Grafite de agente de saúde fazendo higienização contra o coronavírus: pandemia da Covid-19 escancarou problemas estruturais do Brasil| Foto: Mauro Pimentel/AFP
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O enfrentamento à pandemia da Covid-19 exige articulação de governo federal, estadual e municipal para a atuação em várias áreas ao mesmo tempo – da estruturação das redes de saúde, passando pelas recomendações de isolamento social e a coordenação do que fecha e do que reabre, além da preocupação com as medidas econômicas. No Brasil, essas ações acabaram escancarando alguns problemas estruturais que o país enfrenta há tempos, mas que se tornaram mais explícitos nesse período.

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Hospitais com déficit de leitos e equipamentos, falta de saneamento básico, condições precárias de moradia, transporte coletivo sobrecarregado são alguns exemplos de problemas que existem há tempos no Brasil. A Gazeta do Povo listou oito problemas estruturais que foram escancarados pela pandemia da Covid-19.

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1. Redes de saúde deficitárias

Sem um tratamento com eficácia comprovada e sem vacina, a prevenção e medidas de distanciamento social acabaram se tornando o protocolo para evitar a disseminação do coronavírus no país. A intenção nunca foi evitar que as pessoas se contaminassem – o que seria impossível –, mas sim evitar o colapso dos sistemas de saúde público e privados, que precisariam atender muita gente ao mesmo tempo com casos graves.

No começo da pandemia no país, ainda em março, o Ministério da Saúde mostrou que as redes públicas e privadas tinham 424.421 leitos e 55,1 mil de UTIs. As UTIs, por exemplo, já começaram a pandemia com taxa de ocupação de 78%. E, de fato, em algumas cidades e estados, o sistema não deu conta dos atendimentos, nem com a multiplicação dos hospitais de campanha pelo país. Manaus foi a primeira cidade a enfrentar um colapso do sistema de saúde e, mesmo no atual momento em que o país alcançou um platô de mortes, a ocupação dos leitos de UTI preocupa em muitos locais, como no Sul do país, que viu os casos da doença multiplicarem nas últimas semanas.

Além da falta de espaço físico, faltam equipamentos, medicamentos e até mesmo profissionais preparados para atuar em unidades de tratamento intensivo. O Brasil investiu na produção nacional de respiradores, mas as entregas não foram efetuadas no ritmo pretendido pelo Ministério da Saúde. A pasta também fez chamamentos de médicos, inclusive cubanos, para atuarem no programa Mais Médicos. No atual momento, são medicamentos usados para procedimentos de entubação que estão em falta.

2. Moradias precárias

A recomendação de distanciamento social é aplicada tanto para a prevenção da Covid-19 quanto é uma das orientações médicas para o tratamento de quem contraiu a doença. Entre as recomendações para o tratamento de casos leves está ficar em casa e isolado do restante da família – o que significa ficar em um cômodo distinto, usar louça e talheres exclusivos e ter as roupas lavadas separadamente.

À primeira vista, podem parecer instruções simples, mas como cumpri-las em casos de famílias que dividem um único cômodo? Essa era uma preocupação muito presente especialmente em cidades que concentram grandes favelas. A população mais pobre, que vive em moradias bastante precárias não teria como cumprir as orientações, nem que quisessem. No Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura chegou a ofertar vagas em hotéis para idosos moradores de favelas numa tentativa de conter o avanço da doença nas comunidades, mas a iniciativa encontrou bastante resistência.

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3. Saneamento básico não acessível

O saneamento básico é um assunto historicamente negligenciado no Brasil, que não investe o suficiente para universalizar o acesso à água tratada e esgoto. Para a prevenção de uma doença em que lavar as mãos é uma ação muito eficaz, é preocupante saber que muitos brasileiros não tem acesso a esse tipo de serviço.

A pandemia também escancarou os riscos de o país não ter universalizado o sistema de coleta e tratamento de esgoto. A Covid-19, como uma série de outras doenças, também se transmite por meio da fezes – o que representa uma ameaça em comunidades sem acesso a esgoto canalizado.

Apesar disso, o esgoto também trouxe algumas respostas sobre a doença. Pesquisadores rastrearam traços do vírus em redes de esgoto, antes mesmo da confirmação dos primeiros casos no país. Essa informação poderia ajudar os gestores públicos, com apoio de cientistas, a traçar como ocorre a circulação do vírus.

A pandemia da Covid-19 também colocou em xeque investimentos no setor de saneamento para este ano: a inadimplência disparou e praticamente não há espaço para novas captações no mercado. Porém, há esperança de que isso possa mudar daqui para frente, após a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento.

