Ouça este conteúdo
O vice-presidente da CPI da Covid do Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a comissão deve entrar em uma "terceira fase". Segundo o parlamentar, essa nova etapa terá como foco suspeitas de corrupção que envolvem o governo federal e empresas privadas no combate à pandemia de coronavírus. Já o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), disse na sexta-feira (18) que a CPI tentará investigar diretamente o presidente Jair Bolsonaro.
Renan e Randolfe mencionaram, em relação a Bolsonaro, a ideia de investigar a possibilidade de o presidente e seu entorno terem cometido a advocacia administrativa – isto é, quando um agente público age de forma a privilegiar um ente privado. No caso, a suspeita é sobre favorecimento a empresas farmacêuticas, por causa da defesa que Bolsonaro faz ao uso da cloroquina no combate à Covid-19.
"A CPI acabou, a partir da dinâmica das investigações, entrando numa terceira fase. Nós pensávamos que era somente negacionismo da ciência, fetiche pela hidroxicloroquina, pensávamos que era só isso. Nós estamos descobrindo que teve um 'cumpliciamento' criminoso entre agentes privados e agentes públicos", declarou Randolfe.
Outro possível foco é saber se o governo teria atuado para beneficiar a empresa Precisa Medicamentos, representante no Brasil da vacina indiana Covaxin.
Senadores independentes e da oposição na CPI afirmam haver indícios de que o governo brasileiro deu um tratamento diferenciado nas negociações para a compra da Covaxin e que o preço seria maior do que numa compra direta da Índia, pois a Precisa ficaria com uma comissão pelo fechamento do contrato. A CPI vai ouvir nesta quarta (23) Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa.
Politicamente, a estratégia de independentes e oposicionistas da CPI em investigar casos de suposta corrupção do governo federal contribuiria para enfraquecer o discurso dos governistas de que a comissão não apura casos de desvios de dinheiro destinado ao combate à pandemia (por governos estaduais e prefeituras) – o que seria uma das principais causas do elevado número de mortos no Brasil.
As duas primeiras fases da CPI são a que investigou se o governo priorizou a compra de medicamentos como a cloroquina em vez de vacinas contra a Covid; e a que apura a atuação do suposto "gabinete paralelo" de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, que teria esvaziado a autonomia do próprio Ministério da Saúde.
CPI poderá ter menos "novela" e mais análise de dados e briga no STF
Também nesta sexta-feira (18), o senador oposicionista Humberto Costa (PT-PE) disse que a CPI não é "novela" para "ter emoção todo dia". O parlamentar fez a declaração como resposta à ideia de que a comissão teria perdido força por ter registrado depoimentos mais "mornos" nos últimos dias, em contraposição aos registrados nas semanas anteriores.
A audiência com os médicos Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves, também na sexta, foi boicotada pelos oposicionistas e acabou esvaziada.
No dia anterior, o habeas corpus pelo auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Alexandre Marques e a ausência do empresário Carlos Wizard Martins levaram o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), a cancelar os trabalhos do colegiado. Marques foi o autor do relatório negado pelo TCU que indicou que o país teria menos mortos por Covid do que o oficial; e Wizard é apontado como integrante do suposto gabinete paralelo de aconselhamento de Bolsonaro nas ações contra a Covid.
Humberto Costa alegou que os membros da CPI não devem se focar apenas nos depoimentos com as testemunhas, e precisam também se dedicar à análise dos documentos coletados pela comissão. Até o momento, a CPI já tem mais de um terabyte de informações recolhidas. O montante corresponde a dados enviados por ministérios, por outros órgãos públicos e mesmo entes privados que responderam às requisições de informações feitas pelos parlamentares.
Além da análise de documentos, outro foco de batalha "extra-plenário" que deve marcar a CPI nas próximas semanas é a análise jurídica que norteará a capacidade de investigação.
Os senadores esperam um aval do Supremo Tribunal Federal (STF) para saberem se podem avançar sobre Bolsonaro e sobre os governadores. "Podemos investigá-lo diretamente?", questionou Renan. O emedebista declarou que, se o Judiciário der aval para a apuração, "nós vamos investigar sim". Ele afirmou que a comissão estuda enviar questionamentos por escrito a Bolsonaro. Renan também disse que a sua lista de testemunhas que foram transformadas em investigados "será atualizada semanalmente", de acordo com os desdobramentos da comissão.
Em relação aos governadores, os senadores também se disseram à espera do que o STF dirá a respeito. O impasse se dá pelo fato de que tanto Constituição quanto o regimento do Senado determinam que CPIs não podem investigar assuntos relacionados aos estados.
