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O ex-ministro Ernesto Araújo minimizou durante seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid os atritos que manteve com a China durante sua passagem pelo Ministério das Relações Exteriores. Isolado, Araújo buscou responsabilizar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por decisões tomadas pela sua pasta durante a condução da pandemia. O depoimento segue em andamento.
Ainda nas suas falas iniciais, Araújo frisou que o Itamaraty atuou em consonância com outras pastas do governo federal, em especial o Ministério da Saúde. "Antes de mais nada, eu gostaria de destacar que o Itamaraty atua e atuou como parte do Governo Federal, dentro da sua esfera legal de competências, em coordenação com outras pastas, nesse caso, muito especialmente, o Ministério da Saúde, e não de maneira avulsa ou autônoma", frisou.
Sobre as diversas declarações dadas sobre a China, entre elas o uso do termo "comunavírus" e da expressão "covidismo", Araújo negou que elas tenham atrapalhado a relação do Brasil com o país asiático. “Não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito como antichinesa. Não houve nenhuma que se possa qualificar como antichinesa. Não houve impacto”, disse Ernesto Araújo.
O ex-ministro afirmou que o Itamaraty acompanhou os trâmites burocráticos dos insumos para as vacinas, mas não foi identificada nenhuma correlação com o atraso dos insumos com declarações do governo brasileiro. Apesar disso, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), acusou Araújo de mentir para o colegiado.
"Dizer que o senhor nunca se indispôs com a China, o senhor está faltando com a verdade. Falou em 'comunavírus'. Até bateu boca com o embaixador chinês”, lembrou Aziz.
Ainda nas relações internacionais, o ex-chanceler admitiu que, apesar da aproximação do presidente Jair Bolsonaro com o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump, não houve facilitação na importação de vacinas. "O governo Trump proibiu totalmente a exportação de vacinas. Uma barreira para a cooperação de qualquer país com relação às vacinas", afirmou.
Responsabilização do ex-ministro da Saúde Pazuello
O depoimento de Ernesto Araújo na CPI ocorre cerca de dois meses depois da sua demissão do ministério das Relações Exteriores. O chanceler deixou o cargo após pressão por parte de senadores, que acusavam Araújo de travar a importação de insumos e vacinas para o Brasil.
"O presidente Jair Bolsonaro me manifestou que havia surgido, a partir de determinados fatos, dificuldades que poderiam dificultar relações com Senado e pediu que colocasse o cargo à disposição”, afirmou Araújo.
Questionado pelo relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre a aquisição de medicamentos como a cloroquina, Araújo admitiu que o Ministério das Relações Exteriores atuou para ajudar o Ministério da Saúde. “Naquele momento, março, havia uma expectativa de que houvesse eficácia com o uso da cloroquina, não só no Brasil, mas no mundo. Os estoques de cloroquina baixaram e ajudamos a viabilizar. É um remédio necessário, usado para outras doenças crônicas, e o estoque havia baixado”, explicou o ex-chanceler.
Calheiros perguntou se o Itamaraty recebeu alguma relação de hospitais que faziam testes com cloroquina e Araújo citou testes no Hospital Prevent Senior, em São Paulo. “Mas na minha atribuição não recebi uma relação de testes realizados”, declarou.
Em outro momento, o ex-chanceler também transferiu para o Ministério da Saúde, sob a gestão do ex-ministro Eduardo Pazullo, a responsabilização pela opção do Brasil compar apenas 10% e não 50% das vacinas do consórcio Covax Facility. “Jamais fui contra (o consórcio), o Itamaraty esteve atento desde abril de 2020, assim que o Covax tomou forma, em julho, assinei carta para o gestor do consórcio dizendo que o Brasil tinha interesse em entrar. O contrato ficou pronto em setembro e assinamos naquele momento”, afirmou Araújo.
A adesão do Brasil ao consórcio foi anunciada no dia 24 de setembro pelo então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. A iniciativa da OMS para o fornecimento de vacinas para o mundo resultou na aquisição de 2,9 milhões de doses para os brasileiros.
Ainda na conta do Ministério da Saúde, Araújo afirmou disse que tinha conhecimento da carta enviada ao governo brasileiro em setembro do ano passado pela Pfizer, na qual o CEO da empresa, Albert Bourla, alertava que havia uma proposta de venda de vacinas ao Ministério da Saúde, sem resposta por parte do Brasil. Araújo relatou que "talvez" no dia 14 de setembro, dois dias após o envio da correspondência, foi informado sobre o documento pelo Embaixador do Brasil para os Estados Unidos, Nestor Foster, um dos destinatários da carta.
"Embaixador fez telegrama informando sobre esse documento", disse. Segundo ele, o telegrama mencionava que a carta já era de conhecimento direto do Ministério da Saúde, a quem caberia a "centralização da estratégia de vacinação", afirmou Ernesto Araújo.
Ernesto Araújo fica isolado na CPI da Covid
Chamou a atenção nesta primeira parte do depoimento a ausência do senador Ciro Nogueira (PP-PI), integrante da base governista. Durante esta primeira parte do depoimento, nenhum senador atuou para frear os questionamentos por parte da oposição.
"É 7 a 0", admitiu o vice presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), numa referência aos sete depoimentos tomados até agora pela CPI que, em sua visão, foram péssimos para o governo.
Opositora do ex-ministro, a senadora Katia Abreu (PP-TO) aproveitou para acusar Araújo de provocar um “naufrágio”, na política internacional. "O senhor é um negacionista compulsivo, omisso. O senhor no MRE (Ministério das Relações Exteriores) foi uma bússola para o caos, para o naufrágio da política internacional", disse.
Ernesto depõe à CPI da Covid; assista ao vivo na Gazeta do Povo!