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Crise na segurança

Motim da polícia no Ceará ameaça a tendência de queda dos homicídios no Brasil

protestam em Fortaleza por melhores salários: Ceará registrou queda de 50% nos homicídios em 2019.
Policiais militares encapuzados e sem farda protestam em Fortaleza por melhores salários: Ceará registrou queda de 50% nos homicídios em 2019. (Foto: João Dijorge/Photopress/Estadão Conteúdo)

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O Ceará teve a maior diminuição no número de assassinatos no ano passado entre todas as unidades da federação: 50%. A redução do estado sozinha respondeu por 20% da queda nacional, segundo Arthur Trindade, professor da UnB e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2019 foram registradas 2.257 mortes violentas no Ceará, contra 4.518 no ano anterior, segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do estado. No país, o número de assassinatos caiu 19% no período – a maior queda desde 2007.

Essa redução, porém, pode ir por água abaixo com a crise que se instalou no estado. Policiais insatisfeitos com os salários começaram um motim que causou uma escalada da violência no Ceará. Em oito dias de revolta – entre os dias 18 e 25 de fevereiro – foram registrados 170 assassinatos, o equivalente a 21 mortes por dia. No ano passado inteiro ocorreram, em média, seis homicídios por dia.

A Constituição proíbe que as forças policiais façam greve. Por isso mesmo, os amotinados se escondem atrás de máscaras e usam familiares para dar volume ao movimento. Mas a radicalização do protesto ameaça o bem-estar da população e a credibilidade que os policiais cearenses conquistaram com a queda brusca na ocorrência de assassinatos.

Batalhões foram invadidos e, num confronto com policiais, o senador licenciado Cid Gomes (PDT) levou dois tiros. O governo estadual propõe um aumento progressivo no salário de soldados da Polícia Militar, que passaria de R$ 3,2 mil para R$ 4,5 mil, até 2022. Os amotinados, porém, querem o aumento integral neste ano.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse que a situação do estado está "sob controle". Moro esteve em Fortaleza, na segunda-feira (24), para acompanhar a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Agentes da Força Nacional foram enviados ao estado, a pedido do governador Camilo Santana (PT), para garantir a segurança enquanto durar a greve de policiais.

Insatisfação da polícia pressiona negociações em outros estados

Pelo menos outros cinco estados enfrentam tensões com agentes de segurança, que reivindicam melhores salários: Paraíba, Espírito Santo, Alagoas, Pernambuco e Piauí. Já Minas Gerais ignorou a própria crise financeira e aprovou um aumento de até 41% para as forças de segurança. O impacto anual do reajuste, nas contas do estado, é de R$ 5,6 bilhões. O acordo pressiona as negociações em outros estados. Afinal, se um ente em dificuldade como Minas consegue conceder um aumento salarial dessa magnitude, por que os outros não podem fazer o mesmo.

Os policiais negam que as reivindicações salariais possam atrapalhar o esforço pela manutenção da queda dos homicídios. “Apesar dos salários baixos, a gente está fazendo um bom trabalho. O policial quando veste a farda, é a segunda pele dele, ele tem um compromisso com a sociedade”, defende o sargento Leonel Lucas, presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (Anermb).

O que falta, na visão dele, é um reconhecimento público dos esforços policiais que resultaram na redução recorde dos homicídios no país. “Não adianta a gente ficar pedindo migalha para a segurança pública. Está na hora do presidente Bolsonaro reconhecer todo o esforço que a segurança pública está fazendo hoje", disse.

Lucas defende que o governo federal recrie um ministério específico para a segurança pública, como era na gestão Michel Temer. “O governo que foi eleito por quase a totalidade dos policiais teve campanha de graça. Tem cidade que o presidente nem sabe que existe e o policial fez campanha para ele. E o primeiro ato [de Bolsonaro] foi a extinção do Ministério da Segurança Pública. Esses índices [de homicídios] que baixaram poderiam baixar mais”, afirmou o sargento, que acrescenta: “não temos nada contra Sergio Moro”.

Porém, o representante da Anermb acredita que seriam melhor representados em um ministério por alguém da própria classe.

Número de homicídios teve queda recorde em 2019

O total de assassinatos no Brasil caiu 19% no ano passado, registrando o menor número de vidas perdidas para a violência desde 2007, primeiro ano da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram 41.635 vítimas em 2019, uma redução de quase 10 mil casos na comparação com o ano anterior. Foi o segundo ano seguido de queda: em 2018, os casos de homicídios já haviam recuado 12,8%.

