O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do BNDES, deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), entregou nesta semana um relatório em que pede o indiciamento de 64 pessoas. Entre elas, estão os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ex-ministros e técnicos que analisaram as operações no governo e no BNDES. As acusações são de omissão na liberação de empréstimos para operações internacionais de empresas brasileiras.
O relatório avalia que entre 2003 e 2015 houve uma clara orientação do governo federal em se priorizar países africanos e da América Latina nos programas oficiais de incentivo às exportações de bens e serviços de engenharia. “O que aparentava ser apenas uma decisão de governo, fruto de legítima opção política que é dada a qualquer governante, foi, aos poucos, descortinando um grande suposto esquema de uso de recursos públicos para fins não republicanos”, diz o documento.
O relatório diz que a CPI confirmou informações divulgadas pela imprensa sobre a concentração de concessão de financiamento à exportação em poucas empreiteiras, em sua maioria investigadas na Operação Lava Jato, como a Odebrecht, e a suspeita de direcionamento político-partidário dos financiamentos a países cujos governos, à época, possuíam viés ideológico de esquerda.
O relator também afirma que a CPI “logo no início de seus trabalhos, deparou-se com diversos indícios de irregularidades no âmbito das operações de apoio do BNDES a empresas via mercado de capitais. Entre as informações divulgadas estão o direcionamento de aportes financeiros a determinados grupos e sociedades empresárias em razão de interesses políticos-partidários e pagamentos de propina”. Neste tópico, a suspeita é de que a JBS tenha sido favorecida de maneira irregular.
Núcleos de atuação no BNDES, segundo a CPI
A CPI do BNDES chegou à conclusão de que existiam cinco núcleos de atuação no esquema de irregularidades no âmbito do banco público. Os núcleos eram: político, externo, estratégico, econômico e operacional.
Esses núcleos, segundo o relatório, teriam uma atuação coordenada em duas grandes vertentes de atuação do BNDES. A primeira vertente era o financiamento à exportação de serviço de engenharia, via concessão de crédito para a contratação de empreiteiras brasileiras por governos de países estrangeiros.
A segunda vertente era o financiamento do processo de internacionalização de empresas brasileiras, por meio de operações de capitalização dessas empresas, efetivada por meio da aquisição de participações societárias, como no caso da JBS.
Núcleo político
Segundo o relatório, o núcleo político era formado pelos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e pelos ministros que os representaram nas negociações. Eles aparecem em três momentos:
- quando se articularam com membros do núcleo externo para a viabilização de grandes obras de engenharia no exterior ou de operações de apoio à JBS;
- quando persuadiram membros do núcleo estratégico, no sentido de que fossem atendidos os pleitos de financiamento ou de aportes de capital propostos pelos membros do núcleo econômico;
- quando se reuniram com membros do núcleo operacional para passar instruções e orientações sobre as suas prioridades.
Núcleo externo
O núcleo externo era composto pelos chefes de governo de países ideologicamente afinados com o grupo político que à época governava o Brasil, a exemplo de Cuba, Venezuela, Angola, Moçambique, Argentina e Equador.
A principal atribuição do núcleo era alimentar, em troca de propina, o suposto esquema criminoso com o oferecimento de grandes obras e serviços de engenharia em seus países.
Núcleo estratégico
O núcleo estratégico foi formado por agentes públicos e políticos que ocuparam posições de destaque em instâncias decisórias importantes dentro do esquema.
No caso das operações de financiamento à exportação de serviços de engenharia, esse núcleo estratégico foi formado dirigentes ou membros de órgãos decisórios da Câmara de Comércio Exterior (Camex), do Comitê de Financiamento e Garantias de Exportações (Cofig), da Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE), da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. (ABGF) e do Ministério da Fazenda (SAIN e STN).
Já no caso das operações de aporte de capital à JBS, esse núcleo estratégico foi formado por dirigentes ou membros de órgãos decisórios do BNDES e da BNDESPAR.
