O relator da CPI da Covid do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), pretende entregar seu relatório final sobre os trabalhos da comissão até o fim da primeira quinzena de setembro. Calheiros tem evitado dizer quais serão as menções diretas do relatório ao presidente Jair Bolsonaro. Mas declarações prévias dele e de outros integrantes da CPI indicam que Bolsonaro será indiciado por suspeitas de crimes e infrações de diferentes perfis.
A relação de acusações contra Bolsonaro é ampla e reflete também os diferentes momentos vividos pela CPI. Alguns dos crimes remetem ao chamado "gabinete paralelo", estrutura alternativa que operaria de forma desconexa com o Ministério da Saúde na gestão da pandemia. Já outras acusações se relacionam com os debates mais recentes da comissão, como as discussões em torno da compra de vacinas e de possíveis esquemas de corrupção envolvendo militares e servidores do Ministério da Saúde.
A CPI não tem poder de determinar a prisão de nenhuma pessoa, salvo em caso de flagrante por mentira em depoimento. E também não detém a competência de abrir um processo de impeachment do presidente ou afastamento de algum membro do Congresso.
O encerramento habitual dos trabalhos de uma CPI é o envio do relatório ao Ministério Público. E o MP, municiado da investigação promovida pela comissão, dá os encaminhamentos devidos, podendo inclusive processar um presidente com base nisso (nesse caso, o processo tem de ser conduzido pela Procuradoria-Geral da República).
Além das consequências jurídicas, há ainda os impactos políticos. As CPIs são tradicionalmente vistas no Congresso como um "instrumento da minoria", ou seja, um mecanismo para que as oposições tenham maior alcance para a propagação de suas teses. Adversários de Bolsonaro têm em relação à CPI da Covid uma expectativa de reverter parte do apoio do presidente dentro do Congresso.
Veja abaixo algumas das acusações contra Bolsonaro na CPI e que podem levar o presidente a ser indiciado pela comissão:
Charlatanismo, curandeirismo e propaganda enganosa
A defesa que Bolsonaro faz de medicamentos como a cloroquina e a ivermectina para o combate à Covid-19 é o que pode levar o presidente a ser enquadrado nos crimes de charlatanismo, curandeirismo e propaganda enganosa, previstos no Código Penal.
Os dois primeiros crimes se relacionam com ações falsas para a cura de doenças. Desde o início da pandemia, Bolsonaro alega que os medicamentos são uma alternativa para o tratamento da Covid-19; e teria estimulado o governo a promover esses medicamentos. A ala majoritária da CPI argumenta que não há evidências científicas de que esses remédios funcionam contra a Covid – o que caracterizaria o curandeirismo e charlatanismo.
A propaganda enganosa, segundo a cúpula da CPI, teria ocorrido quando Bolsonaro incentiva publicamente o uso desses medicamentos.
A ideia de indiciar Bolsonaro pelos três crimes foi citada pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no último dia 11. Naquele dia, o colegiado recebeu o depoimento do executivo Jailton Batista, da farmacêutica Vitamedic. A empresa produz ivermectina e viu suas vendas dispararem em 2020, na comparação com o ano anterior.
Bolsonaro ironizou a possibilidade de ser indiciado por esses crimes. Em uma de suas lives, o presidente declarou que a menção a charlatanismo e curandeirismo é resultado do fato de que não terem encontrado nada efetivamente comprometedor contra ele.
Epidemia e infração de medida sanitária preventiva
As duas infrações estão presentes no Código Penal, no capítulo que fala sobre os crimes contra a saúde pública. A infração por epidemia se dá, segundo o texto, por "causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos". Já a infração da medida sanitária ocorre quando o agente descumpre "determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".
Senadores da oposição a Bolsonaro na CPI consideram que o presidente pode ter incorrido nos crimes ao se posicionar contra medidas de prevenção, como o uso de máscaras e o distanciamento social. Por diversas ocasiões, desde o início da pandemia de Covid, Bolsonaro contestou a necessidade das ações e agiu em seguido oposto às determinações. Mais recentemente, o presidente promoveu "motociatas", passeios de moto em diferentes cidades, nas quais foram constatadas aglomerações.
Falsificação de documento público
A ideia de indiciar Bolsonaro por falsificação de documento público foi levantada após o depoimento à CPI do auditor Alexandre Costa Marques, do Tribunal de Contas da União (TCU), ocorrido no último dia 17.
Costa Marques foi chamado à CPI para falar sobre um relatório de sua autoria que "comprovaria" que metade das mortes por Covid-19 registradas no Brasil tinham, na verdade, outras causas. O documento foi citado por Bolsonaro em junho.
À CPI, o auditor disse que elaborou apenas um texto prévio e que não deu ao relato o status de documento oficial do TCU. Mas enviou o texto seu relatório (sem a marca do TCU) para o seu pai, que é amigo de Bolsonaro. O pai do auditor, então, enviou o texto ao presidente. Quando Bolsonaro expôs o texto, mostrou um arquivo que contava com o logotipo do tribunal. A inserção da marca do TCU foi vista por senadores oposicionistas como uma falsificação, e pode motivar o indiciamento de Bolsonaro.
Bolsonaro se desculpou pelo incidente. Disse que se equivocou ao tratar o texto como um documento oficial do TCU. Mas, em outras ocasiões, reiterou a hipótese de que o número de mortes por Covid-19 no Brasil pode estar superestimado.
Prevaricação
A acusação contra Bolsonaro por prevaricação – que é o crime que se dá quando um servidor público deixa de agir quando deveria fazê-lo – remete ao episódio que envolve os irmãos Miranda no caso da compra da vacina indiana Covaxin.
O deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor Luís Ricardo Miranda, que atua no Ministério da Saúde, dizem que levaram diretamente ao presidente informações sobre um esquema de corrupção que estaria ocorrendo no ministério. O objetivo da ação, segundo os irmãos, era o de privilegiar a compra da Covaxin, envolvida em negociações marcadas por suspeitas de superfaturamento e pagamento de propina. Os irmãos Miranda disseram à CPI que ouviram de Bolsonaro que o caso seria levado ao conhecimento do diretor da Polícia Federal.
A PF, porém, não abriu um inquérito a partir da denúncia dos irmãos. Segundo integrantes da CPI, a prevaricação teria ocorrido porque Bolsonaro, como agente público, tinha a obrigação de levar a denúncia aos órgãos competentes.
O presidente, após as denúncias, afirmou que levou o caso para o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello – que, por sua vez, disse que deu prosseguimento a uma averiguação sobre a denúncia. Após isso, o ministério teria constatado que não ocorreu irregularidades no caso Covaxin.
Crimes contra a vida
Uma linha de abordagem defendida por alguns senadores da CPI da Covid é o do indiciamento de Bolsonaro por supostos crimes contra a vida.
Esses parlamentares argumentam que Bolsonaro poderia ser responsabilizado por questões como uma possível negligência em relação à compra de vacinas (por meio de atos como a demora para a aquisição e a desqualificação de imunizantes); a valorização do gabinete paralelo em vez das estruturas formais para a gestão da saúde; a promoção da política de imunidade de rebanho por meio da contaminação natural; e também a atuação do governo federal durante a crise ocorrida em Amazonas no início do ano, quando o aumento de casos de Covid-19 levou a um colapso na rede local de saúde.
O senador Randolfe Rodrigues chegou a sugerir que Bolsonaro poderia ser indiciado por homicídio, por exemplo.
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