Após a volta do recesso parlamentar, o Senado Federal deve dar celeridade ao Projeto de Lei 2253/2022 que restringe as saidinhas de presos em feriados. O tema voltou à tona após o sargento da Polícia Militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, ser assassinado por um criminoso que estava utilizando o benefício, em Belo Horizonte (MG).
Ao comentar a morte do militar, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a legislação tem “pretexto de ressocializar”, mas serve “como meio para a prática de mais crimes”.
“Armas estão nas mãos de quem não tem condição de tê-las, e a liberdade para usá-las, garantida a quem não devia estar em liberdade”, disse Pacheco na rede social X, o antigo Twitter. “Ou reagimos fortemente à criminalidade e à violência, ou o país será derrotado por elas”, completou.
Tradicionalmente, o mês de dezembro é marcado por diversos casos envolvendo crimes praticados por criminosos que foram beneficiados com a saída temporária. Outro caso que chocou o país foi a morte da cozinheira Renata da Silva Teles, assassinada na véspera de Natal em um quarto no hotel em que trabalhava, em Campinas (SP).
O criminoso, um homem de 43 anos, confessou o homicídio quando se apresentou de volta ao presídio. Ele cumpria pena em regime semiaberto por causa de uma condenação a 12 anos de prisão pela morte da companheira dele em 2018, que foi assassinada também no Natal.
Divergências sobre fim da saidinha dificultaram tramitação do PL 2253/2022 no Senado
O Projeto de Lei 583/2011, de autoria do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados em 2022. Foram 311 votos favoráveis e 98 contrários. O projeto inicial não extinguia a saída temporária, mas foi alterado pelo relator da matéria na Câmara, o então deputado Capitão Derrite (PL-SP).
No Senado, o texto ficou sob a relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e desde outubro está parado na Comissão de Segurança Pública do Senado. A divergência entre os senadores ocorreu após o relator manter a extinção promovida pelos deputados.
Em resposta à demora da apreciação do projeto na comissão, Flávio Bolsonaro afirmou em suas redes sociais que o PT tem trabalhado contra o projeto. “A saidinha incentiva a fuga das cadeias e não ajuda na reintegração dos presos. Já apresentei o relatório há meses, está pronto para ser votado, mas a base de apoio a Lula, principalmente senadores do PT, estão utilizando todos os artifícios regimentais para impedir a votação dele”, disse o senador.
Indagado sobre o assunto, o presidente da Comissão de Segurança Pública do Senado, Sérgio Petecão (PSD-AC), negou que haja movimento do governo para atrasar a tramitação da medida e afirmou que a mudança feita por Flávio Bolsonaro não agradou aos senadores e movimentos sociais ligados ao tema.
“Sou contra as saidinhas, mas o Flávio queria acabar com todas. A lei permite algumas situações de progressão, como, por exemplo, para quem trabalha e estuda. Não podemos passar por cima de tudo isso”, disse Petecão.
Ele também informou que o senador Sergio Moro (União-PR) está analisando o texto de Flávio Bolsonaro e deve fazer melhorias antes da votação na comissão, que está prevista para acontecer já nas primeiras sessões após o recesso parlamentar. Com o apoio de Pacheco ao tema, a previsão é de que a matéria também tenha facilidade de tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, última comissão temática antes do projeto chegar ao Plenário.
Lei de Execuções Penais precisa mudar
Na avaliação de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a Lei de Execuções Penais precisa ser revista para que casos como os assassinatos de Roger Dias da Cunha e Renata da Silva Teles não voltem a acontecer. Para o antropólogo e ex-capitão do Bope, Paulo Storani, autor do livro “Vá e Vença” (Ed. Best Seller, 2018), a lei em sua forma atual já não tem efeito para os criminosos.
“A Lei de Execuções Penais, criada em 1984, criou uma série de benefícios e desde lá outros também foram concedidos. O que aconteceu no Brasil foi uma construção de um cenário baseado em uma permissividade e crescente tolerância com a prática criminosa, tratando o criminoso como vítima da sociedade. Isso acabou produzindo a situação que temos hoje. Paralelo a isso, houve uma demonização das expressões policiais e vimos perdurar uma visão de eliminação da Polícia Militar. Além disso, olhe os casos que temos: criminosos beneficiados pela saída temporária que não retornaram e cometeram crimes durante a saída. Isso mostra que [a lei] não tem efeito para esse tipo de criminoso”, disse o ex-militar.
Já para o advogado criminalista José Maria Nóbrega, professor da Universidade Federal de Campina Grande (PB), detentos que tenham cometido crimes hediondos, como tráfico de drogas, não deveriam ter o benefício.
“A maioria retorna das saídas temporárias, mas deve pagar pela minoria. Sou a favor de restringir mais a saída temporária, para casos específicos de reeducandos que estejam fazendo cursos, proibindo a saída de Natal ou semelhantes. O que deve provocar alterações na Lei de Execução Penal, sim. Na minha opinião, traficantes e chefes de facções não devem ter acesso ao benefício, já que tráfico de drogas não entra como crime hediondo, segundo a Lei 8.072/90”, disse o jurista.
Como funciona a saída temporária
As "saidinhas" são um benefício concedido a presos com bom comportamento que já cumpriram parte da pena e estão em regime semiaberto. De acordo com a legislação, o benefício visa dar a essas pessoas o retorno ao convívio social, a frequência em ensino regular e a visita à família.
As saídas ocorrem tradicionalmente em feriados, como Natal, ano novo, Páscoa, Dias dos Pais, Dias das Mães e Finados. Os detentos que se enquadram nos requisitos também podem solicitar autorização para estudar. O condenado só poderá estudar na região onde cumpre a pena e só sairá da prisão no horário de aula. Caso o detento mostre mau aproveitamento nos estudos, o benefício pode ser cancelado.
A saída também impõe regras de comportamento e proibições. São elas: atrasar o retorno ao presídio sem comunicar a direção, ir a festas ou bares, embriagar-se ou usar drogas ilícitas, envolver-se em brigas, possuir ou portar armas e praticar delitos.
São Paulo: 1,5 mil presos não retornam após saidinha
De acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, o país conta com aproximadamente 118 mil presos em regime semiaberto. Apesar disso, nem todos são elegíveis para o benefício.
Em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública do estado registrou que cerca de 34 mil presos deixaram 182 cadeias para a saída temporária de Natal. De acordo com um balanço feito pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) nesta segunda-feira (8), 1.566 ainda não retornaram - o que representa 4,5% do total dos detentos liberados no feriado.
O órgão informou que durante a “saidinha temporária” prendeu 712 detentos descumprindo as medidas impostas pela Justiça, sendo que 631 infratores desobedeceram regras como não permanecer no município de origem ou ficar na rua após o toque de recolher (22h). Outros 81 foram flagrados cometendo delitos diversos, sendo os mais comuns tráfico de drogas, furto e roubo.
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