4 e 5. Desigualdade e acesso precário à alimentação: o ensinamento das escolas fechadas

Fechadas desde março, as escolas são um tema bastante delicado na discussão da pandemia. A medida foi adotada preventivamente para conter o avanço do coronavírus. Mas pouco se debate sobre o retorno das aulas com a sociedade. Com muitos estados e cidades retomando as atividades comerciais, pais enfrentam o dilema de não ter com quem deixar seus filhos. A discussão sobre a educação foi jogada para o fim da fila.

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O fechamento das escolas também expôs as deficiências do país na área de segurança alimentar: famílias pobres são dependentes da merenda escolar para alimentar os filhos. Ao longo da pandemia, houve uma série de relatos de quem não tinha alimentos para dar aos filhos e das dificuldades que enfrentavam por causa da interrupção das aulas presenciais.

O fechamento das escolas também expôs a profunda desigualdade do país, que ficou caracterizada por um aspecto: o acesso a internet de qualidade. Com aulas realizadas pela TV ou pela web, alunos de família sem acesso a banda larga têm tido dificuldades para acompanhar as aulas – criando um fosso ainda maior em relação àqueles que dispõem de uma boa infraestrutura de comunicações em casa.

Também há debates sobre como fazer o nivelamento das crianças quando houver algum retorno das aulas presenciais. Para muitos especialistas, esse pode ser um ano perdido e a decisão de como será encarado – como será feita a reposição do conteúdo e como será trabalhada a entrada no mercado de trabalho desses estudantes no futuro –, pode implicar em perdas significativas para o PIB.

6. Informalidade no mercado de trabalho

O Brasil já sofria com a recuperação patinante da última recessão econômica e não conseguia diminuir a taxa de desemprego da casa dos dois dígitos – já era um sinal da crise do mercado de trabalho anterior à pandemia. Com a adoção do isolamento social e a necessidade imposta de fechamento de vários setores da economia, já havia uma preocupação de a situação se agravar. Os dados de duas pesquisas – a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia – mostraram a gravidade do cenário brasileiro.

O IBGE mostrou que a taxa de desocupação no trimestre de março, abril e maio deste ano chegou a 12,9% – são 12,7 milhões de pessoas sem trabalho. O número pode ser ainda maior, porque muitos brasileiros simplesmente desistiram de buscar emprego nesse momento.

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E isso também explica porque a redução da quantidade de trabalhadores informais é vista com preocupação por analistas: são pessoas que trabalhavam por conta e ganhavam pouco, e agora tiveram a renda zerada. Algumas delas, engrossam a lista dos que pediram ajuda ao governo, por meio do auxílio emergencial.

Além do pagamento de R$ 600 para aqueles trabalhadores que perderam a renda, o governo federal tentou frear o desemprego com a edição da Medida Provisória (MP) 936, que permitiu empresas a fazerem acordos de suspensão de contratos e de redução de jornada, com diminuição salarial, por dois ou três meses, respectivamente. O trabalhador recebia uma compensação pela perda de renda, chamada de Benefício Emergencial. A MP foi prorrogada para mais dois meses, no caso da suspensão de contrato, e um mês para redução de jornada.

7. A invisibilidade da pobreza

Milhões de brasileiros serão submetidos à pobreza por causa da Covid-19: são pessoas que não engrossavam essas estatísticas, mas foram afetadas pela queda da renda. Pelo menos 64,5 milhões de pessoas pediram o auxílio emergencial, de acordo com a Caixa Econômica. Para se ter noção, o Bolsa Família atendia a uma média de 14 milhões de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza por mês.

O Brasil já registrava retrocessos entre os mais pobres e vulnerabilizados antes da crise do coronavírus – a extrema pobreza avançou 67% entre 2014 e 2018 e a renda dos 5% mais pobres caiu 39%. A tendência é que, com essa nova crise e possível recessão, a classe C seja esvaziada e as classes D e E, infladas. A assistência social entrou no radar prioritário do governo federal, que estuda fundir o Bolsa Família a outros programas, que não são tão bem focalizados quanto. O novo programa é chamado de Renda Brasil.

8. Transporte coletivo sobrecarregado

No início da pandemia da Covid-19 no Brasil, algumas localidades – sobretudo cidades de médio e pequeno porte – optaram pela paralisação dos sistemas de transporte coletivo. A decisão fazia sentido, já que ônibus, trens, metrôs, barcas e terminais são espaços com muita aglomeração e que favoreceriam a disseminação do vírus.

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O problema é que, a partir da reabertura gradual e da retomada de atividades econômicas em várias cidades e estados, o transporte público voltou a ser demandado como antes e ficou superlotado, como de costume. Especialistas demonstram preocupação com a possibilidade de o transporte coletivo se tornar o grande vetor do novo coronavírus nas cidades com a retomada do comércio.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]