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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que aguarda instalação na Câmara dos Deputados, pode influenciar nas eleições municipais de São Paulo se investigar também o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. O chamado MTST é coordenado e historicamente ligado ao deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), que deve ser o candidato apoiado pelo PT no pleito.
Um dos maiores defensores da ideia de expandir as investigações sobre o MST e chegar também ao MTST e à Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) é o deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP). Ele é o nome mais cotado para assumir a relatoria da CPI e também busca indicação para concorrer à prefeitura de São Paulo.
Enquanto aguardam a instalação da CPI, oposição e governo buscam fortalecer suas narrativas e estratégias para os trabalhos. O PT buscará proteger o MST e deve reforçar a tese de que não há fato determinado para as investigações. Já a oposição pretende focar não só nas invasões de terras no meio rural, mas também em movimentos que coordenam invasões em áreas urbanas.
O deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP) é o mais cotado para assumir a relatoria da CPI. Ele vem afirmando que pretende incluir outros movimentos nas investigações. Caso isso ocorra, a CPI do MST passaria a se chamar CPI das Invasões.
Salles é autor de um dos requerimentos que deu origem à CPI do MST. No documento, ele apontou preocupação com os crimes de invasão cometidos também nas cidades. “Não bastasse o cometimento desses crimes no campo, o que assistimos e muito nos preocupa é a defesa dessas práticas criminosas pelos atuais gestores, que virá a fomentar as invasões à propriedade privada não só no campo, mas também nas cidades”, enfatiza o deputado paulista.
Outros dois requerimentos foram apresentados pelos deputados federais - Tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS), Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Ricardo Salles (PL-SP). Por fim, eles se uniram para atingir as 171 assinaturas necessárias. O requerimento do deputado Zucco acabou sendo protocolado ao alcançar 172 assinaturas e por isso ele é cotado para presidir o colegiado.
Inclusão do MTST na CPI mira Boulos e a prefeitura de São Paulo
Em entrevistas recentes, Salles disse que “a versão urbana do MST é o MTST, de onde o Boulos cresceu”. A afirmação antecipa os embates da CPI, caso se confirme também a indicação do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) na composição do colegiado. Boulos é coordenador nacional do MTST.
Além do embate na CPI, Salles e Boulos podem protagonizar a disputa pela prefeitura de São Paulo nas próximas eleições. Boulos já concorreu ao cargo em 2020 e Salles busca a indicação para concorrer pelo Partido Liberal (PL). O ex-ministro de Bolsonaro, no entanto, terá que convencer a cúpula do partido a retirar o apoio ao atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB). O PL tem cargos na gestão de Nunes e algumas lideranças têm indicado preferência em apoiar o emedebista.
Na avaliação da analista política da FGV Carol Curimbaba, a relatoria de Salles na CPI pode influenciar na decisão do partido. “Se Salles conseguir conduzir bem, de forma justa e incisiva, vai ser uma passagem livre para ele começar a despontar [a candidato] para a prefeitura de São Paulo, que será uma disputa de extremos, entre ele e Boulos”, disse a especialista.
Em sua busca pelo espaço, Salles tem feito afirmações que buscam atingir Boulos. “O povo paulistano jamais permitirá ser comandado por alguém que em nada representa o espírito da nossa cidade. Invasor de propriedade, aqui não”, comentou o deputado ao reproduzir o trecho de uma entrevista em que menciona Boulos em suas redes sociais.
Boulos sinaliza possibilidade de questionar CPI do MST no STF
Já Boulos, assim como outros deputados governistas vem questionando a criação da CPI do MST. Para eles, a CPI não tem fato determinado, um dos pré-requisitos previstos no regimento da Câmara dos Deputados para criação deste tipo de comissão.
Na visão do parlamentar do PSOL, não existiriam motivos concretos para a instalação da CPI. “Essa CPI é um casuísmo, que inclusive vai ser questionada no Supremo Tribunal Federal porque não tem objeto. Pela legislação, uma CPI precisa ter um fato definido para poder ser instaurada. Uma CPI do MST é uma coisa totalmente descabida”, afirmou Boulos em entrevista à Jovem Pan News.
A Gazeta do Povo tentou contato com a assessoria do deputado federal Guilherme Boulos, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
MST já foi investigado em outras CPIs no Congresso Nacional
Esta será a quinta CPI que busca investigar o MST e as invasões de terra no Brasil. Desde 2003, o movimento já foi investigado em quatro comissões de inquérito no Congresso Nacional, sendo a primeira a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, que funcionou entre 2003 e 2005. Também foi alvo da CPMI “do MST” (2009-2011), da CPI Funai Incra (2015 –2016) e da Funai Incra 2 (2016 – 2017).
De acordo com membros da direção do MST, essa é uma forma de atacar o movimento social e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “A gente está indo para a quinta CPI ao longo dessa caminhada do MST. Todas elas tiveram esse mesmo caráter, instrumento para tentar nos colocar em uma posição de encantonamento e evidenciar as posições políticas da extrema direita, dos ruralistas em relação a nós”, ressaltou Ceres Hadich, que faz parte da direção nacional do MST, em entrevista à Agência Brasil.
Apesar disso, a analista Carol Curimbaba avalia que agora as condições desta CPI são diferentes. “Desde os últimos governos de Lula e Dilma, passamos pelos governos de Temer e Bolsonaro, quando tivemos uma redução enorme nas invasões e aumento da titularização. Esse espaço de tempo nos forneceu muita prova de que o movimento parece que não quer titularizar. Querem muito mais essa briga política e, no fim, manter essas famílias mais dependentes do movimento, do que de fato resolver o problema de moradia rural ou urbana”, afirmou a especialista.
Para o cientista político e professor da Universidade do Distrito Federal (UDF), André Rosa, a CPI do MST, que mira também outros movimentos, é uma tentativa do Parlamento de inibir esses grupos. “Essa inibição é tão latente porque agora nós temos um governo com um presidente que vem do meio sindical, que vem dos movimentos de base, dos partidos de massa. Então, o MST e o MTST teriam uma maior maleabilidade para defender as suas pautas e, inclusive fazendo as suas ocupações. É visto que existe um risco político muito maior dessas agremiações terem mais força no governo Lula. Assim, deputados e senadores já se articulam para que isso [a criação das CPIs] seja como um fator inibidor desses grupos políticos”, opinou Rosa.
MTST também conquistou espaço no governo Lula
A exemplo do MST, o MTST também conquistou espaço em cargos no governo Lula. Em janeiro, o governo nomeou o militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Simões Pereira para comandar a Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos, do Ministério das Cidades.
Com recriação da pasta, extinta durante o governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), a Secretaria das Periferias foi criada por sugestão de Boulos. Ele também foi responsável pela indicação de Simões para assumir o cargo de secretário Nacional. Em seu perfil no Twitter, o deputado comemorou a nomeação.
Composição, presidência e relatoria da CPI do MST ficam para a segunda metade de maio
A composição deverá ser definida nas próximas semanas, com o retorno do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de viagem aos Estados Unidos. Mas os deputados já buscam garantir suas indicações junto aos líderes de seus partidos. Até o momento, os deputados federais Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP) são os cotados para assumir a presidência e a relatoria da CPI, respectivamente.
Membros do Partido dos Trabalhadores (PT) afirmam que só vão discutir a possibilidade de indicação de nomes para a presidência ou relatoria após indicação dos demais partidos.