Sob domínio governista, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, que investigará os atos de vandalismo ocorridos em Brasília, dará início aos trabalhos nesta quinta-feira (25) e deve provocar tensão adicional entre governo e oposição, especialmente aquela ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A sessão está marcada para começar às 9 horas e será comandada pelo senador Otto Alencar (PSB-BA), parlamentar mais idoso que faz parte do colegiado.
Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a comissão com 32 parlamentares titulares, com igual número de senadores e de deputados, representa preocupação extra para o Planalto, que busca evitar o agravamento da crise na relação já conturbada com o Legislativo. Após quase um mês da leitura do requerimento para a abertura da comissão pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso, a CPMI já deu mostras do potencial gerador de provocações e tumultos.
No entanto, há governistas que veem na comissão, na qual têm maioria, a oportunidade de contrabalançar a exposição negativa em razão da CPI da Câmara que investiga atos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a qual é amplamente dominada pela oposição.
Os estrategistas políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm como prioridade acelerar os trabalhos na CPMI, focando principalmente nos financiadores dos manifestantes em Brasília, aproveitando o material já levantado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela Polícia Federal (PF). Além disso, há a orientação de se evitar a convocação de militares, para impedir novos conflitos entre esse grupo e o governo.
Há ainda o temor de que as investigações revelem fatos constrangedores adicionais para o governo, como os vídeos vazados do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marco Gonçalves Dias, agindo de maneira amigável ao lado dos invasores do Palácio do Planalto. Foi a divulgação dessas imagens, que o governo mantinha em sigilo, que tornou a comissão inevitável.
Composição do colegiado mostra indefinições e surpresas
Após terem feito tudo para impedir a criação da CPMI, movido pelo receio de agravar a instabilidade política, o governo, representado no colegiado por 15 dos 32 titulares, se prepara para confrontar os nove membros da oposição e outros oito independentes. Desde a semana passada havia número mínimo suficiente (17) para convocar a primeira sessão, o que só ocorrerá agora, com a oposição ainda questionando vagas conforme a regra da proporcionalidade dos partidos.
Os governistas na CPMI são os senadores Ana Paula Lobato (PSB-MA), Cid Gomes (PST-CE), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), Eliziane Gama (PSD-MA), Fabiano Contarato (PT-ES), Otto Alencar (PSD-BA), Rogério Carvalho (PT-SE), Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) e Marcelo Castro (MDB-PI). Completam o grupo os deputados Arthur Maia (União-BA), Duarte (PSB-MA), Duda Salabert (PDT-MA), Erika Hilton (Psol-SP), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Paulo Magalhães (PSD-BA), Rafael Brito (MDB-AL), Rogério Correia (PT-MG) e Rubens Pereira Júnior (PT-MA).
Já os oposicionistas são os senadores Damares Alves (Republicanos-DF), Eduardo Girão (Novo-CE), Esperidião Amin (PP-SC), Magno Malta (PL-ES) e Marcos do Val (Podemos-ES), mais os deputados André Fernandes (PL-CE), autor do requerimento para a CPMI, Carlos Sampaio (PSDB-SP), Delegado Ramagem (PL-RJ) e Felipe Barros (PL-PR).
Além desses, há os independentes: senadora Soraya Thronicke (União-MS) e os deputados Aluisio Mendes (Republicanos-MA) e Rodrigo Gambale (Podemos-SP).
Os filhos do ex-presidente Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), contrariaram as expectativas e figuram apenas como suplentes.
Os nomes que faltam para completar são dois senadores pertencentes aos MDB e um deputado do União Brasil, os quais ainda não foram indicados.
O senador governista Omar Aziz (PSD-MA) também havia pedido para sair semana passada e deve abrir nova vaga. Com essa desistência, não houve a reprise esperada de nomes de destaque na CPI da Covid, de 2021, incluindo os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
Enquanto os embates inflamados não começam, a CPMI tratará no primeiro dia apenas da eleição de seu presidente, o deputado Arthur Maia (PP-BA), e do relator, posto reservado ao Senado, mas cuja definição ainda inspira dúvidas. O maior temor do governo é a volta da polarização que marcou a campanha eleitoral de 2022. Planalto e aliados temem que os colegiados de inquérito virem palanques políticos até o fim do ano com vistas às eleições de 2024, para prefeito e vereadores, além de prejudicarem votações essenciais, como as do arcabouço fiscal no Senado e da reforma tributária.
Para evitar essa situação e blindar as prioridades legislativas do ano, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fizeram um anúncio conjunto na quarta-feira (23) e reafirmaram o protagonismo do Congresso na aprovação do marco fiscal, seguida da reforma tributária.
A primeira demonstração de parceria dos dois presidentes do Congresso após os desentendimentos que marcaram os primeiros meses da legislatura indicou contornos para a articulação política do Planalto. Para analistas, o gesto buscou dar firmeza à agenda de votações ainda no primeiro semestre diante da fragilidade de articulação do governo, que tem exigido mais liberação de verbas do Orçamento e presença do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas negociações.
Convocação de Bolsonaro por governistas não está descartada
Leandro Gabiati, diretor da consultoria política Dominium, prevê como a principal consequência da CPMI um esperado agravamento da hostilidade entre governo e oposição, prejudicando a busca por consensos e dificultando a criação de um ambiente de diálogo. Ele destaca que, embora o colegiado não deva obter avanços significativos nas investigações, “o resultado certo será o aumento da polarização no Congresso”.
Gabiati ressalta que o governo utilizará de sua maioria para impor danos à oposição por meio das convocações aprovadas. “Enquanto os oposicionistas poderão, no máximo, conseguir a convocação do general Marco Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e do ministro da Justiça, Flávio Dino, os governistas buscarão dar maior visibilidade a figuras ligadas a Jair Bolsonaro, como o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, o general Augusto Heleno (ex-GSI) e o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres”, disse. Ele não descarta a possibilidade de que seja solicitada a convocação do próprio ex-presidente.
Quanto à CPI do MST, o cientista político enxerga risco real de ela afetar a imagem do governo. “No entanto, o Planalto adotará uma postura indireta, delegando a defesa a partidos aliados, como PCdoB e PSol. Essa mesma estratégia deverá ser adotada na CPI das ONGs, no Senado, contando com o apoio de legendas de esquerda”, ressalva.
Para o pesquisador Antonio Lavareda, é grande a possibilidade de a tanto a CPMI do 8 de janeiro quanto a CPI do MST se converterem em “meros ringues” para o duelo de governistas e oposicionistas diante das câmeras e ampla repercussão nas redes sociais.
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