O deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) foi à tribuna da Câmara na última quarta-feira (5) para falar sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura supostos desvios no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A fala do parlamentar, de pouco mais de cinco minutos, não foi prestigiada pelos deputados e senadores que lotavam o plenário da Câmara. Como de hábito, os congressistas se dividiam em rodas de conversa, entrevistas e nos celulares. Mais do que o discurso do deputado, o que tem sido colocado em segundo plano no Congresso ao longo de praticamente todo o ano é o próprio tema do pronunciamento: o BNDES.
O banco de fomento, que ganhou notoriedade durante os governos do PT e foi relacionado a uma série de escândalos de corrupção, não figura entre as prioridades dos congressistas em 2019. Temas como o pacote anticrime elaborado pelo ministro Sérgio Moro, os tumultos na articulação política entre Planalto e Congresso e, principalmente, a reforma da Previdência acabam por dominar a agenda dos parlamentares.
Com isso, a CPI que está em curso atualmente na Câmara acaba também ficando um pouco de lado. Tanto deputados governistas quanto os da oposição pouco têm abordado os trabalhos do colegiado.
E não se pode dizer que a CPI, que é presidida por Macris, esteja trabalhando pouco. Desde sua instalação, em 27 de março, o colegiado conseguiu levar ao Congresso pesos-pesados de governos anteriores, fez fiscalizações na sede do BNDES no Rio de Janeiro e promoveu uma audiência entre parlamentares e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, entre outras atividades.
A CPI atual é a terceira sobre o BNDES em um curto prazo de tempo. Uma comissão vigorou entre 2015 e 2016 na Câmara e outra entre 2017 e 2018 no Senado. Ambas apresentaram resultados tidos como insatisfatórios: seus relatórios não sugeriram o indiciamento de nenhuma pessoa, apenas contemplaram o envio de documentos a autoridades competentes e trouxeram sugestões para "melhorar a gestão" do banco.
Produção alta, resultados incertos
Além do pouco resultado das antecessoras, parte do "desânimo" que a CPI de 2019 sobre o BNDES tem deriva do fato de alguns de seus depoimentos terem sido pouco produtivos.
O do procurador Leonardo de Menezes Curty, tomado na última quarta-feira (4), foi definido como uma fala que "não trouxe nenhum fato novo" pelo deputado federal Sanderson (PSL-RS), vice-presidente do colegiado. Curty, que é membro da da Procuradoria da Fazenda Nacional, falou sobre uma ação que moveu pedindo a suspensão de uma operação de concessão de crédito do BNDES ao frigorífico JBS. O procurador repetiu, na comissão, o que já havia informado por escrito.
Outro depoimento considerado improdutivo foi o de Paulo Rabello de Castro, que presidiu o BNDES durante a gestão do ex-presidente Michel Temer. Em abril, ele falou aos parlamentares que não tinha conhecimento de irregularidades e que problemas ocorridos antes de sua gestão haviam sido denunciados às autoridades competentes – o que também, na opinião dos deputados, pouco acrescentou às investigações. Outro depoimento considerado de pouco valor foi o de Mário Celso Lopes, ex-sócio dos irmãos Batista, proprietários da J&F, empresa controladora da JBS. Em sua apresentação, ele não disse nada muito além da informação de que desconhecia irregularidades na J&F e que rompera com os Batista em 2010.
Houve ainda outros dois encontros de citados com a CPI que também pouco somaram, mas por motivos distintos. Um foi o do ex-ministro Antonio Palocci. Ele foi à Câmara no dia 29 de maio e, em reunião a portas fechadas com os membros da CPI, disse que não falaria porque isso poderia comprometer um acordo de delação premiada que tem com o Judiciário. O ex-ministro, entretanto, deixou acertado com a CPI que voltará ao colegiado.
O depoimento de Francisco de Assis e Silva, um dia antes da presença de Palocci, foi marcado pelo silêncio do depoente, que é ex-diretor jurídico da JBS. Silva também negocia acordo de delação premiada. A CPI buscou quebrar seu sigilo telefônico, o que foi negado pelo STF.
Do lado dos depoimentos que movimentaram a CPI, o de maior destaque foi o do ex-ministro Guido Mantega, que foi também presidente do BNDES durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Mantega falou à comissão por cerca de cinco horas. Ele respondeu a questões como acusações de que o banco teria privilegiado empresários "amigos" do governo e também operações em países governados por políticos com quem o PT teria afinidade ideológica.
"Eu nunca pressionei o Luciano Coutinho [ex-presidente do BNDES] e nunca intercedi em favor de qualquer projeto que estivesse tramitando lá – nem do Joesley nem de qualquer outra empresa. O BNDES tinha autonomia e regras rigorosas, com várias instâncias de decisão", afirmou.