Segundo apurado pela CPI do BNDES, o núcleo estratégico foi o principal elo da suposta cadeia criminosa, uma vez que foi por meio deste que toda a engrenagem ilícita foi articulada.
Núcleo econômico
O núcleo econômico foi composto por grandes empresas brasileiras (e seus respectivos executivos e funcionários) interessadas em executar grandes projetos de engenharia no exterior ou adquirir companhias estrangeiras para alavancar os seus negócios. Entre as empresas estavam a Odebrecht, a JBS e a Bertin, por exemplo.
Os integrantes deste núcleo viabilizaram, mediante o pagamento de propina ou de fraude grandes contratos de obras e serviços de engenharia no exterior ou, ainda, aportes de capital para viabilizar a expansão ou a internacionalização de suas empresas.
Entre os 50 maiores tomadores de empréstimos do BNDES, estão a Odebrecht e a Braskem, com mais de R$ 20 bilhões tomados entre 2003 e 2015. No período investigado, a empreiteira pagou propina por obras em Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela, onde dezenas de projetos foram negociados em troca de pagamentos ilícitos.
Núcleo operacional
Já o núcleo operacional foi formado por agentes públicos ou políticos que atuaram, direta ou indiretamente, para interferir no atendimento e no andamento dos pleitos de financiamento ou de aporte de capital dentro do BNDES e da BNDESPAR.
Como funcionou o esquema, segundo a CPI do BNDES
O esquema funcionava em etapas, segundo o relatório da CPI. Inicialmente, membros do núcleo político se articulavam com membros do núcleo externo para a viabilização de grandes obras de engenharia no exterior. Paralelamente, membros do núcleo econômico, com o auxílio do núcleo político, viabilizavam os contratos para essas grandes obras de engenharia no exterior com membros do núcleo externo, mediante o pagamento de propina.
Vencida essa primeira etapa, membros do núcleo político persuadiam membros do núcleo estratégico, no sentido de que fossem atendidos os pleitos de financiamento propostos pelos membros do núcleo econômico.
Em uma terceira etapa, membros do núcleo econômico se articulavam com membros do núcleo estratégico, geralmente mediante o pagamento de propina, para que os pleitos de financiamento fossem aprovados.
Por fim, membros do núcleo econômico e membros do núcleo estratégico pressionavam membros do núcleo operacional para que os financiamentos fossem liberados. Além disso, havia momentos em que a mencionada “pressão” se dava pela interferência direta de membros do núcleo político.
Viagens de Lula e liberação de créditos
A CPI levantou a relação, com as datas, de operações de financiamento à exportação de serviços de engenharia que foram financiadas pelo BNDES em países da África e da América Latina. Chamou a atenção da CPI a “coincidência” dessas datas e operações com a agenda de viagens do o ex-presidente Lula.
“Segundo apurado pela CPI, o ex-presidente realizou uma infinidade de viagens internacionais entre os anos de 2003 e 2010, notadamente para os países da América Latina e da África, que, após sua 'mediação', passaram a oferecer oportunidades em série para grandes obras de engenharia a empreiteiras brasileiras – obras essas que viriam a ser financiadas pelo BNDES”, diz o relatório.
Após deixar o Palácio do Planalto, Lula visitou 30 países – 20 deles ficavam na África e na América Latina. “De igual modo, há uma infinidade de evidências sobre a 'coincidência' das viagens do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente aos países da América Latina e da África, entre os anos de 2003 e 2015, e as datas e contratos do suposto esquema criminoso ora investigado pela CPI do BNDES”, diz o relatório.
Para embasar as conclusões sobre os favorecimentos de empreiteiras mediante pagamento de propina, a CPI utilizou como meios de prova relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) que identificaram indícios de irregularidades em financiamentos à exportação de serviços de engenharia em geral.
