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População vulnerável

Por que é preocupante o avanço da Covid-19 entre os indígenas brasileiros

Agentes de saúde realizam teste rápido da Covid-19 na tribo Kunaruara, em Santarém (PA): população indígena é considerada mais vulnerável.
Agentes de saúde realizam teste rápido da Covid-19 na tribo Kunaruara, em Santarém (PA): populações indígenas são consideradas mais vulneráveis para a doença. (Foto: Tarso Sarraf/AFP)

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O avanço da pandemia para o interior do Brasil fez com que a Covid-19 chegasse aos indígenas. Levantamento realizado até 17 de julho revela que o novo coronavírus atingiu 44% dessas comunidades. Dos 305 povos indígenas do país, 133 tinham sido afetados pela doença. Entre eles, 16.057 pessoas foram infectadas e 529 morreram, segundo levantamento feito pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

No entanto, os dados oficiais do Ministério da Saúde, apurados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), divergem dos números apontados pela Apib. A última atualização da Sesai, divulgada no dia 16 de julho, aponta 11.394 casos confirmados e 225 óbitos. A diferença entre os números existe porque a Apib considera os casos e óbitos por estado; já a Sesai usa informações coletadas pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).

Existem 34 distritos sanitários espalhados pelo país. A população indígena brasileira é de mais de 800 mil pessoas, morando dentro ou fora das comunidades. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 827 municípios do Brasil abrigam localidades indígenas.

São 632 terras indígenas oficialmente delimitadas. Há também 5.494 agrupamentos indígenas e 977 lugares considerados “outras localidades”, pois a presença é mais esparsa. O IBGE antecipou os dados em virtude do enfrentamento à Covid-19, pois as informações estão em processo de consolidação para o Censo Demográfico 2021. Por isso, ainda devem ser submetidas a etapas de validação.

O impacto do novo coronavírus nas comunidades indígenas foi o pano de fundo do recente atrito entre militares e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O ministro do STF disse em uma live no último sábado (11) que o Exército se associou a um "genocídio" por causa do número de militares em postos-chave do Ministério da Saúde e da crescente alta no número de mortos no país pela Covid-19. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, entrou com uma representação na Procuradoria-Geral da República contra Gilmar, com base na Lei de Segurança Nacional.

Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, a reação dos militares foi provocada pelo medo de serem alvo de uma investigação por genocídio de povos indígenas, que poderia vir a ser realizada sob o argumento de que houve inação do governo federal diante da pandemia. Segundo um general da ativa ouvido pela reportagem, a declaração do ministro do STF poderia levar um procurador ou um tribunal internacional a instaurar um procedimento para apurar o suposto genocídio dos índios brasileiros.

Indígenas estão vulneráveis pela dificuldade de acesso aos sistemas de saúde

A população indígena está mais vulnerável durante a pandemia devido à dificuldade de acesso aos sistemas de saúde, seja na diminuição de investimentos nos programas de proteção até a interferência de fatores geográficos.

O primeiro caso de Covid-19 entre indígenas no Brasil foi diagnosticado oficialmente no início de abril, em uma jovem de 20 anos do povo Kokama, no Amazonas. Ela teria se contaminado ao ter contato com um médico vindo de São Paulo a serviço do governo federal pela Sesai, que estava infectado com o vírus, afirmou representante da Apib à BBC Brasil.

STF pede que governo proteja indígenas

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou em 8 de julho que o governo federal cumpra medidas para proteger os povos indígenas da pandemia.

Barroso determinou que seja criado um gabinete de crise com membros da Procuradoria-Geral da República (PGR), da Defensoria Pública da União e de comunidades indígenas. Além disso, pediu que sejam criadas barreiras sanitárias; um plano de enfrentamento; medidas de contenção de invasores; e que os indígenas tenham acesso à saúde.