Coutinho também falou à comissão. Ele comandou o banco entre 2007 e 2016, período em que foi executada a controversa política dos "campeões nacionais", que se deu por meio de empréstimos concedidos a empresas brasileiras para que se tornassem líderes mundiais em seus setores. O crescimento da JBS, que passou a ser a número um em proteína animal, é o maior exemplo da sistemática.
No depoimento, Coutinho negou que tenha havido favorecimento a determinados grupos e disse que o banco seguia critérios técnicos. O ex-presidente do BNDES foi também questionado sobre os financiamentos que o banco fazia a empresas brasileiras que desempenhavam projetos no exterior em países com pouca credibilidade no mercado financeiro, como Cuba e Angola.
A comissão espera receber no próximo dia 18 o empresário Joesley Batista, que foi convocado a comparecer. Na sexta (7), o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou que Wesley Batista – irmão de Joesley – deixe de comparecer à CPI, caso seja convocado. O argumento da defesa é de que o empresário é investigado e, por isso, não pode ser obrigado a dar informações que o prejudiquem.
"CPI é maratona"
O relator da CPI, deputado Altineu Cortes (PL-RJ), avalia que, mesmo fora dos holofotes da Câmara, o colegiado tem conseguido entregar bons resultados. "CPI não é corrida de 100 metros rasos, CPI é maratona. É um trabalho longo, a ser feito com calma, com muito detalhamento. Estamos obtendo muitos documentos e depoimentos", declarou.
Côrtes reconhece que o BNDES não figura entre as prioridades atuais dos parlamentares, mas acredita que "o momento do Brasil" pode contribuir para o sucesso da CPI. "Estamos em um momento do Brasil em que o combate à corrupção está muito prioritário. E o trabalho da CPI tem sido de caráter técnico, para apontarmos a verdade sobre os fatos", declarou.
O deputado afirmou, à época da instalação da CPI, que seu relatório seria diferente do produzido nas CPIs anteriores e conteria o indiciamento de acusados. A expectativa de Côrtes é que o relatório esteja finalizado em agosto.
Comissão dos novatos
Altineu Côrtes está em seu segundo mandato na Câmara. Vanderlei Macris, o presidente da CPI, cumpre o quarto. Eles são exceção em uma comissão composta, principalmente, por novatos.
Os deputados de primeiro mandato são 22 entre os 33 membros titulares da CPI. Os três vice-presidentes da comissão são estreantes na Câmara: Paula Belmonte (Cidadania-DF), Sanderson (PSL-RS) e Kim Kataguiri (DEM-SP).
Um dos novatos, o deputado Maurício Dziedricki (PTB-RS) avalia que a presença maciça dos "calouros" é um fator que pode levar a CPI atual a ter um fim diferente de suas antecessoras. "A comissão vai, assim, com um novo foco. São novas pessoas, perguntando coisas novas", disse. O deputado é da opinião de que as comissões anteriores tiveram "amarras" que não estão afetando o colegiado de 2019.
Côrtes também celebra a presença dos estreantes. "Avalio como algo bastante positivo. É um grupo que mostra vontade de produzir bastante. E há muitos com formações distintas, como policiais, advogados. É um cenário que contribui para a formação de um relatório técnico, que não cometa injustiça com ninguém", afirmou.
Instalação controversa
A instalação da CPI foi alvo de críticas principalmente de parlamentares do PT. Na opinião dos petistas, as comissões anteriores já haviam promovido investigações suficientes sobre o BNDES e mostrado que as irregularidades apontadas pelos adversários do partido não seriam da magnitude sugerida.
Funcionários do banco também contestaram a nova comissão. À época da instalação, o sindicato da categoria disse, em nota, que o BNDES tinha mecanismos de controle e que as CPIs prévias já deveriam ter indicado irregularidades, se elas existissem.
A renovação do Congresso a partir das eleições de 2018, com a vitória de parlamentares localizados mais à direita no espectro ideológico, foi um combustível adicional para justificar a nova comissão. O BNDES esteve em diversos discursos do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, e seus apoiadores frequentemente mencionavam o banco como uma das principais fontes de corrupção nos governos petistas.
O requerimento para a instalação da CPI atual, produzido pelo deputado Macris, é específico em solicitar investigações sobre as atividades do BNDES entre 2003 e 2015 – período que corresponde exclusivamente a gestões do PT – e reforça a ideia de que a "conjuntura política" anterior do Brasil não permitia o avanço das investigações.
A CPI tem previsão de funcionamento até o dia 7 de agosto, mas os deputados podem requisitar a prorrogação do prazo.
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