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O impasse em torno do depoimento da diretora da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, que travou por horas a sessão da CPI da Covid do Senado nesta terça-feira (13), foi mais um exemplo das batalhas judiciais que têm afetado os trabalhos da comissão. Nas últimas semanas, a CPI convive com habeas corpus (HC), pedidos de silêncio e outras medidas judiciais adotadas por depoentes que levam a comissão a modificar de última hora sua agenda, suspender por tempo indeterminado as oitivas de algumas testemunhas e até readequar as linhas de investigação.
Na véspera do seu depoimento, Medrades conseguiu do Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de permanecer em silêncio diante de "perguntas que a incriminariam". A indefinição sobre quais questões se encaixariam nesta faixa levou a discussões entre senadores e os advogados da depoente. Ela se recusou até a responder uma pergunta sobre qual é o seu vínculo profissional com a Precisa.
Diante disso, a CPI foi até o STF para ouvir da Corte os limites do direito ao silêncio dado a Medrades. A indefinição fez com que o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), interrompesse a sessão ainda no começo da tarde desta terça e retomasse os trabalhos apenas no período da noite, após o presidente do STF, Luiz Fux, esclarecer melhor sua decisão, dando total liberdade à CPI para decidir se a depoente estaria abusando do direito de permanecer calada.
O silêncio "excessivo" de Medrades fez com que senadores cogitassem o pedido de prisão da depoente. Fabiano Contarato (Rede-ES) disse que a diretora da Precisa estaria descumprindo uma decisão judicial, já que o direto ao silêncio concedido a ela não era absoluto. A ameaça de prisão foi o que esteve no radar dos defensores de Medrades.
O depoimento dela será retomado nesta quarta-feira (14), junto com o do empresário Francisco Emerson Maximiano, sócio-administrador da Precisa — a empresa atuou como intermediadora na compra da vacina indiana Covaxin, alvo de suspeita de irregularidades. Mas mesmo Maximiano poderá escolher o que dizer à comissão para não se autoincriminar, segundo o último HC concedido pelo STF.
Risco de prisão na CPI
Ao longo destes mais de dois meses de atividade, a CPI determinou a prisão de um único depoente: Roberto Ferreira Dias, servidor que respondia pelo Departamento de Logística do Ministério da Saúde. A reclusão foi indicada pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), que entendeu que Dias mentiu à CPI durante sua fala. Entre outros elementos, Dias disse que havia se encontrado por acaso com Luiz Paulo Dominguetti, que tentava vender vacinas ao governo brasileiro; mas áudios apreendidos no celular de Dominguetti indicaram o oposto.
A prisão de Dias chegou a ser contestada até mesmo por senadores contrários ao governo do presidente Jair Bolsonaro, que viram arbitrariedade de Aziz na medida. De todo modo, a reclusão reforçou um sinal amarelo sobre a CPI tanto por parte dos depoentes quanto dos senadores. Os depoentes passaram a encarar a prisão como um fato possível, algo que parecia distante no início dos trabalhos do colegiado — em maio, o ex-chefe da Secretaria de Comunicação Fábio Wajngarten foi acusado de mentir à CPI e viu o relator Renan Calheiros (MDB-AL) pedir sua detenção, mas a ideia foi rechaçada por Aziz.
Já os senadores se veem obrigados a rever estratégias para evitar "excessos" contra os alvos da CPI e eventuais derrubadas prévias dos depoimentos.
Relembre casos de pedidos para silêncio ou de não comparecimento de testemunhas à CPI da Covid, e os impactos de cada medida.
Eduardo Pazuello
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello deveria ter sido uma das primeiras testemunhas a serem ouvidas pela CPI da Covid. A oitiva com ele foi agendada inicialmente para o dia 5 de maio. Pazuello, porém, alegou que precisaria cumprir quarentena por ter estado próximo de pessoas que contraíram o coronavírus e sua oitiva foi reagendada para os dias 19 e 20 daquele mês.
Antes de ir à comissão, porém, o ex-ministro conseguiu do STF um habeas corpus que lhe garantiu o direito de não responder a perguntas que o incriminariam, bem como a garantia de que ele não seria preso pela comissão. Pazuello acabou optando por ir à CPI e responder todos os questionamentos, mas senadores avaliaram que parte das respostas pode ter sido mentirosa.