O TCU também realizou auditorias em obras de geração e transmissão de energia elétrica; obras de infraestrutura urbana; obras rodoviárias; obras em portos e estaleiros, como o Porto de Mariel, em Cuba, e o Estaleiro Astialba, na Venezuela; e em procedimentos externos e internos do BNDES.
A CPI também se debruçou sobre irregularidades encontradas em investigações como a Lava Jato e Operação Janus.
Apoio do BNDES à JBS
No caso das operações com a JBS, o BNDES concedeu apoio via mercado de capitais. Isto é, o banco, deliberadamente, participou do capital da empresa, “de forma até bastante agressiva”, segundo o relatório da CPI, para apoiar sua estratégia de internacionalização.
A CPI chegou à conclusão de que “houve, de fato, o uso criminoso e político do BNDES e da BNDESPAR para o atendimento de pleitos por empréstimos e financiamentos, via participação acionária, em favor das empresas do grupo econômico J&F Investimentos S.A., especialmente a JBS S.A., no contexto de um suposto esquema de financiamentos de campanhas eleitorais e pagamentos de vantagens financeiras indevidas a agentes públicos e políticos”.
Nesse caso, no entanto, só participaram quatro núcleos de interesse investigativo: o núcleo político, o econômico, estratégico e o operacional.
A CPI se baseou em uma auditoria do TCU sobre operações realizadas pelo BNDES e pela BNDESPAR em benefício do grupo JBS/Friboi, que encontrou irregularidades.
Além disso, foram usadas como fundamento as auditorias do TCU sobre a operação de apoio para a compra da National Beef Packing Co. e Smithfield Foods Inc; sobre a operação de apoio à compra da Pilgrim’s Pride Corporation e à associação com a Bertin S.A; sobre a operação de apoio para a compra da Bertin S.A;
A CPI acredita que o argumento de suposto “atendimento de uma política de governo” serviu como um pretexto para que importantes grupos políticos obtivessem uma fonte de propinas para o financiamento de suas campanhas eleitorais. “Para se ter uma ideia, somente no âmbito do grupo econômico da J&F, cerca de R$ 1,4 bilhão foi destinado a agentes públicos e políticos, a título de contrapartida, em razão dos aportes de recursos do banco de fomento estatal em projetos apresentados por ele”, diz o relatório.
Como funcionou o esquema que beneficiou a JBS
Segundo apurado pela CPI, os membros do núcleo político se articularam com membros do núcleo econômico para a viabilização de grandes aportes de capital na JBS ou em empresas nas quais o grupo tinha interesse direto – e que veio, mais tarde, a incorporar.
A articulação ocorreu em encontros entre membros do núcleo político e membros do núcleo econômico, ou, ainda, por meio de trocas de recados e mensagens utilizando-se de outras pessoas. “Há fortes indícios de que esses compromissos com o grupo JBS S.A. se deram mediante a oferta ou o pagamento de vantagens pessoais e doações ao Partido dos Trabalhadores”, diz o relatório da CPI.
Depois da articulação, membros do núcleo político acionaram membros do núcleo estratégico, para que os pleitos de financiamento propostos pelos membros do núcleo econômico fossem aceitos.
Em seguida, membros do núcleo econômico se articulavam com membros do núcleo estratégico, para que os pleitos de financiamento fossem aprovados.
Por fim, os membros do núcleo econômico e membros do núcleo estratégico pressionavam membros do núcleo operacional para que as operações de aporte de capital fossem liberadas sem obstáculos. Para tanto, muitas vezes essa pressão se deu pela interferência direta de membros do núcleo político, segundo as investigações da CPI.
As conclusões do relatório apresentado por Côrtes ainda precisam passar por aprovação dos demais membros da CPI do BNDES. Além de Lula e Dilma, o relator pede o indiciamento dos ex-ministros Luiz Fernando Furlan, Celso Amorin, Roberto Rodrigues, Antônio Palocci, Guido Mantega; do ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho; e de empresários da Odebrecht, Braskem, JBS e Bertin.
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