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O pedido da Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar o ministro Dias Toffoli por suspeita de venda de decisões judiciais reforçou a mobilização de alguns senadores que tentam resgatar a proposta de uma CPI da Lava Toga. A abertura dessa Comissão Parlamentar de Inquérito foi sugerida em 2019, no Senado, para apurar possíveis irregularidades no Poder Judiciário. O pedido chegou a superar as 27 assinaturas que o Regimento da Casa exige para o estabelecimento de uma CPI, mas a ideia enfrentou muita resistência e acabou engavetada.
Segundo o senador Lasier Martins (Podemos-RS), um dos principais defensores da investigação de juízes, o principal motivo do abandono da pauta naquela ocasião foi a oposição do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Associado ao Palácio do Planalto e ao próprio STF, na época presidido por Toffoli, Alcolumbre se recusou a instalar a CPI da Lava Toga, alegando não haver fato determinado para a investigação. Considerava o escopo da investigação — irregularidades no Poder Judiciário — muito amplo.
Em fevereiro, com a chegada de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à liderança do Senado, Martins diz que membros do grupo Muda, Senado, como Eduardo Girão (Podemos-CE), Soraya Thronicke (PSL) e ele próprio, chegaram a fazer uma reunião com o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do pedido de abertura da CPI da Lava Toga feito no Senado em 2019. O objetivo era reavivar o assunto e reabrir a discussão no Congresso.
Em abril deste ano, a hipótese do retorno da Lava Toga ganhou mais corpo com a ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que mandou o Senado instalar a CPI da Covid, a contragosto de Pacheco e da base governista. Alguns parlamentares consideraram a medida uma intromissão do Judiciário no Legislativo, e a possibilidade da CPI da Lava Toga ressurgiu como uma possível resposta do Congresso ao STF.
Agora, a investigação contra Toffoli seria o "fato determinado" ausente no passado e o ponto de partida que faltava para o Senado abrir a Comissão Parlamentar de Inquérito. Para Lasier Martins, o número de adesões à CPI pode ser até maior diante dos últimos acontecimentos.
Reapresentar a proposta de CPI da Lava Toga não é tão simples
Mas há alguns problemas para se contornar. É quase consenso que uma CPI da Lava Toga dificilmente poderia ocorrer de forma concomitante à CPI da Covid. Do ponto de vista regimental, isso não seria impossível, já que as regras do Senado impõem um limite de cinco comissões de inquérito simultâneas. Mas, na prática, a instauração de duas grandes CPIs ao mesmo tempo tenderia a congestionar as atividades da Casa.
Além disso, para a instauração da CPI da Lava Toga, as justificativas apresentadas em 2019 não valeriam mais, já que aquela proposta foi arquivada por Alcolumbre. “Como ele arquivou, todos os motivos que nós alegávamos antes não servem mais para pedido de outra CPI. Tem que ter novos dados. Esse é o problema. Os fatos que nós alegávamos anteriormente, depois de arquivados, já não servem”, lamenta o senador Marcos do Val (Podemos-ES).
A expectativa é que a Polícia Federal seja liberada aprofundar as investigações e, com isso, trazer novas informações que possam respaldar um novo pedido, com motivações diferentes. Mas os defensores da CPI da Lava Toga têm se mostrado pouco otimistas quanto à liberação da investigação — o ministro relator do caso, Edson Fachin, já disse que não na sexta-feira (14). Mas a palavra final ainda caberá ao plenário do STF.
Do Val diz que há uma quantidade considerável de parlamentares favoráveis à CPI da Lava Toga, mas também existe uma forte oposição. “Muitos, como respondem a algum processo no STF, não vão querer fazer um movimento desse, porque temem que o seu processo ganhe velocidade. São mais os novos senadores, que chegaram recentemente no Senado, que estão nesse movimento (a favor da CPI).”
Os conflitos internos do Muda, Senado, que era o principal proponente da comissão, podem ser outro empecilho para a CPI da Lava Toga. O grupo nasceu em 2019, impulsionado pela onda da ideia de renovação política das eleições de 2018, mas perdeu coesão de lá para cá.
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Entenda a suspeita contra Toffoli que motivou pedido de inquérito da PF
O pedido da Polícia Federal para abrir inquérito contra Dias Toffoli veio à tona no dia 11 de maio e se baseia na delação premiada do ex-governador do Rio Sérgio Cabral. O ministro do STF foi acusado de receber R$ 4 milhões para ajudar dois prefeitos do estado do Rio de Janeiro em processos que tramitavam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Toffoli atuou na Corte Eleitoral de 2012 a 2016.
De acordo com o delator, os pagamentos teriam sido efetuados pelo ex-secretário de obras do Rio Hudson Braga, por meio do escritório da advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli. Segundo a PF, há indícios de venda de decisão judicial.
Em um dos casos apurados pela Polícia Federal, Toffoli mudou o próprio voto e acabou favorecendo o então prefeito de Volta Redonda (RJ), Antônio Francisco Neto (MDB), durante julgamento sobre a cassação do político em uma ação por abuso de poder político e econômico.
Na época, após decisão desfavorável na instância estadual, Francisco Neto recorreu ao TSE para tentar a absolvição. No dia 7 de abril de 2015, Toffoli votou contra um recurso especial apresentado pela defesa do prefeito, desempatando a votação e mantendo sua cassação, por 4 votos a 3.
Dois meses depois, no dia 23 de junho, o ministro mudou a própria decisão quando os advogados de Francisco Neto apresentavam os embargos de declaração e, mais uma vez, acabou desempatando a votação, porém, dessa vez em favor do político, surpreendendo quem estava presente na sessão.
Em nota divulgada pelo STF, Toffoli disse "não ter conhecimento dos fatos mencionados e disse que jamais recebeu os supostos valores ilegais". O ministro também refutou a possibilidade de ter atuado para favorecer qualquer pessoa no exercício de suas funções.
O pedido de investigação da PF foi endereçado ao ministro Edson Fachin, que homologou o acordo de colaboração premiada de Cabral em fevereiro de 2020.
Três dias depois de o caso vir a público, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou de forma contrária à abertura de qualquer investigação com base na delação do ex-governador do Rio. “O documento enviado ao Supremo reforça que Sérgio Cabral dá mostras de falta de boa-fé e de lealdade ao apresentar, mais de um ano após a homologação de seu acordo, novos relatos que a PF denominou de narrativas complementares”, diz trecho da nota assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros.
“Para a PGR, o método adotado abre espaço para que o colaborador faça novas afirmações e acusações em momentos que julgar oportuno”, diz. O ex-governador fluminense já foi condenado a penas que ultrapassam 340 anos de prisão.
Após o pedido da PF, a primeira providência do ministro Edson Fachin foi liberar para julgamento no plenário virtual do STF, no próximo dia 21, um recurso da própria PGR que já contesta a validade da colaboração premiada de Sérgio Cabral. Na prática, os ministros do Supremo vão decidir se mantêm a delação ou se a rejeitam. Os ministros têm até o dia 28 de maio para incluir seus votos no sistema do plenário virtual.
Se rejeitarem a denúncia de Cabral, o gesto pode passar uma ideia de protecionismo entre os ministros e servir de munição para os defensores da CPI da Lava Toga.