A redução recorde foi motivo de comemoração num país em que todos os anos morrem de forma violenta 50,5 mil pessoas, em média, o suficiente para encher um estádio de futebol do porte do Beira-Rio, casa do Internacional de Porto Alegre.

Todos os estados e o Distrito Federal tiveram redução nos crimes violentos intencionais. São considerados na contagem: vítimas de homicídio doloso, incluindo feminicídio; latrocínio; e lesão corporal seguida de morte.

O Ceará, citado pelos especialista como um exemplo na redução, só conseguiu diminuir o número de assassinatos, porque o governo do estado investiu em segurança pública, pessoal e equipamentos, implantação de um plano de segurança, com foco nos homicídios, reformulação de delegacias.

Além de adotar uma política de remoção de lideranças do crime organizado – neste caso, com o apoio do governo federal. Arthur Trindade, professor da UnB e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pontua que, com essas ações, o governo teve que encarar um desgaste político e enfrentar a reação dos grupos criminosos, na época.

O que explica a queda dos homicídios no Brasil em 2019

A queda foi exaltada nas redes sociais pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como um feito do primeiro ano de governo. Moro atribuiu a redução à atuação integrada das forças federais, estaduais e municipais de segurança pública.

Especialistas afirmam que grande parte da responsabilidade pela diminuição dos assassinatos é dos governos estaduais. “A redução de homicídios virou agenda pública, de políticas públicas. Antes não havia nenhuma medida voltada a isso”, defende Trindade.

“Os governos estaduais começaram a cobrar ações mais efetivas das polícias e muitos estados brasileiros começaram a adotar o que se chama de gestão por resultados com as suas polícias”, diz Luis Flávio Sapori, especialista em segurança pública e professor da PUC-MG, citando uma das hipóteses que explicam a redução.

Ele cita que muitos estados investiram e continuam investindo em pessoal, equipamentos e delegacias especializadas, e essa tendência de queda nos homicídios pode se acentuar anda mais nos próximos anos.

“Alguns fenômenos têm múltiplas causalidades, é difícil chegar a apenas uma conclusão. Nenhuma ação ou variável nacional aconteceu em todo o Brasil que possa explicar a queda [nos assassinatos em 2019]. É melhor olhar estado por estado – em 13 deles, a queda já vinha acontecendo há quatro anos”, alerta o professor Arthur Trindade.

Todos os estados do Brasil registraram queda na ocorrência de assassinatos no ano passado. Segundo Trindade, as quedas no Ceará, Rio de Janeiro e Bahia, por exemplo, ajudaram a baixar o número total de crimes dessa natureza. Os três estados respondem por quase 40% dos homicídios no país.

Boa parte do dinheiro investido pelos estados vem do governo federal, por meio de fundos específicos de segurança pública. “A União financia a segurança pública, mas o dinheiro que entra só tem reflexo dali dois anos, porque tem fazer licitação, empenho, etc. Então não tem uma ação imediata”, pontua Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), no final de 2018, é citada pelos especialistas como uma iniciativa do governo federal que ajudará a melhorar o combate ao crime violento e à criminalidade de modo geral. Para Mingardi, o Susp terá influência no médio prazo. “Por exemplo, o dinheiro federal agora vai passar a chegar mais rápido, tem algumas mudanças que não vão refletir de imediato. O governo federal não financia efetivo, só material, treinamento”, diz o analista criminal.

Facções criminosas em "trégua"

O ano de 2019 marcou uma ofensiva contra a ação de facções criminosas organizadas e isso também pode ter refletido nas estatísticas de assassinatos. A transferência de lideranças para presídios federais é tida pelo Ministério da Justiça como uma vitória contra o crime organizado.

Para Mingardi, houve também um recrudescimento na disputa territorial entre facções que vinha causando muitas mortes. “Outro fator tem a ver com a diminuição do nível da briga nacional entre PCC e Comando Vermelho...Não que eles sejam amigos, mas estão mais ou menos numa trégua armada, digamos assim”, diz.

Trindade não considera essa espécie de trégua uma hipótese razoável para a diminuição nas mortes em 2019. “O que pode estar acontecendo é que em alguns estados o tráfico está matando menos, caso de Minas Gerais, por exemplo. Há indícios claros, principalmente na região metropolitana de Belo Horizonte, de uma certa pacificação do tráfico de drogas, com a diminuição do índice de homicídios relacionados ao tráfico”, afirma.

*Colaboração: Giulia Fontes, Estadão Conteúdo.

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