Ouça este conteúdo
A invasão e depredação, neste domingo (8), de instalações do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF) poderão levar os envolvidos a punições que somam 30 anos de prisão, o tempo máximo que uma pessoa pode ficar reclusa. Esse é o total das penas dos crimes apontados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na decisão em que mandou prender em flagrante todos os manifestantes que participaram dos atos de vandalismo e que estavam acampados em quartéis do Exército.
Moraes disse que eles podem ser enquadrados em diversos tipos penais, divididos em cinco grupos: terrorismo, crimes contra a paz pública, contra as instituições democráticas, contra a liberdade pessoal e contra o patrimônio, conforme classificados pelo Código Penal.
Apesar disso, penalistas ouvidos pela reportagem entendem que não será simples responsabilizar os invasores e organizadores do ato, além dos policiais e autoridades que podem ter contribuído para os atos de vandalismo. Cada um pode ser enquadrado de forma distinta e é necessário que sua participação seja apurada de forma precisa para a devida punição.
O primeiro tipo de crime apontado por Moraes é o de terrorismo. Ele poderia estar configurado, no caso das invasões, pelos atos de usar meios, sobretudo explosivos, capazes de “causar danos ou promover destruição em massa”, ou pelo ato de sabotar “instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais”, ou ainda pelo ato de “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa”. A pena varia de 12 a 30 anos de prisão.
Especialistas consultados pela reportagem, no entanto, apontam um obstáculo: para sua punição, a lei condiciona o ato terrorista a motivações específicas, no caso “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Além disso, a lei diz que o terrorismo não fica caracterizado na conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas ou com objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais.
“Para os crimes de terrorismo, vai haver polêmica, porque condicionam a prática a determinados motivos. Essa sequência limita a interpretação do artigo. Têm juristas que entendem que cabe, eu entendo que há dificuldade”, diz Yuri Carneiro Coelho, doutor e professor em Direito Penal.
Na decisão que mandou prender manifestantes, Moraes ressaltou que também pode responder por terrorismo quem realizou atos preparatórios para o crime.
Um segundo grupo de crimes apontados pelo ministro é constituído por crimes contra o Estado Democrático de Direito, inseridos no Código Penal em 2021 para substituir a extinta Lei de Segurança Nacional (LSN).
Foram apontados dois delitos nesse rol: o de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que consiste em “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena de 4 a 8 anos de prisão; e o crime de golpe de Estado, definido como ato de “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, com pena de 4 a 12 anos.
No primeiro crime, seriam enquadradas aquelas pessoas que foram aos atos com o intuito de fechar o STF, o Congresso ou a sede do Poder Executivo, pedindo, por exemplo, que as Forças Armadas assumam o poder no país. No segundo crime, estariam enquadrados invasores que queriam apenas a destituição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por meio da violência. Como os dois propósitos se confundem, os manifestantes poderiam ser punidos pelos dois delitos. A avaliação caberá ao Ministério Público Federal, a quem cabe denunciar os participantes na Justiça, com base nas investigações e depoimentos que serão tomados pela Polícia Federal.
Em outro grupo de crimes apontado por Moraes, estão aqueles contra a paz pública. Dentro desse rol, estão os delitos de incitação ao crime, com pena de até seis meses de detenção; e associação criminosa, com pena de até três anos de reclusão.
Um quarto grupo é constituído por crimes contra a liberdade pessoal. Neles estão a ameaça – “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave” – com pena de até seis meses de detenção; e perseguição – “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade” –, com pena que vai até 2 anos.
Por fim, o ministro apontou o crime contra o patrimônio, no delito de dano qualificado, que consiste em “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”, mas, no caso, pertencente ao patrimônio da União”, com pena de seis meses a 3 anos de prisão.
Dificuldades para responsabilização
Uma das primeiras dificuldades para responsabilizar os manifestantes é averiguar em que medida cada um participou dos atos de invasão e depredação. Essa avaliação deve levar em conta que aproximadamente 1.500 pessoas foram presas em flagrante (na Praça dos Três Poderes e no acampamento em frente ao Exército), e cada uma deverá ser ouvida numa audiência de custódia, ato no qual um juiz decidirá se ela deverá se manter encarcerada.
Para isso, após ouvir a pessoa detida e o Ministério Público, ele deverá constatar não apenas que há indícios suficientes da participação dela em algum crime, mas que também sua liberdade ainda representa risco. O magistrado deve avaliar se, caso seja solta, a pessoa pode cometer novos delitos, atrapalhar a investigação ou fugir. Se uma dessas condições for satisfeita, é decretada a prisão preventiva, que só acaba quando um desses riscos cessa.
Nesta segunda, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou a convocação de mais procuradores para participar dessas audiências. A Justiça Federal também teria de mobilizar mais juízes para presidir esses atos.
Outra dificuldade estará em apurar a responsabilidade de policiais e autoridades suspeitas de facilitar as invasões, não reprimindo a entrada nos edifícios e a depredação do patrimônio público. Aqui, o MPF também terá papel central, porque cabe ao órgão fiscalizar a atuação policial.
Para Matheus Falivene, doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), eles também poderia responder por prevaricação, que consiste em “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, com pena três meses a um ano de detenção.
“Mas o Estado não pode exigir ato heroico do policial. Se estavam em número insuficiente e não estavam em condição de conter a invasão, não se pode exigir que coloquem a vida em risco. No caso, vai haver investigação para saber se houve erro do comandante, do secretário, do governador ou até do ministro da Justiça, por ter tido um efetivo tão pequeno”, diz.
No caso dessas autoridades, o próprio Moraes apontou que podem ser responsabilizadas por omissão dolosa. O Código Penal permite a punição do agente que “devia e podia agir para evitar o resultado”, seja daquele que “tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”, ou que “assumiu a responsabilidade de impedir o resultado” ou ainda daquele que, “com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.
Uma dessas autoridades é Ibaneis Rocha (MDB). O ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento dele, por 90 dias, do cargo de governador do Distrito Federal, em razão dos atos de vandalismo. Na decisão, o ministro do STF apontou “conduta dolosamente omissiva” do mandatário.
Ibaneis comentou a decisão e disse: "Confio que ao curso da apuração de responsabilidades será devidamente esclarecido o papel de cada um dos agentes públicos, bem como a inteira disposição do Governo do Distrito Federal no sentido de evitar todo e qualquer ato que atentasse contra o patrimônio público de nossa Capital, jamais esperando que a situação atingisse o ponto a que, infelizmente, assistimos", disse.
Além do governador afastado, o ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, também é investigado pelos atos que ocorreram em Brasília.
VEJA TAMBÉM:
- O que se sabe sobre a investigação dos acusados de vandalismo em Brasília
- Dino atribui a Bolsonaro a “responsabilidade política” pelos atos de vandalismo em Brasília
- Vandalismo em Brasília: as repercussões políticas do “Capitólio brasileiro”
- Em reunião de Lula com governadores, DF atribui vandalismos a “informaçõe