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A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro aprovou requerimentos para quebrar os sigilos fiscal (movimentações financeiras), telefônico e telemático (comunicações por internet) da deputada Carla Zambelli (PL-SP). A ação é uma tentativa de chegar a novas informações sobre a ligação da parlamentar com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Parlamentares governistas devem também tentar acusá-la de envolvimento com o hacker Walter Delgatti Neto na invasão dos sistemas do CNJ e em tentativas de apontar fraudes no sistema eleitoral.
A ala governista da CPMI já tentava aprovar os requerimentos de quebra dos sigilos da deputada há alguns dias, principalmente depois que o hacker esteve na comissão e afirmou que Zambelli teria sido responsável pela sua aproximação com Bolsonaro. Delgatti Neto alegou ainda que teria sido contratado por ela por R$ 40 mil para atuar em tentativas de provar fraude nas urnas eletrônicas utilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A deputada negou o pagamento.
Tida por muitos como isolada politicamente pelo grupo de direita mais ligado a Jair Bolsonaro, a deputada recebeu apoio do deputado Marco Feliciano (PL-SP). Segundo o parlamentar, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta criar intriga entre os bolsonaristas ao dizer que a deputada foi abandonada. “Esse parlamento deveria ter pelo menos respeito pelos pares”, disse Feliciano, ao defender Zambelli.
Segundo o deputado, não houve sequer um convite para que ela tivesse a chance de se defender na CPMI, mas “houve direto uma quebra de telefone, a quebra da conta bancária dela. Imagina se essa onda pega, se cria esse precedente aqui”, disse Marco Feliciano. Para ele, “a CPMI perdeu o seu foco, e nós estamos aqui simplesmente em um momento de show, onde cenas acontecem”.
Na avaliação do cientista político Waldir Pucci, professor da Universidade de Brasília, Carla Zambelli é o elo mais fraco entre todos os outros que eram muito próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Seu isolamento político está fazendo com que receba ainda mais pressão da base governista.
“Vejo Carla Zambelli cada vez mais isolada, seja pelo grupo bolsonarista que em parte coloca a culpa nela pela derrota do ex-presidente [nas Eleições 2022], haja visto o fato ocorrido no dia anterior à eleição, quando ela perseguiu um cidadão com a arma em punho”, disse.
Ainda de acordo com Pucci, os partidos de esquerda “têm muito interesse na cassação da deputada, e pela proximidade de Zambelli com o ex-presidente, tentam sim atingir Bolsonaro por meio dela”.
A própria Carla Zambelli já declarou: “a impressão que eu tenho é que estão tentando envolver o presidente através de mim, por eu ser bastante ligada ao presidente, e isso não vai acontecer porque não existe nenhuma prova”.
Recentemente, o episódio citado pelo analista em que Zambelli andou armada atrás de um jornalista, em São Paulo, de arma em punho, pode ter complicado ainda mais a vida da parlamentar.
O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou por 9 votos a 2 a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) e tornou Zambelli ré por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo.
A procuradoria pede que a deputada seja condenada ao pagamento de multa de R$ 100 mil por danos morais coletivos, além de perder a arma utilizada na perseguição e o cancelamento definitivo de sua licença para portar uma arma.
Condenação em processo criminal pode gerar perda de mandato
A fundadora do Instituto de Direito Político e Eleitoral, Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, afirma que a perda do mandato de parlamentares somente poderá ocorrer quando as condutas praticadas por eles puderem ser inseridas nas hipóteses previstas pela Constituição Federal, como quebra de decoro, suspensão dos direitos políticos e condenação criminal transitada em julgado.
“Quando algum parlamentar é alvo de denúncias de práticas criminosas, as consequências dessa apuração podem resultar na perda do mandato em razão de possível enquadramento na hipótese de quebra de decoro parlamentar, que será apurada em processo separado, perante a casa legislativa e com a garantia do devido processo legal”, explica a advogada.
Zambelli ainda poderá apresentar defesa ao STF. O processo entrará na fase de coleta de provas e somente depois disso é que ocorrerá o julgamento.
Na avaliação do analista Antônio Lucena, professor de Ciência Política da Universidade Católica de Pernambuco, a situação de Zambelli é ‘muito difícil’, tanto pelo caso da perseguição a um cidadão de arma em punho, quanto pela contratação do hacker Delgatti Neto. O pagamento feito ao hacker por meio de transferência via PIX, segundo ele, “foi muito amador da parte da deputada”.
