Principal fiador da proposta de imposto único e fã de carteirinha da CPMF, o economista Marcos Cintra foi demitido do cargo de secretário especial da Receita Federal, nesta quarta-feira (11), pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Cintra era um dos principais nomes da equipe econômica que vinha pensando uma proposta de reforma do sistema tributário do país.
Segundo informações de bastidores, a razão da exoneração de Cintra foi a incapacidade de o secretário comunicar ao Congresso e à opinião pública que a proposta de criação da Contribuição sobre Pagamentos (CP) não significava uma volta da antiga CPMF, embora os dois tributos incidam sobre movimentações financeiras.
A antecipação das alíquotas de 0,2% e 0,4% da CP, feitas na terça-feira (10) pelo secretário-adjunto da Receita, Marcelo Silva, repercutiram muito mal no Planalto e no Congresso. E causaram um enorme desgaste ao governo, principalmente ao presidente Jair Bolsonaro, que mais de uma vez se manifestou contra a volta da CPMF. A proposta da CP vinha sendo estudada pelo governo dentro da reforma tributária, mas nada de oficial havia sido anunciado até terça-feira.
O próprio Guedes defendeu a cobrança de um tributo nos moldes da CPMF em entrevista ao jornal Valor Econômico, na segunda-feira (9). Mas Bolsonaro teria desautorizado estudos nesse sentido e ficado contrariado ao saber que a reforma tributária do seu governo caminhava para recriar um imposto semelhante à CPMF, extinta em 2007.
Na nota em que informou a exoneração de Marcos Cintra, o Ministério da Economia esclareceu que não há, ainda, um projeto de reforma tributária finalizado. "A equipe econômica trabalha na formulação de um novo regime tributário para corrigir distorções simplificar normas, reduzir custos, aliviar a carga tributária sobre as famílias e desonerar a folha de pagamento", afirma. O comunicado nem sequer menciona a CP, muito menos a CPMF. "A proposta somente será divulgada depois do aval do ministro Paulo Guedes e do presidente da República, Jair Bolsonaro", completa o texto.
O homem da reforma tributária sucumbiu
Professor e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcos Cintra é um notório defensor do imposto único – e não é de hoje. No currículo do secretário da Receita no sistema Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma rápida busca pelos termos “imposto único” mostra uma espécie de obsessão pelo tema: a expressão é citada 412 vezes, entre artigos acadêmicos e textos publicados em jornais.
O tema já foi, inclusive, bandeira de campanha do atual secretário. Eleito deputado federal por São Paulo em 1999, Cintra chegou a gravar um vídeo para o horário eleitoral em que aparece “domando” um leão. O slogan da campanha fazia referência à menina dos olhos do economista: "Imposto? Basta um!"
CPMF, o imposto "satanizado"
A ideia de Cintra não era tão difícil de entender. O economista sempre defendeu que a tributação seja feita por meio de um imposto só, que incidiria sobre todo tipo de pagamento. Parece familiar, não? E, de fato, é: outros especialistas apontam como essa proposta se aproxima da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta em 2007.
Mal falada por muitos, mas não por Cintra. Em artigo publicado em 2018, na revista Conjuntura Econômica, da FGV, ele faz elogios à CPMF. “Basta olhar ao próprio umbigo para verificar que o Brasil abriu o caminho da modernidade tributária nos anos 90, e por 12 anos, até 2007, praticou notável inovação tributária sem qualquer contratempo, inconveniência ou contraindicação que recomende não voltar a trilhá- lo. Trata-se da movimentação financeira, uma base tributária que incorpora praticamente todas as formas tradicionais de arrecadação de impostos atualmente exploradas no mundo”, afirma.
Em outro texto, intitulado "A polêmica da CPMF", o economista Marcos Cintra afirma que o problema da contribuição foi o “modo desastroso” como foi implantada – o que, para ele, “proporcionou aos críticos uma oportunidade valiosa para satanizar aquele tributo”.
A "beleza" de um tributo
Depois de assumir o cargo no governo federal, com as especulações sobre a proposta de recriação da CPMF, Cintra mudou levemente o discurso. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em abril deste ano, o economista fez distinções entre a ideia do governo e a antiga contribuição sobre movimentações financeiras.
“Não é uma CPMF, porque o novo imposto será permanente e não incidirá somente em operações de débito feitas pelo sistema bancário. Será muito mais amplo. Abarcará qualquer transação envolvendo pagamentos, até escambo”, disse.
À jornalista Miriam Leitão, em programa veiculado pelo canal Globo News, o ex-secretário da Receita voltou a falar sobre o tema, fazendo uma espécie de declaração de amor ao imposto sobre movimentações financeiras. “A beleza do imposto sobre pagamentos é que ele não precisa de fiscalização. Toda atividade econômica gera pagamento, da forma que for. Se a tributação incide sobre qualquer pagamento, vai pegar toda a economia informal”, explicou.
Rota de colisão com Bolsonaro
Foi justamente em uma dessas ocasiões que Marcos Cintra começou a entrar em conflito com o chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Na entrevista à Folha, o economista afirmou que nem o dízimo das igrejas escaparia à cobrança da CPMF repaginada, chamada de Contribuição sobre Pagamentos (CP). “A CP vai tributar todas as transações. A base será universal: pega até a economia informal e as ações criminosas de contrabando”, afirmou.
A inclusão das igrejas no novo imposto virou manchete, ganhou repercussão e levou o presidente a gravar um vídeo desautorizando o secretário. “Fui surpreendido nesta manhã por uma declaração do nosso secretário da Receita de que seria criado um novo imposto para as igrejas. Eu quero me dirigir a todos vocês dizendo que essa informação não procede”, disse o presidente.
Após o mal-estar, Cintra compartilhou o vídeo de Bolsonaro e atribuiu à publicação a confusão com o presidente. Não foi o único conflito entre Cintra e o presidente. Segundo informações de bastidores, Bolsonaro acreditava que Cintra não controlava a ação dos fiscais do Fisco, que atuavam de forma independente, compartilhando informações agentes de segurança sem aval da Justiça.
Para o presidente, já havia passado da hora de uma mudança na Receita, mas Guedes segurou o secretário até quando pôde. Mas a repercussão negativa da nova CPMF tratou de pôr fim à jornada de Cintra no governo.
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