Porém, no caso atual há o questionamento se a apuração pode avançar porque a discussão é acerca de verbas federais repassadas a estados e municípios.
Nem todas as mudanças de rumo anunciadas pela CPI ocorreram
A "terceira fase" da CPI da Covid prometida por Randolfe Rodrigues é anunciada em um momento em que a comissão chega perto de seus dois meses de trabalhos. Lançada no dia 27 de abril, a CPI até agora ouviu 19 pessoas – desde o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a ex-ministros, outros integrantes do governo, pessoas ligadas ao governo e cientistas.
E, ao longo desse período, a CPI viu diferentes identidades atribuídas a ela. Foi a "CPI da Cloroquina" na primeira fase e a "CPI do Gabinete Paralelo" na segunda etapa – que ainda terá depoimentos com esse foco nesta semana. Houve ainda um ensaio de senadores independentes e de oposição para transformá-la na "CPI da Copa América" – o que acabou não ocorrendo.
Já para os apoiadores do presidente Bolsonaro, tem sido a "CPI da Blindagem", pelo fato de o colegiado não ter avançado nas investigações sobre denúncias de corrupção envolvendo prefeitos e governadores.
Mudanças de rumo, como a anunciada por Randolfe, chegaram a ser prometidas tanto por governistas quanto por oposicionistas, sem sucesso. Por exemplo, em 26 de maio o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), adversário do Palácio do Planalto, disse que a CPI entraria em uma "fase 2", com investigações sobre governadores – o que não se efetivou. Na mesma data, o governista Jorginho Mello (PL-SC) disse ter a expectativa de ver as discussões sobre cloroquina saindo do radar da comissão. Mas, na última sexta-feira (18), o foco da CPI foi justamente a cloroquina, com a presença de dois médicos favoráveis ao tratamento precoce.
Paralelamente a esses depoimentos da sexta, Renan Calheiros anunciou a lista de 14 pessoas que a comissão transformará de testemunhas a investigados, e que poderão figurar como indiciados no relatório final da CPI.
O prazo final para que a investigação se encerre é 9 de agosto. O senador Renan disse que estuda pedir ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para que a comissão não pare enquanto a casa estiver em recesso, o que está previsto para ocorrer entre 18 e 31 de julho. É possível que os membros da CPI peçam a prorrogação dos trabalhos, se houver interesse dos integrantes.
"Gabinete paralelo" e impasse por vacinas são maiores "descobertas"
A comissão terá, respectivamente na terça e quinta-feira desta semana (dias 22 e 24), o depoimento do deputado Osmar Terra (MDB-RS) e do assessor internacional da Presidência Filipe Martins. Ambos são mencionados como alinhados ao "lado ideológico" do Palácio do Planalto. Osmar Terra é visto como um dos principais expoentes do "gabinete paralelo".
A descoberta do suposto "gabinete paralelo" foi uma das primeiras realizações da CPI e é tida por senadores de oposição e independentes como uma das mais importantes obtidas pelo colegiado.
A menção à estrutura apareceu logo no primeiro depoimento da comissão, o do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que ocorreu em 4 de maio. Na ocasião, entre outras informações, Mandetta falou sobre uma reunião em que pessoas externas ao governo manifestaram interesse em modificar a bula da cloroquina para incluir no texto que o remédio era eficaz contra a Covid-19, o que foi rechaçado por ele e pelo diretor da Anvisa, Antônio Barra Torres.
A existência do suposto "gabinete paralelo" foi reforçada por outros depoimentos ocorridos na CPI, como o da médica Nise Yamaguchi, feito em 1.º de junho. Embora ela tenha negado a existência da estrutura, confirmou que teve alguns encontros com o presidente Bolsonaro e que foi a Brasília como "colaboradora eventual" do Ministério da Saúde. O depoimento do executivo da farmacêutica Pfizer Carlos Murillo também alimentou a especulação, quando ele confirmou a presença do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, em uma reunião em que se discutiu a compra de vacinas.
A aquisição dos imunizantes, aliás, tem sido outro dos principais focos de investigação da comissão. O depoimento de Murillo e outras informações coletadas pelos senadores indicaram aos parlamentares da oposição que o governo federal retardou a compra de vacinas. A fala do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, reforçou o indicativo, ao expor que a instituição pediu auxílio do Ministério da Saúde para desenvolver a produção de vacinas e não foi atendida.
Senadores governistas, entretanto, alegam que a gestão Bolsonaro fez o que estava em seu alcance para garantir a imunização da população. Eles apresentaram dados do início da vacinação em outros países para dizer que o "atraso" do Brasil não seria tão expressivo. E também alegaram que a politização do tratamento precoce impediu que mais vidas fossem salvas.