“Ao que tudo indica ela tentou aproximar o hacker do Bolsonaro, e caso isso fique provado a situação fica bastante difícil”. Lucena não descarta a possibilidade de que a deputada possa perder o mandato, caso um eventual processo de cassação seja analisado pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
Zambelli deve voltar a ser alvo do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados
Depois de escapar de um processo por ter xingado o deputado Duarte Júnior (PSB-MA), durante uma tumultuada sessão da Comissão de Constituição e Justiça que contava com a presença do ministro da Justiça, Flávio Dino -- o caso foi arquivado no início de agosto --, a deputada pode ser levada novamente ao Conselho de Ética.
PSB e PSOL apresentaram representação contra Carla Zambelli pela contratação do hacker Delgatti Neto para invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e inserir um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Os partidos se basearam nas declarações do hacker para pedir a cassação da deputada, desta vez por indícios de uso inadequado de recursos públicos para financiar atividades “ilegais e subversivas”.
Segundo a representação, “as condutas perpetradas pela representada ocorreram no contexto de fomento a crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Além disso, as legendas governistas alegam que Zambelli teria se aproveitado da condição de deputada federal e utilizado a estrutura da Câmara dos Deputados para apoiar atividades ilícitas e “semear dúvidas sobre a legitimidade da representação parlamentar, e por conseguinte, da própria democracia”.
Zambelli foi alvo de Operação da Polícia Federal que prendeu hacker Delgatti Neto pela 3ª vez
As denúncias contra a deputada Carla Zambelli começaram a se tornar mais frequentes no início do mês quando a Polícia Federal determinou a realização de mandados de busca e apreensão na sua residência, em Brasília, e no gabinete na Câmara dos Deputados. As investigações resultaram na prisão do hacker Delgatti Neto, em Araraquara, no interior de São Paulo, no âmbito da Operação 3FA.
Delgatti Neto ficou conhecido ao divulgar supostas conversas entre o ex-juiz da Operação Lava Jato, hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol.
O suspeito repassou o conteúdo das supostas mensagens entre os coordenadores da Lava Jato ao jornalista do The Intercept, Glenn Greenwald, que posteriormente serviram para que a 13ª Vara Federal de Curitiba anulasse as decisões de Moro contra o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, por exemplo. Os arquivos foram usados ainda para que a defesa de Lula argumentasse a suspeição de Moro para julga-lo.
Os membros da força tarefa nunca reconheceram a autenticidade das mensagens. Na época, a força-tarefa afirmou em nota que os membros do Ministério Público Federal sofreram um “ataque criminoso”.
A Lava Jato foi a maior investigação contra a corrupção no Brasil. Entre 2014 e 2021 a operação levou dois ex-presidentes (Lula e Temer) à cadeia, além de empresários e políticos, com a devolução de mais de R$ 22 bilhões aos cofres públicos.
O que diz a defesa da deputada
O advogado Daniel Bialski, que defende a deputada, destacou que a quebra de sigilo fiscal já havia sido determinads pelo STF e que “bastava requisitar cópia”. “Ela [Carla Zambelli] está absolutamente tranquila quanto a isso porque nada tem a esconder”, afirmou.
Bialski disse que, durante o andamento do processo no Supremo em que a deputada sacou uma arma, a defesa vai “demonstrar que, na verdade, ela foi e é vítima porque estava almoçando com o filho quando foi afrontada, xingada e ameaçada por 5 homens, um deles que aliás cuspiu nela. [A deputada] agiu como forma de detê-lo e por conta das circunstâncias. Agiu no exercício regular de um direito”.
O advogado salientou ainda que Carla Zambelli “tinha porte e registro da arma justamente porque foi ameaçada de morte, de sequestro de seu filho etc. E, por tudo isso, a defesa espera elidir [eliminar] a acusação e evidenciar que [a parlamentar] não praticou as condutas descritas na denúncia”.
Já sobre o possível envolvimento com o hacker, a defesa disse, em entrevista à GloboNews, que Zambelli foi descuidada, e que não existe nenhum pagamento feito pela deputada a Delgatti Neto.