas.
Rio Grande do Sul e Santa Catarina seguem uma reabertura parecida e também mantém avanço da pandemia relativamente controlado. Há o temor, porém, de que o inverno os números avancem mais rapidamente.
Como os Estados Unidos pensaram sua reabertura
A estratégia norte-americana está baseada em um elevado número de testes e no acompanhamento dos infectados (com quem ele vive ou tem contato) – o Brasil não tem tido sucesso em nenhuma dessas ações. Na maioria dos estados norte-americanos, as medidas de restrição começaram em março. O relaxamento se iniciou com mais força no fim de maio, exceto os mais afetados. Muitos destes estados, porém, já registraram alta nos números da Covid-19.
O Texas, que foi um dos mais atingidos pela pandemia, tem reportado aumento de 55% nos casos desde que começou a reabrir, em abril, antes do resto do país. O resultado contrasta com o resto do país, que tem visto a curva descer nas últimas semanas.
Segundo informações locais, o estado falhou em uma de suas propostas: a de conseguir mapear os contatos de pessoas infectadas (a ideia era acompanhar e testar todas as pessoas com quem elas tiveram contato). A falha custou o controle da pandemia em solo texano, embora o sistema de saúde local alegadamente esteja em uma situação confortável para atender novos doentes.
O Texas – com seus 29 milhões de habitantes – tem 77 mil infectados e registou 1,8 mil mortes. Se fosse um estado brasileiro, seria o segundo com mais casos confirmados, atrás apenas de São Paulo. Mas, o sexto em mortes, o que sugere que o estado consegue testar pessoas com sintomas leves ou é mais eficiente no tratamento de pessoas infectadas.
Vale acompanhar a situação em uma cidade em específico. Com mais de 8 milhões de habitantes, Nova York é o epicentro da doença no país. Por lá, as medidas de flexibilização começaram no dia 8 de junho, exatamente 100 dias após um fechamento rigoroso. Transporte público e comércio reabriram, com medidas de proteção como máscaras e álcool gel distribuídos para a população.
O afrouxamento na cidade está atrelado ao índice de novos casos registrados: não pode passar de 15% dos testados. Está em 3%, após seguidas quedas, que identificam curva descendente de avanço da Covid-19.
Nova York tem 207 mil infectados e 17 mil mortes – números mais elevados do que de qualquer local brasileiro.
Altamente afetada pela Covid-19, Espanha tem retomada gradual
O país é considerado um bom exemplo pela comunidade científica porque foi um dos mais severos em seu fechamento. Somente no fim de maio suas principais cidades, Madri e Barcelona, passaram a relaxar o lockdown, que durava desde março (em outras cidades o afrouxamento começou antes). Há duas diferenças em relação ao Brasil: o nível de restrição, mais elevado entre os europeus, e o momento de reabertura, que no país ibérico se deu quando as curvas de contágio caíram severamente.
No dia 1º de junho, por exemplo, a Espanha registrava 209 novos casos. Um mês antes, eram 1,2 mil. Desde o relaxamento, o país não vem registrando aumento de casos. Cabe ponderar que medidas como limitação de número de pessoas, uso de máscaras e o fechamento das fronteiras ainda estão impostas no país.
Sem planos, México quer até setor turístico aberto nos próximos dias
O México é o país onde a reabertura mais parece a brasileira. Com altas diárias de novos casos, os mexicanos passaram a retomar atividades importantes para a economia do país, como mineração e construção, barradas desde abril. Nos próximos dias, devem reabrir o setor turístico de locais como Cancún. A reabertura iniciou no dia 1º de junho. Para exemplificar o momento que o país vive: no dia 4, o número de novas infecções superou 4,4 mil; cerca de 10 dias antes, eram 2,7 mil.
Apesar dos números desfavoráveis, o presidente mexicano Manuel Lopez Obrador tem dado seguidas declarações de que o vírus estaria controlado no país, que soma mais de 14 mil mortes e 120 mil infectados – a soma de novas mortes não é clara no país, mas fontes estimam que caminha para os mil registros diários.
Desespero econômico é motor na Índia
Outro "mau exemplo", a Índia começou a retomar as atividades nesta semana. O país passou a permitir o funcionamento de templos, shopping centers e restaurantes – com recomendações como máscaras e distanciamento. O lockdown do país foi um dos mais severos, com suspensão de transporte público, proibição de saídas injustificadas e fechamento de comércio desde abril.
O grande problema é que os asiáticos estão entre os países mais afetados pela Covid-19 neste momento. O país tem mais de 270 mil infectados e registrou, até aqui, mais de 7 mil mortes. Enquanto no meio de maio, quando ainda tinha medidas restritivas, a taxa de novas infecções girava em torno de 4 mil casos por dia; em junho, começou a bater 9 mil.
Os números indianos são precários e contestados por uma série de entidades no país, que alegam incapacidade em rastrear as mortes no país.
A decisão da reabertura, no entanto, é respaldada por boa parte da comunidade política em um país de 1,3 bilhão de habitantes e uma taxa elevada de pobreza, em que boa parte da população depende de ganhos informais no dia. O Centro de Monitoramento da Economia da Índia indica que 122 milhões de indianos perderam o emprego somente em abril.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião