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Combate à pandemia

CPI pode indiciar Bolsonaro por “genocídio de indígenas”. Mas o que realmente ocorreu?

Manifestantes indígenas na Praça dos Três Poderes, em Brasília
Manifestantes indígenas na Praça dos Três Poderes, em Brasília. (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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A CPI da Covid do Senado registrou menções à acusação de que o presidente Jair Bolsonaro teria cometido "genocídio da população indígena" por causa de equívocos no combate à pandemia. Isso apareceu em falas de parlamentares oposicionistas e nas de alguns dos depoentes que foram à comissão. A CPI pediu documentos sobre o assunto, fez requerimentos de informações ao governo federal e chegou a aprovar a convocação de integrantes do Ministério da Saúde para falar sobre o assunto, mas não os trouxe para depoimento. Perto do fim dos trabalhos da CPI, a cúpula da comissão ainda discute se Bolsonaro será ou não enquadrado pelo suposto "genocídio de indígenas" no relatório final do colegiado.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), quer indiciar Bolsonaro por causa da questão indígena – ainda que a CPI não tenha se aprofundado no assunto. Mas, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), e o senador Eduardo Braga (MDB-AM) seriam contrários. Para eles, o indiciamento só faria sentido se a comissão pudesse comprovar que Bolsonaro agiu com intenção de vitimar os indígenas – o que não a CPI não conseguiu fazer. E a definição de genocídio implica a ação deliberada para exterminar, de forma parcial ou total, de um determinado grupo étnico.

Mas, afinal, o que existe de concreto sobre a mortalidade da população indígena por Covid-19 no Brasil?

Dados de 13 de outubro divulgados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) informam que foram confirmados 59.894 casos de Covid-19 entre indígenas, com 1.213 mortes. No total, 163 povos indígenas foram atingidos pela doença.

A ideia de que existe um "genocídio da população indígena" como resultado de falhas no combate à pandemia de coronavírus tem como um dos fundamentos o registro de taxas de infecção e mortalidade entre a população indígena por Covid-19, que seria superior às identificadas no restante dos brasileiros. Em seu depoimento à CPI no dia 24 de junho, o epidemiologista Pedro Hallal citou estudo segundo o qual 7,8% dos indígenas haviam se infectado com o coronavírus à época. Entre os brancos, segundo ele, a taxa de infecção era de 1,7% da população.

Já um parecer assinado por juristas, que está de posse de Renan Calheiros e que teve trechos divulgados pela revista IstoÉ, cita que o índice de mortalidade por Covid-19 entre os indígenas é 150% maior do que a vista na população restante.

Tratamento precoce e vacinação de indígenas são alvo de críticas

O atendimento à população indígena durante a pandemia resvala também em questões ligadas ao chamado tratamento precoce. Documentos do Ministério da Saúde revelaram que a pasta distribuiu a grupos indígenas, desde o início da pandemia, mais de 100 mil comprimidos de cloroquina.

Em depoimento à CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello disse que a substância foi distribuída por causa de sua eficácia contra a malária – doença para o qual originalmente o medicamento é usado.

Mas o líder indígena Dário Kopenawa Yanomami afirmou ao jornal O Globo que o repasse dos comprimidos foi feito sem o consentimento dos moradores de aldeias. Ele disse ainda que as lideranças tiveram que alertar a população para utilizar a cloroquina apenas nos casos de malária.

Mas maior parte das críticas às políticas federais para combater a pandemia em comunidades indígenas se dá em torno da vacinação. Isso levou o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), a homologar em março um plano nacional específico para a vacinação dos indígenas. Na ocasião, Barroso disse que existia uma "profunda desarticulação" das instâncias governamentais brasileiras em torno do assunto e que a postura do governo Bolsonaro dificultava o monitoramento das políticas públicas para o setor.

Outro assunto ligado à população indígena, e que dificulta a vacinação, é a propagação de notícias falsas. Fake news sobre efeitos adversos dos imunizantes inibiram grupos indígenas a procurarem as vacinas. O secretário de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, Robson dos Santos Silva, admitiu que isso ocorreu.

Como o governo rebate a acusação do genocídio de indígenas

Robson dos Santos Silva afirma que as políticas federais de enfrentamento da Covid-19 na população indígena foram um sucesso. “O Brasil se destaca no contexto mundial por possuir um subsistema diretamente ligado e destinado aos indígenas. São 6 mil aldeias. Esses indígenas tiveram um cuidado especial desde o início da pandemia. Sem a participação dos indígenas, não teríamos o sucesso que tivemos. Contamos também com a medicina tradicional. Nesse contexto, o sucesso da imunização foi grande”, disse o secretário de Saúde Indígena em junho.

À época, ele e outros integrantes do governo celebravam o fato de 82% dos indígenas já terem recebido ao menos a primeira dose de algum imunizante. Atualmente, o patamar está em 88%, com números ainda mais positivos em algumas localidades específicas. No Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Minas Gerais e Espírito Santo, que contempla parte do território dos dois estados, a taxa de imunização com primeira dose ou dose única da vacina é de 100%. No de Pernambuco, é de 99%. E no Distrito Litoral Sul, que inclui regiões de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, é de 98%.

Apoiadores do governo Bolsonaro contestam também os números apresentados pelos defensores da tese do "genocídio da população indígena". Durante a sessão da CPI com o epidemiologista Pedro Hallal, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) discordou da metodologia apresentada pelo pesquisador.

Hallal explicou que apresentou seus números a partir de um levantamento de indígenas que moram em áreas urbanas. Além disso, ele afirmou que, para a identificação desse grupo étnico, valia o critério da autodeterminação. Ou seja, a raça de uma pessoa é apontada unicamente por ela própria.

Para o senador Marcos Rogério, isso indicaria que os estudos foram feitos sem que os pesquisadores conhecessem, de fato, a realidade dos indígenas. "Eu acho que eu não vou nem fazer mais pergunta sobre pesquisa e sobre índio, porque, respeitosamente, você não pesquisou sobre índio, sobre comunidade indígena. Não visitou nenhuma aldeia, não conhece, pelo jeito – pelo menos é o que está demonstrado aqui –, como funciona dentro de uma aldeia indígena", afirmou o parlamentar.

Além da autodeterminação, o questionamento de Marcos Rogério evocou outro ponto de divergência, que é a questão dos indígenas urbanizados. Para alguns grupos, os indígenas que vivem em centros urbanos não podem ser, em termos estatísticos, equiparados aos que moram em aldeias. O secretário de Saúde Indígena, Robson dos Santos Silva, mencionou isso durante uma audiência em que participou na Câmara, em maio. Segundo ele, a responsabilidade pela vacinação aos indígenas urbanizados não é do Ministério da Saúde, e sim das prefeituras e governos estaduais, como ocorre com o restante da população.

Bolsonaro foi denunciado por genocídio de indígenas no Tribunal de Haia

O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado no Tribunal Penal Internacional de Haia (Holanda) pelo suposto genocídio de indígenas durante a pandemia de Covid-19. A ação foi proposta em julho pela rede sindical brasileira Unisaúde, com apoio de entidades internacionais.

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