O avanço da Covid-19 nas cidades de Fortaleza, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo está sendo mais rápido do que o previsto inicialmente, segundo estudo coordenado pelo especialista em modelagem teórica e computacional Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Esses quatro locais, que o pesquisador classifica como núcleos de disseminação da doença, podem acabar acelerando a expansão do coronavírus no Brasil.
“São quatro ‘hubs’, quatro núcleos principais de expansão da epidemia aqui no Brasil”, diz Alves. Ele explica que, por ter múltiplos núcleos da Covid-19, o Brasil pode acabar tendo uma disseminação mais parecida com a dos Estados Unidos, país que tem três focos principais: os estados de Nova York, Washington e Califórnia.
“A Itália, a China, a Espanha, Portugal, cada um destes lugares teve praticamente só um hub importante… Wuhan, a região de Madri, a região do Porto… Um só centro de disseminação. Os Estados Unidos e o Brasil são diferentes. Nos Estados Unidos, a epidemia começou com três hubs, com três centros de disseminação. E, pelas minhas contas, o Brasil tem hoje esses quatro centros de disseminação importantes.”
Segundo o professor, essa presença de vários focos pode acabar tornando o crescimento do número de casos da Covid-19 mais rápido no Brasil do que em outros países. “Talvez esse seja o motivo de, agora, com menos tempo do começo da epidemia nos Estados Unidos, eles já terem ultrapassado a China, porque tem mais de um centro de disseminação.”
Para explicar o fenômeno, Alves faz uma comparação: “é como se você chegasse com um punhado de pedras na mão e jogasse num lago. A onda que você vai ver no lago vai depender do número de pedras que você joga ali”.
De acordo com o pesquisador, esse é mais um motivo para que a precaução com a expansão da Covid-19 no Brasil seja alta. “Dependendo de como for esse tipo de quarentena vertical, nós podemos postergar o final dessa epidemia para 2021”, diz.
Brasília tem evolução mais rápida de Covid-19
Uma das constatações do estudo é que a cidade de Brasília está tendo uma disseminação mais rápida da Covid-19 do que São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Alves, há até a possibilidade de que a capital federal ultrapasse essas duas cidades em número de casos.
“Quando eu levo em consideração a demografia da cidade, o número de casos por habitante em Brasília está muito maior. São Paulo começou bem antes. Eu esperaria que São Paulo fosse uma cidade com um número de casos per capita muito maior, porque tem linhas de metrô efetivas, tem uma conectividade maior dentro da cidade e tudo mais. Por que Brasília? Eu, honestamente, ainda não consigo entender esse fenômeno.”
Ele ressalta, no entanto, que o estudo ainda está em curso. Os dados usados na última projeção foram desde o dia da confirmação do primeiro caso até o dia 21 de março.
Como é o modelo usado pelo estudo
O modelo do estudo do grupo de Alves, que faz projeções para dez dias, é baseado no de pesquisadores chineses e tem nível de complexidade maior que o de outros modelos normalmente utilizados. Alguns estudos, segundo Alves, aplicam o modelo “SIR”, que considera pessoas suscetíveis, infectadas e recuperadas.
O grupo de Alves usa o modelo “SEAIR”, que considera que um indivíduo pode ser suscetível, exposto, assintomático, infectado ou recuperado. Levar em conta essas duas categorias a mais torna o modelo mais preciso, de acordo com Alves, já que o paciente infectado não é o único que transmite o vírus.
“Um caso suscetível, porque ficou em contato com uma pessoa infectada, fica durante um período curto como exposto, porque ficou exposto à doença. Depois, ele passa para um estado que é assintomático. Durante o período assintomático, ele pode infectar ou não. Eu considero que o assintomático, numa parte do período sem sintomas, pode transmitir a Covid-19”, explica.
Outro diferencial de seu estudo, segundo ele, é levar em conta as movimentações das pessoas dentro dos municípios e também entre os municípios. Para isso, ele se apoia em um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa em parceria com a Universidade de Saragoça, na Espanha, que contém um mapa de risco dos municípios brasileiros com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre o fluxo recorrente de pessoas entre municípios.
Para o pesquisador, seria benéfico para estudos científicos que o governo liberasse o número de casos suspeitos, e não só de confirmados. O Ministério da Saúde deixou de divulgar o total de casos suspeitos por recomendação da Organização Mundial da Saúde.
Grupo de cientistas coordenado por Alves alerta para a gravidade do problema no Brasil
Alves destaca que seu estudo não é individual, e que um grupo de cientistas de diversas especialidades tem colaborado com as projeções. Na quarta-feira (25), alguns professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB) que integram esse grupo assinaram com Alves uma nota técnica para chamar a atenção da sociedade civil e das autoridades sobre a gravidade da situação no Brasil.
Os cientistas definem o cenário atual como uma “crise sem precedentes na saúde pública mundial”, defendem que as medidas restritivas adotadas em diversos países vêm dando resultados concretos e pedem às pessoas que “acreditem na ciência” e permaneçam em casa.
Cita um estudo realizado pela London School of Hygiene & Tropical Medicine, na Inglaterra, que estima que os casos notificados no Brasil representam somente cerca de 11% do total. “Estamos vendo apenas a ponta de um grande iceberg”, afirmam os pesquisadores.
Segundo eles, as análises científicas da epidemia “permitem prever uma situação gravíssima” à medida que a transmissão sustentada se estabeleça nas capitais e comece a atingir o interior do país e as populações mais vulneráveis.
Além de Alves, assinam o documento os pesquisadores Afrânio Kritski, Rafael Galliez e Roberto Medronho, da Faculdade de Medicina da UFRJ; Guilherme Werneck, do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ; e Ivan Zimmermann e Mauro Sanchez, epidemiologistas da UnB.
Secretário do Ministério da Saúde diz que é precoce avaliar crescimento da Covid-19
Para o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, a disseminação do vírus tem “muito pouco tempo” para que uma avaliação de crescimento seja feita. “Nós não temos ainda condições, pelo pouco tempo de evolução, de fazer esta afirmação. Pode ser que os gráficos estejam mostrando isso, mas é precoce para a gente ter isso já como uma confirmação.”
Ele afirma, por outro lado, que “é possível que São Paulo tenha iniciado com o número de casos maior, com uma velocidade um pouco maior, porque houve uma concentração de óbitos dentro de uma unidade hospitalar que tinha pacientes graves”.
Em resposta à fala do secretário, o professor Domingos Alves ressalta que “qualquer modelo matemático é suspeito por definição” e afirma discordar “de uma maneira veemente” da ideia de que é cedo para fazer previsões. “Não é muito cedo. As previsões podem orientar sobre como está o andamento da doença, inclusive orientar o corpo do serviço público com relação às tomadas de decisão.”
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