O ministro respondeu à uma ação apresentada pela Apib e pelos partidos PSB, Psol, PCdoB, Rede, PT, PDT. Antes desse pedido de providência feito ao STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) havia designado, em junho, parte do observatório nacional do órgão para monitorar a proteção aos povos indígenas. O observatório serve para dar mais transparência às decisões do governo relacionada aos indígenas.

Bolsonaro veta 16 pontos em lei para proteção de índios contra a Covid-19

No mesmo dia da decisão do STF, o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma série de vetos à lei que prevê medidas de proteção aos povos indígenas e quilombolas durante a pandemia. O veto desobriga o governo federal de fornecer acesso a água potável e materiais de higiene, limpeza e de desinfecção.

Também retira da responsabilidade do governo federal a obrigação de promover a oferta emergencial de leitos hospitalares e de terapia intensiva para comunidades indígenas e quilombolsas, além da compra de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea e da facilitação ao acesso ao auxílio emergencial por esses grupos.

O presidente argumentou que não foi levado em conta para a proposição da lei o “impacto orçamentário e financeiro, o que seria inconstitucional”. O Congresso Nacional ainda deve avaliar os vetos à Lei 14.021/2020.

“Os povos indígenas, as comunidades quilombolas, os pescadores artesanais e os demais povos e comunidades tradicionais serão considerados como grupos em situação de extrema vulnerabilidade e, portanto, de alto risco e destinatários de ações relacionadas ao enfrentamento de emergências epidêmicas e pandêmicas”, diz o texto da lei.

Ações já realizadas pelo governo durante a pandemia 

No início da pandemia, o Ministério da Saúde apresentou recomendações à Fundação Nacional do Índio (Funai) em que tratava do acesso às terras indígenas.

Foram pedidas “medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas devido à vulnerabilidade das populações indígenas às doenças respiratórias, o que aumenta o risco de agravamento em caso de contágio pelo novo coronavírus”, segundo publicação da pasta.

A Funai, vinculada ao Ministério da Justiça, determinou então que autorizações de entrada nas terras indígenas fossem suspensas, com exceção dos serviços considerados essenciais.

O Ministério da Saúde criou as Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPI), para melhorar o primeiro atendimento nessas comunidades. A Sesai tem em torno de 1,5 mil unidades básicas de saúde.

O Ministério da Saúde também realiza algumas missões de reforço ao atendimento da população indígena. No estado de Roraima, por exemplo, foram feitos 3,8 mil atendimentos médicos e entregues quatro toneladas de insumos, nas aldeias Yanomami e Raposa Serra do Sol, durante cinco dias, segundo a pasta.

No final de junho o ministério disse que iria distribuir cloroquina aos Distritos Sanitários Indígenas (DSEIs) Leste e Yanomami atendidos na ação. De acordo com o jornal O Globo, com a repercussão negativa, devido a falta de comprovação científica da eficácia da cloroquina em casos de infecção pelo novo coronavírus, o Ministério Público Federal (MPF) em Roraima abriu uma investigação. A Sesai afirmou que o medicamento era apenas para o tratamento de malária, doença para a qual a cloroquina é recomendada.

Sobre o caso, o Ministério da Saúde divulgou o seguinte esclarecimento:

“O Ministério da Saúde esclarece que não houve distribuição de cloroquina aos indígenas Yanomami das aldeias abrangidas pela ação em Roraima. A pasta, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), distribui insumos para ações de saúde aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que coordenam as ações de saúde entre os povos aldeados.

Esclarece ainda que, o DSEI Yanomami é um dos 25 Distritos Sanitários que atendem áreas endêmicas de malária, razão pela qual comprimidos de cloroquina foram levados como complemento aos estoques dos Distritos. Eles servem para o tratamento de casos de malária e poderão ser dispensados pelas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, conforme indicação médica.

Os Polos Base de Auaris, Waikás e Surucucu também receberam insumos como máscaras cirúrgicas, álcool 70%, avental hospitalar, luvas, toucas e protetores faciais e medicamentos que irão reforçar os estoques para o tratamento de doenças endêmicas da região.”

O tamanho da pandemia de coronavírus no Brasil

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