Mayra Pinheiro
Depoente no dia 25 de maio, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, não teve a mesma sorte de Pazuello. Ela também buscou no STF o direito ao silêncio e a não comparecer à comissão, o que foi negado pelo ministro Ricardo Lewandowski. Na ocasião, o magistrado alegou que as circunstâncias de Pazuello e Pinheiro eram diferentes, uma vez que o ex-ministro era investigado pela CPI, o que não se aplicava à médica.
Pinheiro foi à CPI e respondeu principalmente sobre sua adesão ao chamado "tratamento precoce" contra a Covid-19. À época, a CPI tinha como principal foco de investigação o "gabinete paralelo", estrutura que auxiliaria o presidente Jair Bolsonaro com diretrizes de combate à pandemia que são contrárias às indicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Wilson Lima
O governador do Amazonas era esperado para falar à CPI no dia 10 de junho. Sua oitiva abordaria principalmente o colapso vivido no estado no início do ano, quando milhares de pessoas morreram em virtude do coronavírus. Poucas horas antes do depoimento, porém, Lima recebeu do STF o direito ao silêncio. Com isso, a CPI cancelou a oitiva.
A suspensão da sessão com Lima fez com que a CPI fosse obrigada a rever uma estratégia lançada ainda no fim de maio, a de aprofundar as investigações sobre denúncias de corrupção envolvendo os governos estaduais. Além de Lima, a CPI havia aprovado a convocação dos governadores do Distrito Federal e de sete estados: Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Tocantins e Piauí.
Os pedidos ainda estão em aberto, mas a presença dos governadores é cada vez mais improvável.
Wilson Witzel
Ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) chegou a comparecer à CPI no dia 16. Mas foi ao colegiado munido de um habeas corpus que dava a ele o direito de ficar em silêncio. Mais que isso: a decisão judicial o permitia não comparecer à CPI, ou de deixar a sessão na hora que lhe interessasse.
E foi o que Witzel fez. Ele foi à reunião, fez seu pronunciamento inicial e até respondeu algumas perguntas dos senadores. Porém, poucas horas depois do começo da fala usufruiu do seu direito e deixou a sala da comissão. A medida foi contestada pelos parlamentares, mas o presidente da CPI, Omar Aziz, disse que nada poderia ser feito.
Alexandre Figueiredo Costa Marques
O nome do auditor, servidor do Tribunal de Contas da União (TCU), entrou no radar da CPI — e no noticiário nacional — após o presidente Jair Bolsonaro ter dito que um relatório da corte indicaria que 50% das mortes registradas por Covid-19 no Brasil em 2020 tinham, na verdade, outras causas.
Bolsonaro acabou recuando da declaração. Mas um documento elaborado por Marques foi identificado como o pretexto para a fala do presidente. Seria um texto feito de modo unilateral pelo auditor, sem respaldo de outros membros do TCU ou da instituição como um todo.
Marques teve seu depoimento agendado para o dia 17 de junho. Mas obteve o direito ao silêncio e, em virtude disso, a CPI disse que buscaria uma nova data para a oitiva — o que até agora não ocorreu.
Carlos Wizard Martins
A sessão com o empresário Carlos Wizard Martins foi uma das mais controversas da CPI. Não apenas pelo que houve no plenário, mas também pelos antecedentes. Wizard adiou o seu depoimento e pediu para ser ouvido à distância, o que foi negado pela CPI. Quando finalmente esteve no Senado, usufruiu do direito ao silêncio, abrindo exceção apenas para o pronunciamento inicial e para uma rápida explicação sobre o período em que foi filiado ao PSDB.
Cristiano Carvalho
O representante da Davati Medicamentos pediu à CPI o silêncio na última sexta-feira (9). A comissão ainda não confirmou a data de sua fala; ainda assim, Carvalho já buscou a medida.
Ele foi citado pelo senador Omar Aziz como o "mentor" do esquema relatado à comissão por Luiz Dominguetti e Roberto Dias, que consistiria em vender vacinas ao governo brasileiro com a cobrança de propinas.