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A busca por mais transparência na gestão dos recursos do Fundo Amazônia e a repressão a práticas do Ministério Público (MP) consideradas "abusivas" estão entre as propostas apresentadas no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito das Organizações Não Governamentais (CPI das ONGs). Além destas, os senadores da comissão estão propondo leis para cobrar mais transparência sobre a atuação das ONGs na Amazônia e para limitar a influência destas entidades em órgãos do poder público.
Como resultado dos trabalhos do colegiado, houve ainda o pedido de indiciamento do presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Oliveira Pires, por crime de corrupção passiva e por improbidade administrativa com suspeita de enriquecimento ilícito.
Antes de começar a tramitar, as propostas legislativas apresentadas precisam ser aprovadas, junto do relatório da CPI das ONGs. Depois disso, passam a ser analisadas pelas comissões competentes no Senado, para só depois seguir para a Câmara e posteriormente à sanção, quando passam a valer como lei.
Confira a seguir as propostas legislativas que constam no relatório da CPI, apresentado nesta semana.
Transparência para o Fundo Amazônia
O Fundo Amazônia foi criado e regulamentado por meio de decreto em 2008, e não há nenhuma lei sobre ele que tenha passado pelo aval do Congresso Nacional. A gestão dos recursos é feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as doações geralmente são feitas por governos de outros países, em especial Noruega e Alemanha, sendo a Petrobras a única empresa que já fez doação para o fundo.
O relatório da CPI apontou uma série de falhas e a falta de transparência sobre os recursos do Fundo Amazônia. A comissão relata, por exemplo, ter identificado deficiências no detalhamento dos gastos, na comprovação de atividades realizadas, destinatários de transferências bancárias e finalidade de despesas.
Outro ponto apontado como problemático na comissão diz respeito ao fato de o Fundo Amazônia não ser classificado como um “público” e que, portanto, não se submete à legislação específica. O relator da CPI, senador Márcio Bittar (União-AC), afirmou que “não foi possível identificar o enquadramento dos recursos oriundos do Fundo Amazônia como sendo de natureza jurídica pública ou privada”.
A CPI das ONGs apontou ainda que, em auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), foi possível encontrar falhas no acompanhamento da execução contratual e falhas no controle interno do BNDES, que descumpririam normas do próprio banco. Um exemplo citado foi a ausência do Fundo Amazônia no programa de auditoria interna do BNDES entre 2015 e 2017.
Tendo isso em vista, o relator propôs um projeto de lei que visa estabelecer normas gerais, classificando o Fundo Amazônia como uma associação civil. O objetivo da medida, segundo o senador, seria “destinar o valor das doações recebidas em espécie para a realização de aplicações não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, bem como promoção da conservação e uso sustentável da Amazônia Legal”.
“O projeto que apresentamos estabelece normas gerais para funcionamento do Fundo, definindo sua personalidade jurídica, seu objetivo, tipos de projetos que podem ser financiados, detalhes sobre o diploma emitido aos doadores, deveres do responsável pela execução do projeto. Muitas das regras de transparência incorporadas ao projeto estão em linha com recomendações do Tribunal de Contas da União ao BNDES na gestão de recursos do Fundo Amazônia", pontuam o relator e o presidente da CPI das ONGs na proposta apresentada no relatório.
Atuação "abusiva" do Ministério Público
A atuação do Ministério Público Federal (MPF) em obras de infraestrutura na região Norte também foi questionada ao longo da CPI e se tornou foco de uma proposta legislativa dos senadores. A ideia é apresentar um projeto de lei voltado a limitar o "uso abusivo de ações civis públicas que se tem constatado frequentemente em nosso país".
A conclusão sobre a postura considerada "abusiva" pelos senadores vem de um entendimento do colegiado de que as ações do MP têm sido pautadas por ONGs ambientais, sendo contrárias aos "interesses de desenvolvimento nacional". "Uma das maiores provas desse ajuste está no fato de que o próprio presidente da ANPR [Associação Nacional dos Procuradores da República] é membro do conselho fiscal de uma ONG”, aponta o documento.
A CPI apontou, por exemplo, que o MPF estaria dando ênfase para inquéritos, ações civis ou criminais apresentadas por ONGs, ao passo que as irregularidades praticadas por ONGs estariam sendo “deixadas de lado”. “Esses dados demonstram que o alinhamento praticamente completo do Ministério Público às ONGs representa a doutrinação que tem prevalecido nas faculdades de direito pelo país afora”, reforça o relatório.
O projeto de lei encampado por senadores da CPI das ONGs busca atribuir aos órgãos colegiados dos respectivos Tribunais a competência para o processamento e julgamento de ações que tratem de obras estruturantes, evitando que decisões individuais paralisem as construções. Pela proposta, também passará a haver um prazo máximo para o fim de inquéritos civis.
O condicionamento da concessão de medida liminar à análise das consequências práticas da decisão, à avaliação do seu impacto sobre a população afetada e ao interesse público é outro ponto destacado na proposta.
Quarentena para servidores ligados a ONGs e PEC para limitar novas áreas de conservação
A CPI apresentou ainda a minuta de um projeto de lei que pretende cobrar mais transparência e responsabilização na prestação de contas das ONGs. A proposta impede que servidores públicos ligados a ONGs participem em órgãos de direção e fiscalização dessas entidades e impõe uma quarentena para que os recém desvinculados das ONGs possam assumir tais funções.
O relatório da CPI faz também menção a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para prever que a criação de novas unidades de conservação somente possa ser feita por lei, propiciando uma participação efetiva da sociedade brasileira nessas discussões. A PEC, no entanto, ainda não foi apresentada por não ter o número mínimo de assinaturas necessárias.
Outra proposta apresentada no relatório da CPI das ONGs diz respeito a criação de uma comissão permanente para tratar de assuntos relacionados à região amazônica. Se aprovada, a comissão pode se tornar a 18ª em funcionamento no Senado Federal. A Câmara dos Deputados tem 30 comissões permanentes atualmente. Uma das mais recentes é a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais que é comandada pela deputada indígena Célia Xakriabá (Psol-MG).
O relatório da CPI das ONGs também traz uma proposta que trata da concessão de licenças ambientais e outra que pretende regulamentar atividades econômicas em terras indígenas.